Publicado em 20/03/2015,
09:35 /Atualizado em 20/03/2015, 09:56
Thiago Arantes, de Barcelona, para o
ESPN.com.br
ARQUIVO PESSOAL
Senna lidera, seguido por Fullerton: rivalidade no kart foi
intensa e acabou em inimizade
Terry Fullerton é um senhor
inglês de 62 anos, que vive em Norwich e pede desculpas ao repórter ao atender
o telefone. "Não teremos muito tempo, daqui a pouco preciso pegar o carro
na oficina".
Uma vida comum, com
obrigações cotidianas; quase anônima, parecida à de tantos outros senhores de
Norwich, de qualquer parte da Inglaterra, da Europa, do mundo inteiro.
Mas Terry Fullerton, com seus
cabelos e bigode grisalhos, é uma figura importante na história de um dos
maiores pilotos de todos os tempos.
O inglês foi o primeiro
grande rival de Ayrton Senna. Juntos, eles duelaram no kart entre 1978 e 1980.
Naquela época, Fullerton já era um piloto experiente, campeão mundial em 1973;
Senna, um piloto "com muita velocidade, mas ainda pouco
profissional", como define o inglês.
Em 1993, depois de sua última
vitória na Fórmula 1, em Adelaide, o brasileiro foi questionado sobre qual foi
o rival contra quem mais gostou de correr.
A resposta esperada era Alain
Prost, francês que havia se aposentado naquela prova. Mas Senna surpreendeu.
"Eu teria de voltar a
1978, 1979, 1980... quando estava no kart. Eu tinha um companheiro de equipe...
Fullerton, o nome dele era Fullerton. Era muito experiente, e eu gostei muito
de correr contra ele. Porque ele era rápido, era consistente, ele era, para mim,
um piloto muito completo. E era só corrida, era pura corrida. Não havia
política, nem dinheiro envolvido. Tenho uma ótima lembrança daquela
época".
Uma declaração que ficou
perdida no tempo, mas acabou resgatada no documentário "Senna", de
2010. A sequência encerra o filme e deixa uma dúvida: afinal, o que Terry
Fullerton teria a dizer sobre o tricampeão?
Para responder a esta
pergunta - e a tantas outras - o ESPN.com.br procurou Fullerton. A
conversa, que teria "de ser rápida", acabou se estendendo. "Avise
que vou atrasar, estou falando sobre corridas com um jornalista do
Brasil".
ESPN.com.br - O seu nome ficou muito famoso no Brasil por causa do filme "Senna". Mas hoje, em 2015, quem é e o que faz Terry Fullerton, o adversário com quem Ayrton Senna mais gostou de correr?
ESPN.com.br - O seu nome ficou muito famoso no Brasil por causa do filme "Senna". Mas hoje, em 2015, quem é e o que faz Terry Fullerton, o adversário com quem Ayrton Senna mais gostou de correr?
Terry Fullerton - Hoje o
senhor Fullerton já não é mais um jovem (risos). Estou com 62 anos, tenho uma
filha e moramos em Norwich, na Inglaterra. Trabalho muito com pilotos jovens,
como instrutor de pilotagem, e viajo muito fazendo este trabalho - toda a
Europa, Estados Unidos, Filipinas... Neste ano comecei algo novo, estou fazendo
meus próprios karts, e recentemente fui instrutor do programa de jovens pilotos
da Force India no kart, com três pilotos indianos. Os últimos anos têm sido
muito movimentados e eu tenho aproveitado muito, porque adoro o que faço.
ARQUIVO PESSOAL
ESPN.com.br - A referência do
Senna à rivalidade de vocês foi feita no fim de 1993, mas muita gente só tomou
conhecimento dela com o lançamento do filme. O senhor sabia que ele tinha dito
aquilo?
Fullerton - Eu soube da
declaração dele na época, porque um amigo estava em Adelaide e ele me contou,
não me lembro como. Mas eu fiquei sabendo, fiquei bem surpreso, aliás. Só que,
com o tempo, eu me esqueci disso. Depois, com o documentário, a história voltou
a aparecer.
ESPN.com.br - Nos já
conhecemos as memórias de Ayrton Senna sobre o Mundial de kart entre 1978 e
1980, quando vocês foram companheiros. Quais são as suas memórias daquela
competição?
Fullerton - Minhas
memórias são bem diferentes das dele. Eu lembro dele chegando à nossa equipe.
Um jovem muito bom, rápido, mas que não era um piloto completo, não era
profissional. Era um garoto com velocidade pura, mas que ainda não conseguia
entender algumas coisas. Dava pra ver que ele tinha muito talento e vontade de
aprender. Eu gostei daquela época, eu precisava estar sempre no auge para
competir contra ele. Infelizmente, até pelo jeito de ele ver as coisas, ele
logo começou a me ver como um inimigo, nós praticamente não nos falávamos mais,
mas ele me respeitava. Nós poderíamos ter sido amigos, mas não aconteceu.
ESPN.com.br - Senna afirmou
que o senhor foi o rival com quem mais se divertiu em uma pista. E qual foi o
rival com quem o senhor mais gostou de competir?
Fullerton - Senna
poderia ser um deles. Mas houve outro piloto com quem eu aprendi muito e que
acabou sendo minha inspiração. Um belga chamado François Goldstein, que foi
cinco vezes campeão mundial de kart. Ele foi quatro vezes campeão antes de mim,
daí eu consegui vencê-lo em 1973. Esse cara sabia tudo: era muito rápido e
entendia de acerto, de testes, era o melhor daquela época. Eu não gostava muito
dele como pessoa, mas admito que ele me ensinou muito, mesmo em equipes
diferentes.
ARQUIVO PESSOAL
Fullerton (à esquerda) e Senna, ainda sem o capacete
amarelo, em 1979
ESPN.com.br - Sua rivalidade
com o Ayrton Senna acirrou-se depois de uma corrida em que, na opinião dele, o
senhor teria feito uma manobra ilegal...
Fullerton - Isso! Eu me
lembro muito bem: Champions Cup de 1980, na Itália. Corríamos juntos na DAP, e
ele já tinha melhorado muito como piloto, era nosso terceiro ano juntos. Ele
chegou a essa etapa, a última do campeonato, na liderança dos pontos e largava
na pole. Eu era o vice-líder e largava em quarto. Quem vencesse a corrida seria
campeão, e, logo no início, ele abriu uns 120 metros de vantagem em primeiro e
eu fiquei em segundo. A partir da metade da corrida, comecei a ver que estava
encostando nele. Faltando dez voltas, ele começou a olhar para trás nas curvas.
Na última volta, cheguei muito perto e, na segunda curva, joguei o kart na
linha de dentro, fiz ele travar as rodas para não nos chocarmos, e me mantive
na frente. Fizemos a volta inteira lado a lado, ganhei por 6 ou 8 metros de
vantagem no fim. Não foi uma manobra ilegal, mas ele reagiu mal, não conseguia
aceitar que havia perdido. Depois disso, ele falou muitas coisas que não
aconteceram, eu talvez teria ficado chateado e falado também, se fosse
comigo... Depois, na carreira dele, vimos ele reclamando assim outras vezes.
Mas aquela foi talvez a primeira vez em que isso aconteceu. Eu prefiro lembrar
daquela corrida como uma das melhores que fiz na vida.
ESPN.com.br - Naquela época,
já dava para perceber que ele era um piloto especial, mesmo não tendo vencido o
Mundial de kart?
Fullerton - Não dá para
falar que ele seria um campeão de Fórmula 1. Mas dá pra dizer que ele tinha uma
maneira de pilotar e uma paixão por vencer que era muito forte, muito grande.
Isso dava pra notar muito bem. Ele tinha uma capacidade física e mental boa, e
podíamos pensar que, quando fosse experiente, seria um grande piloto. Naquele
tempo, não dava pra ver 100%, mas olhando hoje, eu consigo ver os sinais. O
mesmo vale para Michael Schumacher: eu corri contra ele algumas vezes, quando
ele era um garoto, e foi parecido - dava pra ver que era muito bom, mas não que
seria um campeão de Fórmula 1.
ESPN.com.br - Depois daquela
época em que correram juntos, o senhor voltou a encontrar-se com Ayrton Senna?
Como foi esse encontro?
Fullerton - Nos
encontramos algumas vezes quando ele ainda estava no início da carreira nos
carros, e depois uma vez quando ele estava de Fórmula 3, em Silverstone. Nos
vimos nos boxes, depois de uma corrida em que ele ganhou. Conversamos bastante
sobre os anos de kart, e eu disse que ele estava muito bem e havia feito uma
grande corrida. Não éramos amigos, mas naquele dia ficou claro que não
precisávamos ser inimigos, também.
ESPN.com.br - Onde estão os
troféus que o senhor ganhou em sua carreira no kart? Existe alguma sala, alguma
espécie de museu onde o senhor os coloca?
Fullerton - Se eu te
falar, você não vai acreditar: eu não tenho quase nenhum dos meus troféus!
Nunca guardei direito, não fazia questão. Se você um dia vier até a minha casa,
não terá a menor ideia de que fui um campeão Inglês, Europeu e Mundial de kart.
ESPN.com.br - Mas por que o
senhor nunca os guardou?
Fullerton - A maioria
dos troféus que eu ganhei eram tão vagabundos que nem valia a pena guardar. O
importante era ganhar a corrida. Os troféus eram horrorosos, ganhei muito
troféu feio nessa vida. Tenho muito poucos...
ESPN.com.br - O senhor jamais
deixou as competições de kart, por causa da morte de seu irmão em uma
competição de motos...
Fullerton - Isso é uma
parte da verdade. A outra é que eu gostava muito de kart, gostava mesmo, então
nunca tive muito interesse em correr de carros. É claro que ver o meu irmão
morrendo em uma pista de motos não ajudou, mas a verdade é que nunca tive muito
interesse.
ESPN.com.br - Mas houve
alguma proposta na época?
Fullerton - Não, os
tempos eram outros. Se você chegasse para uma equipe de Fórmula 1 em 1973 e
falasse "Oi, esse é o Terry Fullerton, campeão mundial de kart", eles
iam rir na tua cara. Não existia essa cultura de que o kart preparava o piloto
para as outras categorias, eles não entendiam que o talento vinha do kart.
Depois, com pilotos como [Riccardo] Patrese, [Nigel] Mansell e Senna, essa
coisa mudou. A partir do sucesso deles, a percepção passou a ser outra.
ESPN.com.br - O senhor é até
hoje um dos melhores instrutores de pilotagem do mundo. Dos pilotos com os
quais trabalhou, qual era o mais talentoso?
Fullerton - Eu poderia
te citar três nomes, todos muito conhecidos: Anthony Davidson, Danny Wheldon e
o mais talentoso de todos com que já trabalhei: Allan McNish. Esses são os três
melhores.
ESPN.com.br - Ainda acompanha
a Fórmula 1 atualmente? Como vê o momento atual da categoria?
Fullerton - Eu vejo
algumas corridas, mas não sou um apaixonado. Gosto de ver, sobretudo os pilotos
mais jovens. E também acompanhava os pilotos com quem trabalhei. Paul di Resta,
por exemplo, foi meu aluno em 2001.
REPRODUÇÃO
Fullerton, aos 62 anos, é instrutor de karts e empresário
ESPN.com.br - Em sua
declaração, no filme, Senna diz que a disputa com o senhor era interessante
porque era "pura pilotagem, sem dinheiro envolvido". Para encontrar
"pura pilotagem" no automobilismo atualmente, é preciso ir até o
kart?
Fullerton - Acho que o
que ele quis dizer é que havia pouca influência política. Mas, na verdade,
tinha influência, sim. Ele apenas não tinha a capacidade de ver isso naquela
época, ele era jovem, talvez um pouco inocente... Ele não percebia as
influências que afetavam as corridas de kart, inclusive a carreira dele e a
minha.
ESPN.com.br - Com toda sua
experiência no automobilismo, quem é o melhor piloto que o senhor já viu?
Fullerton - É muito
difícil responder isso. O melhor de todos é uma pergunta muito ampla. Mas, levando
em conta o talento e a habilidade, seria o Ayrton. Ele era muito rápido,
incrivelmente habilidoso...
ESPN.com.br - Mas, contra o
senhor, Senna perdeu mais do que venceu...
Fullerton - Ah, se
falarmos só do kart... É difícil ser honesto com isso de falar sobre si mesmo,
e todos os pilotos se consideram os melhores. Mas eu me colocaria no top 3 kart
pós anos-1960. Eu realmente achava que, no kart, eu era o melhor. Claro é uma
opinião suspeita, mas eu era bom, apaixonado pelo que fazia, trabalhava muito...
E os meus resultados contra o Ayrton me mostram uma coisa interessante, porque
eu me medi contra um campeão de Fórmula 1. Isso já me fez pensar no que teria
acontecido. Será que eu seria um grande piloto de Fórmula 1? Possivelmente eu
seria bom... Mas seria espetacular? Aí não sei, é o tipo de resposta impossível
de dar. Foi bom ter essa fase com o Ayrton, foram bons tempos e que me fazem
pensar nisso.
FONTE PESQUISADA
ARANTES, Thiago. Primeiro rival de Senna
ignorou F-1, não guardou troféus e queria amizade que não teve. Disponível em:
<http://espn.uol.com.br/noticia/493776_primeiro-rival-de-senna-ignorou-f-1-nao-guardou-trofeus-e-queria-amizade-que-nao-teve?utm_content=buffer65802&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer>.
Acesso em: 28 de março 2015.
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