domingo, 4 de janeiro de 2015

Senna Teria Sobrevivido se "Coisas Simples" Tivessem Mudado Antes, Diz Médico

01/05/2014 07h41 - Atualizado em 01/05/2014 07h41
Globo Esporte - globoesporte.globo.com


Tricampeão mundial não escondia preocupação com falhas na segurança da F-1.
Modificações adotadas após acidente fatal poderiam ter salvado sua vida em Ímo
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Por Túlio Moreira, Gabriel Fricke e Felipe Siqueira
Rio de Janeiro


Há exatos 20 anos, a trágica morte de Ayrton Senna no GP de San Marino, terceira etapa da temporada de 1994, causou uma comoção sem precedentes na história do esporte mundial, e também deu início a uma verdadeira cruzada por mais segurança na categoria mais nobre do automobilismo. O triste desfecho da carreira do tricampeão mundial foi a "gota d’água" para acabar com um estigma que maculava a Fórmula 1 desde seu surgimento. Após a corrida de Ímola, a FIA implementou uma série de mudanças fundamentais para reduzir a ocorrência de acidentes nos anos seguintes. 

O trágico acidente na curva Tamburello interrompeu a carreira vitoriosa de Ayrton Senna na F-1 (Foto: Getty Images)

Para o médico Dino Altmann, que atua na Fórmula 1 há 24 anos e integra a comissão médica da FIA, os avanços introduzidos na Fórmula 1 após o GP de San Marino de 1994 poderiam ter salvado a vida de Senna, caso a entidade tivesse acelerado o processo de mudanças.

- Sem dúvida nenhuma ele teria sobrevivido. O impacto dele foi em um ângulo favorável. Velocidade alta, mas ângulo favorável. Eu acredito que simplesmente se a roda do carro não tivesse desprendido, teria salvo a vida dele. É uma coisa muito simples, um item só, não precisaria nem de todos os outros itens de segurança. Somente este aspecto já teria salvo a vida dele. Eu pelo menos acredito nisso - avalia Altmann.

A lista de mudanças adotadas pela FIA após o acidente é extensa: cockpit menos exposto, que protege mais o ocupante; sistema de proteção da coluna cervical em caso de impacto; reforço estrutural dos chassis; ampliação das áreas de escape das pistas; padronização do serviço de resgate e modernização dos hospitais montados nos circuitos, entre outras. Graças a essas novidades, acidentes gravíssimos ocorridos depois tiveram consequências menos desastrosas, e nenhum piloto perdeu a vida em eventos relacionados à F-1 desde então. A grande transformação acabou se tornando um dos principiais legados deixados por Senna na categoria.

- As mudanças já vinham acontecendo, mas as modificações adotadas depois da morte dele tiveram um impacto muito maior. Ele era um piloto claramente preocupado com a segurança, e a perda de um ídolo com sua grandeza acaba provocando uma reação enorme. Hoje, não vemos mais rodas se desprendendo do carro. Levantaram a lateral do veículo, e os pilotos não ficam mais tão expostos quanto na época do Ayrton. O que era apenas um apoio de cabeça virou um acolchoado em volta do cockpit. Uma série de melhorias foram adotadas - explica Dino Altmann.

(Foto: Getty Images e AP)

Entre 1952 e 1994, 38 pilotos foram vítimas de acidentes fatais em testes ou corridas da F-1. As colisões de grandes proporções continuam acontecendo com frequência na categoria, mas os especialistas apontam que a reformulação dos critérios de segurança explica a sobrevivência de pilotos como Martin Brundle, antigo rival de Senna na Fórmula 3 Inglesa e protagonista de um acidente impressionante no GP da Austrália de 1996. A lista de “milagres” é extensa, como as batidas de Robert Kubica, no Canadá, em 2007, e de Mark Webber, na Espanha, em 2010. Nos dois casos, os pilotos saíram do carro praticamente ilesos.

Mesmo nos casos em que os pilotos sofreram algum tipo de lesão, a atuação da célula de sobrevivência impediu novas fatalidades. O cockpit altamente resistente, produzido com fibra de carbono e kevlar, teve papel fundamental em episódios como o gravíssimo acidente do brasileiro Luciano Burti no GP da Bélgica de 2001. A bordo de um carro da Prost, Burti se tocou com o irlandês Eddie Irvine e se chocou contra a barreira de pneus a 270km/h. A batida foi tão intensa que o piloto sofreu uma concussão cerebral, uma hemorragia craniana e ficou cinco dias em coma, três deles induzidos pelos médicos. O brasileiro, que atualmente disputa a Stock Car, retornou ao volante de um F-1 apenas quatro meses depois, mas levou dois anos para ficar totalmente recuperado. 

O carro de Luciano Burti ficou completamente destruído após acidente em Spa-francorchamps, em 2001 (Foto: Getty Images)


Apreensão marcou corrida de Ímola

Senna estava disposto a correr riscos para lutar pelo lugar mais alto do pódio. Mas, apesar da audácia e coragem sem limites, o brasileiro tinha um posicionamento bastante crítico sobre as falhas de segurança da Fórmula 1. Ícone de um esporte marcado por inúmeras mortes ao longo das décadas, Senna estava preocupado com as mudanças impostas pela FIA para a temporada de 1994, quando recursos eletrônicos como a suspensão ativa e o controle de tração, que contribuíam para aumentar a estabilidade do carro, haviam sido proibidos.

- Temos vários novatos de uma vez só. Com o novo regulamento, novos carros, novos circuitos, as circunstâncias não colaboram para a segurança adequada de todos nós. Então, pudemos ver acidentes nas duas primeiras corridas. Alguns bem fortes e outros, por sorte, nem tanto, mas que comprometeram a corrida dos outros pilotos e que poderiam ter consequências catastróficas - disse Senna ao jornalista croata Ivan Blazicko, em 28 de abril de 1994, apenas três dias antes do fatídico GP de San Marino.

Após conquistar três títulos mundiais com a McLaren, Senna havia finalmente assinado com a Williams, equipe que havia faturado os dois últimos campeonatos graças aos avançados recursos eletrônicos que tornavam a pilotagem mais firme e segura. Com o banimento das tecnologias pela FIA, sob o argumento de deixar o campeonato mais competitivo, a escuderia fundada por Sir Frank Williams enfrentava dificuldades para aperfeiçoar o comportamento do novo FW16, carro projetado pelo renomado engenheiro Adrian Newey. 

Ayrton Senna momentos antes da largada do GP de San Marino de 1994: preocupação com segurança (Foto: Getty Images)

Apesar do favoritismo ao título, Senna demonstrava apreensão diante de um carro “arisco" e “pouco confiável”, como ele mesmo se referia. O início da temporada começou difícil para a Williams, e o brasileiro sequer conseguiu completar as etapas do Brasil e do Pacífico. O fim de semana da terceira corrida foi marcado por uma espantosa sequência de acidentes, como o gravíssimo impacto de Rubens Barrichello durante os treinos livres da sexta-feira e a morte do austríaco Roland Ratzenberger no classificatório do sábado. A corrida do domingo começou com uma pavorosa colisão entre J.J. Lehto e Pedro Lamy, e a relargada após a saída do safety car foi logo interrompida pelo choque fatal de Ayrton no muro da curva Tamburello, a 210 km/h.

Nas semanas que antecederam o acidente, Senna se mostrava disposto a articular os pilotos para reivindicar melhorias. Entretanto, a reativação da Associação de Pilotos, que havia sido dissipada em 1982, só foi consolidada após a morte do tricampeão. Desde então, os competidores da principal categoria do automobilismo têm participação ativa nas discussões sobre melhorias para o campeonato.

- O Ayrton, naquele dia, no fim de semana em geral, ele tinha voltado a falar sobre uma associação de pilotos, porque ele achava que o carro tinha que ser mais seguro. E me sinto muito lisonjeado em ter sido presidente da GPDA (Associação de Pilotos) e ter tentado melhorar a Fórmula 1 em certas condições. O legado que ele nos deixou é enorme - afirma o compatriota Rubens Barrichello, presidente da entidade entre 2010 e 2012.

A preocupação de Ayrton Senna com a segurança se tornou um de seus principais legados (Foto: Getty Images)


FONTE PESQUISADA

Senna teria sobrevivido se "coisas simples" tivessem mudado antes, diz médico. MOREIRA, Túlio; FRICKE, Gabriel; SIQUEIRA, Felipe. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/senna-para-sempre/noticia/2014/05/senna-teria-sobrevivido-se-coisas-simples-tivessem-mudado-antes-diz-medico.html>. Acesso em: 04 de janeiro 2015.

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