segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os Melhores Amigos de Ayrton Senna e Adriane Galisteu

Ayrton Senna e Adriane Galisteu com o casal de amigos Christian Schues e Birgit Sauer e seus dois filhos pequenos Patrick e Oliver em Budapest, Hungria, 1993.

Mas o convívio em Mônaco, a sós, tinha feito tão bem que não nos cansávamos de planejar novas viagens, apenas os dois. Dentro da temporada de Fórmula 1, eu tinha um sonho pessoal: Hungria. Pátria dos meus avós maternos, Alexander e Agnes, emigrados para o Brasil durante a guerra - uma terra de referências reais e mitológicas cujas histórias e cuja língua freqüentavam os almoços domingueiros em nossa casa. Minha mãe, minhas tias, todas falavam húngaro à mesa, mas não me dei ao trabalho de aprender aquela língua arrevezada, tão diferente de qualquer outra falada na Europa. Só de molecagem, extraí de meu avô dois ou três palavrões horríveis. Lembro-me também de minha avó, atrapalhada ao me ver queimar a língua numa daquelas sopas típicas e escaldantes, gritando para mim "fujjal, fujjal" (soava como fuió, fuió). Tradução: "sopra, sopra".

Devo com certeza a essas domingueiras húngaras na Lapa minha paixão por doces, que até hoje tenho de compensar com quatro horas diárias de ginástica e não me  deixam tirar o olho da balança.. Mas também quem haveria de resistir àquelas panquecas folheadas de maçã que aterrissavam à mesa após o gulash? Pelas minhas melhores lembranças familiares, por minha avó, especialmente por minha mãe é que acabei desembarcando em 12 de agosto de 1993, uma quinta-feira, no aeroporto de Budapeste, tendo a meu lado um homem a quem todos se dirigiam com um afetuoso sorriso e palavras incompreensíveis.

- Por favor, o que eles estão dizendo? - implorava Ayrton.

- Não tenho a menor idéia.

- Mas nem muito obrigado você fala?

- Nada, nadinha.

No Hotel Kempinski, uma magnífica construção ainda com cheiro de novo, confessei-lhe meu verdadeiro conhecimento de húngaro. As tais palavras. Não é que ele  passou horas treinando, para o caso de ter de usá-las?

- Se o Prost me aprontar uma, eu tasco o palavrão nele - brincou.

Quem estava em Budapeste era o Senna, a trabalho, às voltas com as dificuldades de seu carro e a força de seus rivais. Mas, ainda assim, teve comigo, em vários momentos,  o doce Béco, comportando-se de forma a deixar claro que aquela viagem era uma homenagem a mim - aliás, ao nosso amor. Desdobrou-se para passear a meu lado, mãos dadas como dois namorados, às margens do Danúbio, que separa o pedaço Buda da parte Peste da capital. Depois, deixou-me entregue aos cuidados de dois amigos extraordinários, Christian Schues e a mulher dele, Birgit, filha do ex-presidente da Volkswagen brasileira, Wolfgang Sauer. Os dois levavam com eles os filhos Patrick e Oliver, bem  pequenininhos.


Birgit amparou a amiga durante todo o tempo no funeral de Ayrton

Funeral de Senna: Birgit (do lado esquerdo, imagem cortada) ao lado de Adriane, o marido dela Christian aparece atrás da modelo, nessa imagem aparecem outros que também apoiaram Adriane em tempo integral, no momento  mais difícil de sua vida, Beatrice "Betise" Assumpção, assessora de imprensa de Ayrton e Alain Prost, o maior rival do brasileiro nos tempos de Fórmula 1.

Adriane Galisteu com sua amiga Birgit, ao lado delas a assessora de Ayrton, Beatrice Assumpção (Betise), o ex-rival de Ayrton, o francês, Alain Prost

Budapeste foi uma temporada de alegria, mas foi essa mesma Birgit quem me acudiria no pior momento de minha infelicidade, menos de um ano depois. Sua mão forte, agarrada à minha, evitou que, por muitas, muitas vezes, eu desabasse por terra, numa sinistra quinta-feira de maio de 1994, diante de uma cova rasa do Cemitério  do Morumbi.


Adriane, Christian, Birgit e as crianças Patrick e Oliver em um McDonald's na Hungria. A modelo era grande fã do Big Mac, um hambúrguer da rede de restaurantes de fast-food do McDonald's.

Christian e Birgit me mostraram Budapeste, lindíssima, e arredores, enquanto Senna sujava suas mãos de graxa em Hungaroring. O casal tinha, na verdade, uma concepção tão generosa de hospitalidade que aceitou revirar a cidade dos pés à cabeça até que eu encontrasse, finalmente, numa pequena feira livre de rua, as sementes de papoula - mak - que minha mãe havia encomendado, para seus confeitos. Juntas, Birgit e eu conseguimos achar um McDonald's em Budapeste. Com Chicken McNuggets no cardápio, batata frita e torta de maçã. Christian, o marido de Birgit, me olhava com aquela paciência que sugere "meu Deus, um dia isso passa". Compensei o McDonald's, que seria uma decepção para minha mãe, na noite de sábado, véspera do GP: fomos todos jantar num restaurante típico, uma casinha simpática, amarela, cuja dona era uma velhinha, conhecida do Béco. À sobremesa, um palacinta (pronuncia-se pólotchintó), uma panqueca de cereja, deu  ao meu paladar um sabor de saudade.

   A McLaren do Ayrton quebrou, no domingo, eu tive o ensejo de extravasar meu limitado vocabulário húngaro, aquele, em voz alta, mas, se o Senna era o tipo do cara que odiava perder, o Béco até que estava bem descontraído no jantar solene oferecido pelas autoridades do GP após a prova. E a melhor testemunha é aquela foto nossa, juntinhos, ele com seu sorriso lindo, ouvindo, os dois, embevecidos, o violino cigano à entrada de um restaurante. Foto de dois namorados. Éramos dois namorados.





FONTES PESQUISADAS

GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994. 

Programa "SporTV Reporter - Senna Para Sempre"

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