ALEXANDRE ROCHA 01/05/2014 - 07:47
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No dia em que se completam 20 anos da morte
de Ayrton Senna, o PÚBLICO revisita a história do brasileiro em Portugal.
Conversámos com pessoas que conheceram o piloto e visitámos a casa onde ficava
hospedado quando corria no Estoril.
Ayrton Senna morreu a 1 de Maio de 1994
Foto: JEROME DELAY/AFP
A Quinta Penalva é um pequeno
paraíso perdido no meio de Sintra. Para quem a vê do lado de fora do imponente
portão de metal, é impossível prever o que aquelas paredes, ocultas por
plantas, têm a dizer. Porém, quem está do lado de dentro, percebe que estas não
têm ouvidos, apenas contam histórias de personalidades que por lá foram
passando. Uma destas histórias, em especial, tem mais destaque que todas as
outras.
Nas escadas, que dão acesso
ao último andar da casa, uma enorme fotografia de um McLaren MP4/4, assinada
pelo campeão em 1988 de Fórmula 1, interpõe-se ao olhar, como se estivesse a
dizer: “Ayrton Senna esteve aqui”. Oscar Júnior, funcionário do ex-banqueiro
António Braga há mais de 20 anos, explica: “É aqui que o doutor Braga passa a
maior parte do seu tempo”. Apesar de toda a residência fazer transparecer, a
quem a visita, uma sensação de acolhimento e serenidade, o seu sótão esconde
algo de diferente, um especial misticismo.
A Quinta Penalva, em Sintra, onde Senna ficava alojado quando vinha a Portugal
Foto: ALEXANDRE ROCHA
A divisão é bastante clara. A
luz natural, proveniente da janela mais alta da casa, faz prevalecer um
ambiente onírico, e as inúmeras fotos pessoais confirmam a premissa inicial de
que este é um recinto de memórias. Em perfeito estado, a sobrecâmara possui
também uma televisão, um computador, sofás e uma grande variedade de livros,
sendo que destes apenas uma escassa selecção se encontra pousada na mesa
central.
Curiosamente, no topo de
diversas outras obras, ordeiramente posicionadas em cima da mesa, sobressai O
herói revelado, escrito por Ernesto Rodrigues (2004), cujo protagonista não é
ninguém mais do que o próprio Ayrton Senna da Silva. Entre outros
acontecimentos, o autor conta a história do brasileiro naquela mesma quinta,
que começou muitos anos antes do trágico dia 1 de Maio de 1994. Hoje, o livro
encontra-se fechado, mas as suas palavras nunca foram esquecidas.
“Magic Senna”
Desde cedo, o talento do jovem Ayrton Senna já era comentado em todo o mundo do automobilismo. “Um sujeito que chega à Europa, em 81 ganha tudo, em 82 ganha tudo, não podia ser fraco”, afirma Domingos Piedade, antigo vice-presidente da Mercedes. As nove vitórias consecutivas na Fórmula 3 renderam, inclusive, o título de “Senna-sational” ao piloto e levaram a revista AutoSport a rebaptizar o famoso circuito de Silverstone como “Silvastone”. Como não podia deixar de ser, em 1983 o brasileiro já estava na mira de vários patrocinadores e construtoras da categoria principal.
Desde cedo, o talento do jovem Ayrton Senna já era comentado em todo o mundo do automobilismo. “Um sujeito que chega à Europa, em 81 ganha tudo, em 82 ganha tudo, não podia ser fraco”, afirma Domingos Piedade, antigo vice-presidente da Mercedes. As nove vitórias consecutivas na Fórmula 3 renderam, inclusive, o título de “Senna-sational” ao piloto e levaram a revista AutoSport a rebaptizar o famoso circuito de Silverstone como “Silvastone”. Como não podia deixar de ser, em 1983 o brasileiro já estava na mira de vários patrocinadores e construtoras da categoria principal.
Braguinha e o amigo Ayrton Senna
António Carlos de Almeida
Braga, dono da Quinta Penalva, é um dos maiores mecenas do desporto brasileiro,
mas nunca chegou a patrocinar Senna. “Eu já estava com o Emerson Fittipaldi [o
primeiro campeão brasileiro de Fórmula 1], e não podia ficar com os dois”,
explica. Mas o relacionamento entre Braga e Ayrton tornar-se-ia muito mais
forte do que qualquer ligação comercial. Naquela época foi o Banco Nacional o
primeiro grande colaborador da nova promessa.
NOTA: Braguinha nunca patrocinou Ayrton Senna porém fez muito mais do que isso, amparou a companheira dele, Adriane Galisteu, quando ela mais precisou.
NOTA: Braguinha nunca patrocinou Ayrton Senna porém fez muito mais do que isso, amparou a companheira dele, Adriane Galisteu, quando ela mais precisou.
Mesmo depois de fazer testes
pela Williams, e ser cogitado pela McLaren, foi na Toleman, uma equipa sem
recursos para disputar o título, que Senna se estreou na Fórmula 1. Na verdade,
antes de o brasileiro entrar, a construtora não havia conquistado um único
pódio nos seus três anos de existência. Tal estatística não viria a durar muito
tempo. O piloto já havia entrado com intuito de fazer história.
Foi a 3 de Junho de 1984 que,
partindo da 13.ª posição, o brasileiro mostrou que era realmente especial.
Arrasando os tempos dos McLaren, Williams e Ferrari, Senna voou na chuva no
Grande Prémio do Mónaco — percurso que viria a tornar-se a sua marca registada
— terminando em segundo lugar. As ultrapassagens a grandes nomes da época, como
Keke Rosberg e Niki Lauda, deixaram o mundo surpreendido com o novato, que
parecia ter total controlo sob o carro numa corrida em que sete pilotos foram
desqualificados por acidentes, incluindo o autor da pole position, Nigel
Mansell.
O Grande Prémio terminou mais
cedo devido às condições meteorológicas, mas até hoje diz-se que, se tivesse
continuado, “Magic Senna” — alcunha atribuída na Europa devido à habilidade no
piloto em pisos molhados — teria ultrapassado o francês, e eterno rival, Alain
Prost, e registado a sua primeira vitória na Fórmula 1. Apesar de ter
conquistado mais dois pódios para a Toleman ainda naquele ano — em Inglaterra e
Portugal — o primeiro triunfo do brasileiro só veio a acontecer em 1985 pela
Lotus, onde a sua carreira como campeão efectivamente começou.
História em Portugal
O dia 21 de Abril de 1985 foi um dos mais importantes na carreira de Ayrton. Na qualificação para o Grande Prémio de Portugal, o brasileiro já havia surpreendido Prost e Rosberg ao conquistar a primeira pole position da carreira, mas os feitos daquele fim-de-semana não iriam ficar por aí.
O dia 21 de Abril de 1985 foi um dos mais importantes na carreira de Ayrton. Na qualificação para o Grande Prémio de Portugal, o brasileiro já havia surpreendido Prost e Rosberg ao conquistar a primeira pole position da carreira, mas os feitos daquele fim-de-semana não iriam ficar por aí.
Chovia torrencialmente no
Estoril. Em virtude da quantidade de água, algumas câmaras só conseguiam
visualizar os pilotos quando estavam extremamente próximos. O próprio Senna
veio a admitir, mais tarde, que as condições de pilotagem em Portugal estavam
muito piores do que no Grande Prémio do Mónaco, no ano anterior. Prova disso é
o facto de apenas nove dos 26 pilotos terem completado a corrida naquele dia.
“Na verdade, eu não sei como consegui ficar na pista”, assumiu Senna a Dennis
Jenkinson, um respeitado cronista de automobilismo, em 1985.
Ainda assim, Ayrton dominou a
prova de ponta a ponta. Alain Prost, que havia vencido a primeira corrida da
temporada no Brasil, não conseguiu conduzir na chuva, aquaplanou numa recta e
ficou incapaz de terminar o Grande Prémio. Senna, isolado, acabou a mais de um
minuto de Alboreto (segundo lugar) e chegou a dar uma volta em Tambay
(terceiro). Este Grand Slam do brasileiro — atribuído quando um piloto
conquista a pole position, fica sempre à frente da prova, faz o melhor tempo e
termina em primeiro lugar — assinalou a sua primeira, e única, vitória em
Portugal, que deixou o mundo inteiro perplexo e de olhos arregalados.
No entanto, dada a morte do
presidente Tancredo Neves, o espectáculo de Ayrton não foi o tema principal das
televisões portuguesas naquela noite. A vitória do piloto resumiu-se a um
pequeno afago, num dia trágico para o povo brasileiro.
Mais do que um piloto
“Desde que começou a correr no Estoril ele ficava lá em casa”, explica António Braga, mais conhecido entre os amigos por “Braguinha”. Fanático por desportos, o ex-banqueiro já havia recebido em Sintra personalidades como o tenista Guga e o piloto Emerson Fittipaldi. Naturalmente, Senna também passou a ser convidado quando começou a vir a Portugal. A Quinta Penalva, tranquila, situada a pouco mais de cinco minutos do circuito do Estoril, era o local ideal para o brasileiro se hospedar, o que veio a acontecer muitas vezes.
“Desde que começou a correr no Estoril ele ficava lá em casa”, explica António Braga, mais conhecido entre os amigos por “Braguinha”. Fanático por desportos, o ex-banqueiro já havia recebido em Sintra personalidades como o tenista Guga e o piloto Emerson Fittipaldi. Naturalmente, Senna também passou a ser convidado quando começou a vir a Portugal. A Quinta Penalva, tranquila, situada a pouco mais de cinco minutos do circuito do Estoril, era o local ideal para o brasileiro se hospedar, o que veio a acontecer muitas vezes.
“Nas vésperas dos Grandes
Prémios da Europa ele ficava aqui para treinar”, aponta Oscar, funcionário dos
Braga. “Na verdade, era eu que o ia buscar ao aeródromo de Cascais [Tires].
Buscar não, levar o carro, ele é que trazia de volta. O Sr. Braga dizia: ‘Deixa
ele dirigir. O cara sabe o que está fazendo’”. E, de facto, sabia. O próprio
António Braga admite que “às vezes [Senna] conduzia em contramão e a toda
velocidade, no [Honda] NSX. Era absolutamente incrível como nunca batia!”.
Com o passar do tempo, e com
a evolução do piloto na Fórmula 1, as estadias em Sintra foram-se tornando mais
comuns e, com efeito, a relação de Ayrton com o dono da casa foi-se
fortalecendo. “Eu acompanhava-o sempre nas corridas. Era um fenómeno e foi um
grande amigo durante toda a minha vida!”, exalta “Braguinha”.
Em Sintra, são várias as
lembranças que remontam à época. Na parte de cima da casa, é possível apreciar
diversas fotografias dos dois juntos, quer dentro das pistas, quer em momentos
de lazer. Já na parte de baixo, uma réplica de ferro do McLaren MP4/4 chamaria
a atenção mesmo de quem nunca ouviu falar de Fórmula 1. Neste “templo do
desporto”, que rodeia a piscina interior, também estão presentes um quadro com
a foto de Ayrton Senna, pensativo no seu monolugar, e uma bicicleta
ergométrica, que foi montada pelo próprio piloto. “Tudo está exactamente igual
desde há 20 anos”, revela Oscar.
A única coisa que não está
tal e qual desde o fatídico 1 de Maio é a réplica do capacete verde e amarelo,
comprado em 1994. Quem olha para as cores e as linhas do Brasil, relembra
momentos inesquecíveis que o piloto proporcionou. O primeiro lugar em Espanha,
no duelo com Nigel Mansell (1986), o triunfo no Japão, que assinalou a primeira
vitória de Ayrton Senna na Fórmula 1 na McLaren (1988), o primeiro lugar não
contabilizado no mesmo circuito, onde Prost colidiu deliberadamente com o
brasileiro para tirá-lo da corrida (1989) e o triunfo só com uma mudança no
Brasil (1991), são momentos que não se traduzem em imagens ou palavras.
Mas a carreira ilustre do
tricampeão veio a acabar mais cedo do que era esperado no trágico circuito de
Ímola. Tudo o que restou foram as lembranças e a saudade.
Senna para sempre
Quando o avião que transportava o corpo chegou ao Brasil, às 5h30 do dia 2 de Maio, cerca de um milhão de pessoas saíram à rua para saudar, pela última vez, Ayrton Senna da Silva. A perda foi tão grande para a nação que próprio Governo declarou três dias de luto oficial e concedeu honras de chefe de Estado.
Quando o avião que transportava o corpo chegou ao Brasil, às 5h30 do dia 2 de Maio, cerca de um milhão de pessoas saíram à rua para saudar, pela última vez, Ayrton Senna da Silva. A perda foi tão grande para a nação que próprio Governo declarou três dias de luto oficial e concedeu honras de chefe de Estado.
Estas honrarias não apenas
por Senna ser um piloto excepcional, mas porque foi um brasileiro como poucos
outros. Sempre com uma bandeira verde e amarela no carro durante as corridas,
Ayrton tinha orgulho de ser brasileiro. “As pessoas identificavam-se com ele,
viviam em função do domingo de corrida. O brasileiro só casava se não houvesse
Grande Prémio”, admitiu Domingos Piedade, que chegou a ser rival e manager do
piloto na Europa. “Todo o brasileiro sabe o que fez no dia em que o Ayrton
morreu”, concluiu.
Talvez nem todos os
brasileiros saibam, mas Oscar com certeza não se esqueceu, era o dia do seu
aniversário. “Foi muito triste. Eu admirava o Senna antes mesmo de vir
trabalhar para o doutor Braga”, confessou. O próprio “Braguinha” revelou que,
para além da amizade, existia uma relação de “admirador para supercampeão”
entre ambos.
Aos portugueses, Ayrton Senna
também deixou saudade. O jornalista e ex-piloto Francisco Santos está a
escrever o seu quarto livro acerca do piloto, que trará “uma análise detalhada
do acidente”: “Entrevistei-o variadíssimas vezes. Eram duas personalidades, o Ayrton
de dentro e o Ayrton de fora dos circuitos”.
O reconhecimento em Portugal
é tão grande que, mesmo passados 20 anos da sua morte, será realizado hoje
(13h00), na praça Ayrton Senna, no Estoril, um encontro de fãs em memória,
segundo Piedade, do “melhor corredor de todos os tempos”.
É inegável que Senna é e
sempre será do Brasil, mas parte da sua história permanece em Portugal.
FONTE PESQUISADA
ROCHA, Alexandre. Senna: o piloto que
acelerou o Brasil. Disponível em: <http://www.publico.pt/desporto/noticia/o-homem-que-acelerou-o-brasil-1634191#/1>.
Acesso em: 18 de junho 2014.
FOTOS AYRTON SENNA E BRAGUINHA - IMAGENS - PHOTOS - PICTURES
FOTOS AYRTON SENNA E BRAGUINHA - IMAGENS - PHOTOS - PICTURES
Fittipaldi, Braguinha, Senna e Maurício Gugelmin
Adriane Galisteu, Ayrton Senna e Braguinha
Jo Ramirez, Braguinha, Galvão Bueno e Ayrton Senna
Senna e Braguinha
Braguinha e Senna de Porshe
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