Ayrton Senna, Adriane
Galisteu e Viviane Senna passeando de lancha por Angra dos Reis em 1994
Nossa primeira viagem internacional incluiu uma
vitória, muita alegria e muito amor. Era hora de voltar à realidade - e, por
mais que eu tivesse certeza de meu amor, não tinha a menor certeza de que
realidade seria essa. Mas o próprio Béco - eu já podia chamá-lo assim, sem medo
de parecer abusadamente íntima - me deu uma dica e uma lustrada na vaidade:
- Quero você sempre assim como você é.
- O que você quer dizer com isso? - vacilei.
- Por favor, não mude jamais. Se eu tivesse que lhe
pedir alguma coisa, seria ser exatamente o que você é. Só não precisa tomar
tanta Coca-Cola, freqüentar tanto McDonald's e, agora, falando sério, acho que
você deveria estudar inglês.
Senti que estava implícito, ali, o convite para
acompanhá-lo no circuito internacional. Foi o avião tocar o chão em Cumbica,
dia 26 de maio, e eu corri para festejar com a minha melhor e mais
incondicional confidente, minha mãe: - Foi um sonho!
Olhando com os olhos de hoje, entendo que houve uma
conjunção favorável: meu primeiro giro no exterior com ele seria o mais gostoso
de todos. Porque depois as coisas se complicaram na pista, surgiram
problemas na McLaren, as vitórias escassearam, a tensão cresceu e por mais que
ele me pedisse, me implorasse, "me ajuda a separar minha vida profissional
da minha vida pessoal", você sabe que nem sempre isso é possível.
- Quando estou com você, eu me esqueço dos problemas -
recostava-se ele em mim. Da mesma forma, com ele eu me esquecia de meus
problemas.
Minha carreira de modelo eu não tinha como abandonar.
Contas a pagar, um reforcinho aqui e ali no orçamento doméstico da
mamãe... Reapresentei-me na Elite e voltei à ciranda dos testes. Mas uma
transformação tinha acontecido na minha vida. Definitivamente, mudei de turma.
Mesmo quando o Béco viajava sozinho, a negócio ou para
correr, como aconteceu logo depois, no GP do Canadá, dia 13 de junho, era com o
Leozinho Senna que eu ia jantar, com a patota de Angra, sob a estrita
vigilância dos amigos dele, da velha camaradagem de Santana e da Vila Maria. Ao
Léo, por exemplo, quantas vezes eu não emprestei meu ombro, para ele chorar
suas dúvidas. Gosto ou não gosto da Luciana? (Luciana Sargologos, uma morenona
imponente, tinha sido namorada dele por muitos anos.) Sentia-o completamente
diferente do irmão. Mas gostava dele. E da Sonaly, outra modelo da Elite, um
metro e oitenta de mulher que passou a acompanhá-lo em nossas jornadas de
Angra. Era eu que fazia o supermercado, que ia ao Santa Luzia fazer as compras
do apartamento da Paraguai. Léo e eu éramos confidentes. Para mim, nada melhor
para definir uma genuína amizade. Aos 21 anos, já aprendi da vida que amizade é
um produto muito mais raro do que parece ser.
Para nós, o que Angra era no Brasil, o Algarve era na
Europa. Há dois anos e meio Ayrton fazia daquele cantinho ensolarado do sul de
Portugal o seu mix de refúgio e escritório ao longo de toda a temporada
européia - que, com uma ou outra alteração de calendário, coincidia com o
período mais agradável de final de primavera, verão e comecinho de outono. De
mais a mais, as férias escolares brasileiras, em julho, sempre davam chance
para que a família, ou parte dela, se achegasse - como aconteceu em 1993. Pude
curtir meus primeiros momentos de verdadeira intimidade com a Zaza, mãe
dele - a quem eu ainda tratava pelo cerimonioso "dona Neide".
Intimidade é isso: café da manhã juntas, preparar na cozinha uma comidinha
especial para o filho, sair às compras com ela e a Juraci, a caseira. Viver
essas coisas banais do cotidiano. Viviane, a irmã mais velha de Ayrton,
apareceu com as meninas, Bia e Paulinha. Bruno ficou com o avô na fazenda de
Tatuí, treinando no seu kart.
Pude sentir, nas palavras trocadas à mesa ou à beira
da piscina, o que o Béco significava para eles: o xodó, o filho vitorioso, o
arrimo, o eixo, quase a motivação de cada uma daquelas vidas. Uma mulher a
mais, uma namorada, seria sempre uma ameaça à ordem natural da rotina familiar,
um perigo. Namoradinha, que fosse - mas que não passasse daí. Isso eu
vejo agora. Não pela cabeça naqueles dias, naquelas semanas. Eu só sabia repartir
com eles, o Béco e a família, coisas boas.
Por exemplo, a vontade súbita de fazer umas comprinhas
em outras cidades da Europa. O jato do Béco estava quase sempre disponível, nos
intervalos entre as provas e lá fomos nós, a mãe, a irmã e as crianças para uma
temporada de aquisições em Londres. Sendo que, uma tarde, saindo só nós duas,
Bia e eu, ela simplesmente evaporou, dentro da Harrods. Eu, desesperada,
descabelada, procurando. Nada. Perguntei por ela, no meu inglês estropiado.
Nada. Fui até a porta. Nada. Meu desespero me obrigou a uma última saída:
- Biiiiaaaaaa!
Dei um berro que toda a gigantesca loja de
departamentos ouviu.
Inclusive ela, ainda bem. Calmamente, experimentava
roupa num daqueles provadores.
Próxima escala: Paris. Desembarcamos no hotel e saímos
em disparada, à procura de um táxi. Estava tudo estranhamente calmo. O porteiro
nos deteve:
- Mesdames, vocês sabem que dia é hoje?
14 de julho, feriado nacional. Tudo fechado. E só
tínhamos mais um dia. Saímos assim mesmo, lambendo as vitrines. Conseguimos
descobrir duas lojinhas antipatrióticas: uma de perfumes, outra de cristais.
Béco foi nos encontrar lá, já a caminho dos testes do
GP da Alemanha. Abriu nossos quartos e quase desmaiou:
- Vocês estão malucas?
Teve a pachorra de contar: 38 malas, para quatro
mulheres. O paciente Mahonney conseguiu acomodá-las, todas, no avião. Posou,
antes, para uma foto que mostrasse toda aquela bagagem. Simpaticíssimo
personagem, do qual sentirei falta, o Mahonney. Lembro-me de que ele reclamava
apenas de uma coisa: de tão próximo do Béco, nunca ninguém se lembrara de
fotografá-los juntos, piloto e piloto. Soube, aliviada, que às vésperas do
acidente fatal em Ímola a foto foi feita.
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Descemos. Esperava por mim um Uno Mille Electronic
zero, prata, igualzinho ao que eu queria comprar. Com um buquê de rosas no capô
e o detalhe da chapa: DRI 7770. Só faltava laçarote e papel celofane.
- Isso é um presente de agosto.
- Mas por que agosto? - estranhei. - Não é Dia dos
Namorados, não é nada...
- Por isso mesmo: não tem data nenhuma. É um presente
de agosto.
Enchi o Béco de beijos. Fiquei sem palavras. Entrei
como louca no carro e corri para mostrar a minha mãe. Liguei também para a mãe
dele:
- Ganhei um carro novinho.
- Ele me contou - disse a Zaza. - Vem cá que eu quero
dar uma volta.
Zaza, Bia, a sobrinha mais velha, e eu, lá fomos nós -
depois, jantamos todos no apartamento do Pacaembu. Nosso convívio na Europa me
dava a idéia de fazer parte da família. A Bia - Bix, eu a chamava - era como
uma irmã mais novinha. Passamos aquele fim de semana na fazenda de Tatuí e, na
volta, acompanhei a Zaza ao shopping. Éramos confidentes de copa e cozinha, do
tipo de ficar conversando enquanto se fazem as unhas. Tanto que, depois de
levar o Béco ao aeroporto, no Mercedes dele, naquela noite de terça-feira, 24
de agosto, para Frankfurt e, de lá, para o GP da Bélgica, fiz o que achei mais
natural: Eu fui dormir na casa dos pais dele, na cama dele.
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Senna foi buscar a mãe, a
irmã e a namorada Adriane, que estavam em Paris, para levá-las para a casa que
alugou em Fontveille, ao lado de Montecarlo. Amanhã, todos seguirão para o
Algarve, em Portugal, onde o piloto ficará até a ida para Hockenheim, marcada
para quinta-feira de manhã. (jornalista Celso Itiberê, jornal O Globo, 16 de julho de 1993)
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Natal, para mim, é um convite à tristeza. Desde que
meu pai morreu, em 1989, era como se a festa não existisse. Ele faleceu em
outubro, como eu já contei, numa situação inesperada, de repente - e
nossa casa nunca mais foi a mesma. Minha avó materna, Agnes, que morava ao
lado, tipo da mulher determinada, uma fortaleza, ainda tentava levantar
nosso astral, naquele dia de má memória, recorrendo a velhas receitas de
rabanadas e pães húngaros rabiscadas em cadernos antiquíssimos - e, num ano do
qual não me lembro, mamãe, que sempre foi mais desanimada que vovó, bem que
preparou um peru recheado com farofa e ameixas. Mas a gente não cultivava o
ritual da ceia. Era um jantar comum, quem quisesse se servir que se servisse e
nada de árvore enfeitada, os presentes ficando esparramados por aqui e por ali.
Cada um de nós buscava, no Natal, um certo recolhimento para cicatrizar a nossa
grande ferida na alma que era a ausência prematura de papai.
Agora, porém, era diferente. Béco e eu voltamos da
Europa, vivíamos sob o mesmo teto no apartamento da Rua Paraguai,
compartilhávamos os mesmos amigos, saíamos para jantar invariavelmente juntos,
éramos dois namorados na plena acepção da palavra - se não havia aliança de
noivado, sobravam intimidades do tipo dormir na mesma cama na casa da mãe e do
pai dele, no Pacaembu. Sentia, no íntimo, que ele até gostava de me mostrar um
pouquinho. Meu Natal, portanto, seria com ele. Zaza, pessoalmente, reiterou o
convite. Quatro ou cinco dias antes, toda a família se deslocaria para a
fazenda de Tatuí, e a festa teria o duplo sentido de celebrar a ceia com
filhos, sobrinhos, genros, noras e de inaugurar o casarão novo, todo restaurado.
Árvore de Natal, presentes que se acumulavam ao pé do
pinheiro, a expectativa da criançada, os passeios a cavalo por aquele paraíso,
as nossas pescarias, as competições de kart na pista particular construída
segundo o traçado de quem começara sua carreira ali, a torcida pelo sobrinho
Bruno, filho da Viviane e promessa de campeão - naquela preguiça dos compridos
cafés da manhã, de almoços deliciosos e cheios de falatório e de tardes
iluminadas como aquela em que um fotógrafo italiano, conhecido do Ayrton, fez
nosso ensaio amoroso que correu o mundo, resgatei um pouco da alegria da
data do nascimento de Cristo.
Eu me sentia absolutamente em família, com a primazia
do lugar de honra ao lado do príncipe da casa. Nem mesmo àquelas eventuais
alfinetadas que cheguei a ouvir, em relação a antigas namoradas de Ayrton,
especialmente a mais famosa delas, eu quis atribuir alguma intenção malévola.
Iludia-me com a idéia de que, no fundo, o que eles - elas, seria mais correto
dizer - queriam era me agradar.
O casarão tinha cheiro de novo, entulho das últimas
obras e um quarto feito sob medida para nós. Nosso quarto tinha espaço
suficiente para resguardar a intimidade recíproca tanto quanto para atulhar os
armários de creminhos, loções e lavandas. Como sempre, não estranhei cama ou
ambiente, mas fui despertada de madrugada por uma algazarra monumental e pela ausência
dele, a meu lado, na cama. Corri para a janela e assisti a uma cena que faria a
delícia daquelas câmeras indiscretas de programas como o do Faustão - que, todo
domingo, era também, de uma certa maneira, um bem-vindo hóspede nosso.
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Realmente
uma pena! A Fazenda no interior de TATUÍ/SP, onde possuía uma verdadeira
mansão, não conseguiu aproveitar nada.. terminou
de construir no final de 1993 e ele faleceu em maio de 1994...quem usufrui tudo
lá hoje em dia é seu pai, já bem idoso e sozinho, pois os outros membros [da
família] querem é estar em outros lugares. Deixou tudo para a família.. uma
bela mansão e fazenda. (Sandra A.,
moradora de Tatuí, via redes sociais)
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Mais fotos de Adriane Galisteu com a família de Senna
Ayrton Senna, Viviane Senna (irmã de Ayrton), Adriane e Bruno Senna (sobrinho) no GP Brasil 1994
Adriane e Ayrton em Hocknheim na Alemanha e atrás a sobrinha de Ayrton, Bianca e a mãe do piloto dona Neyde
Ayrton, Viviane, Bruno,
Adriane e um funcionário da Williams no GP Brasil 1994
Ayrton Senna, Viviane
Senna (irmã de Ayrton), Adriane e Bruno Senna (sobrinho) no GP Brasil 1994
Bruno,
Adriane e Ayrton cavalgando na fazenda Tatuí em 1994
Bruno,
Adriane e Ayrton cavalgando na fazenda Tatuí em 1994
Leonardo Senna (irmão
de Ayrton), Ayrton Senna e Adriane Galisteu
Adriane, Leonardo
(atrás) e Ayrton
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MULHER IDEAL
Ayrton estava muito feliz com Adriane pois encontrou finalmente uma mulher que se mantivese ao seu lado nas viagens, se sentia solitário e já maduro, pelas entrevistas, falava de formar uma família e isso só seria possível ao lado de uma mulher disposta a renunciar muitas coisas, e ela deu essa prova de amor.
Marcia Lima, através do Youtube em 2016.
A chegada de Adriane a Portugal marcaria o início de um longo período vivendo juntos quando Ayrton não voltaria ao Brasil por seis meses, algo que ele nunca tinha feito antes. Provavelmente eles se casariam no fim desse período. - Tom Rubython, biógrafo de Ayrton Senna, em seu livro The Life of Senna.
"Ayrton realmente amava Adriane e ela não era mais uma garotinha na vida dele, como ele falou para pessoas chegadas..." - Francisco Santos, biógrafo de Ayrton Senna, em seu livro “Ayrton Senna Saudade”.
FONTES PESQUISADAS
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994.
ITIBERÊ, Celso. Senna já se considera líder do
mundial. O Globo, 16 de Julho de 1993, Matutina, Esportes, página 24.
RUBYTHON, Tom. The Life of Senna. 1º Edição Sofback. London: BusinessF1 Books, 2006.
SANTOS, Francisco. Ayrton Senna Saudade. Edição Brasileira. São Paulo: EDIPROMO, 1999.