30.04.09 - Por
Lemyr Martins
Reportagem Por Lemyr
Martins
Eu tinha proposto a Ayrton
Senna uma
reportagem-retrospecto sobre seus dez anos de F-1. Ele topou e marcou para o
dia 24 de maio de 1993, em seu apartamento no Boulevar Princesa Grace, em
Mônaco, sua casa durante a temporada européia. Era uma morada confortável, de 260 m2 , com sacada e vista
total para a famosa baía do Principado, onde eu imaginei o cenário ideal da
foto de abertura da reportagem.
Sugeri-lhe fazer primeiro as fotos, para aproveitar a bela luz da
enseada de Monte Carlo, mas Ayrton cortou minha inspiração.
- Na sacada não saio.
Insisti. Argumentei que aquela foto resumia tudo: o apartamento, a
cidade e o circuito de Mônaco, cenário da sua 39ª vitória, conquistada na
véspera.
- Acho ostentação, não gosto disso – resumiu Ayrton, definitivo.
Porém, se dispôs a posar dentro do apartamento, que era decorado
com cores claras, muita luz natural, poucos e grandes móveis. Segurou, com
certa emoção, os troféus de cristal e uma salva de prata do primeiro título mundial,
ganho em Suzuka, no Japão, em 30 de outubro de 1988.
A entrevista estava pautada para ouvir o tricampeão sobre sua
filosofia de vida, pensamentos sobre política, negócios, dinheiro, amor, ódio,
ciúme, lágrimas. Emoções tão comuns nos mortais, mas pouco reveladas pelas
celebridades. Enfim, uma viagem nos dez anos de carreira do super-piloto de 33
anos.
Perguntei-lhe, então, se ele já havia parado para pensar quem é o
Ayrton Senna?
Ele abriu a guarda, o que era raro, e comecei a disparar meus
melhores golpes. O primeiro já estava engatilhado:
— Esse cara é feliz?
Ayrton mergulhou no seu personagem e viajamos duas horas e meia na
história do piloto e do homem.
Enquanto ouvia e gravava, esperava que ele voltasse à Terra para
insistir na foto da sacada.
De repente, percebi que não tinham sido os perigos e sim as
derrotas e as vitórias que haviam condecorado o seu rosto com rugas precoces.
[Mesmo porque ele usava ambas para temperar o seu caráter de jogador, e tinha
consciência de que a vitória é uma doença que só a derrota cura.
A entrevista estava ótima. Nunca tinha visto um Ayrton Senna tão
receptivo e disposto a passar a limpo a sua década de Fórmula 1, à exceção de
posar para a foto na sacada.
Ele lembrou, espontaneamente as desavenças com vários pilotos: as
brigas com Mansell, as
trocas tapas com Eddie Irvine no GP do Japão e a ida às vias de fato
com o então peso médio Michael
Schumacher, num treino em Hockenheim, na Alemanha, e o veneno das farpas
trocadas com Nelson Piquet.
Eu tinha mais do que imaginara, mas faltava a foto na sacada.
Temendo outra negativa, inquiri-o sobre o risco. Ele admitiu que o
medo era seu companheiro íntimo e sacou um parágrafo de efeito, sugerindo o fim
da entrevista:
“O medo é o limite entre a realidade e o fascínio que o risco
desperta”.
Captei a mensagem e, então, resolvi correr o risco, insistindo na
foto na sacada. Ayrton não respondeu, saiu da sala e voltou em cinco minutos.
Tinha trocado a camisa listrada por outra camisa bege e, sem dizer uma palavra,
apoiou-se no muro da sacada.
Apanhei a minha câmera, que já estava com a lente grande angular e
filme para 200 asas, regulei o diafragma para ter profundidade de foco e
disparei feliz. Essa foi a história da foto lá no alto, que foi publicada
muitas vezes, em vários veículos, desde então.
FONTE
Quatro Rodas – Coluna de Lemyr Martins
Foto Top! Parabéns Lemyr! Descanse em paz junto com Ayrton.
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