Ralfe César Silva é de Três
Pontas (MG) e construiu sozinho, na própria oficina, o carro: "Acho que é
como se tivesse sido campeão mundial"
Por Régis Melo, Três Pontas, MG
De um lado, o milionário
universo da Fórmula 1, com champanhe, troféus, luxo e, claro, muita velocidade.
Do outro, um tapeceiro de Três Pontas, no interior de Minas Gerais, que
aprendeu sozinho a profissão, base do sustento de sua família. O que liga esses
universos tão distintos? A paixão. Paixão pelo esporte, pelas corridas e pelo
ídolo Ayrton Senna.
Ralfe César Silva tem 47 anos
e acompanhou as conquistas do herói da velocidade. Ao lado do pai, acordava
cedo nas manhãs de domingo e não saía da frente da televisão até que a bandeira
quadriculada ganhasse os ares dos autódromos.
A infância aos poucos ficou
para trás, mas não o sonho de um dia poder entrar em um, de ter um daqueles
carros que rasgavam as pistas sob o comando de Senna. Sem condições
financeiras, o tapeceiro achou uma solução: criar ele mesmo seu fórmula 1. E
foi assim que, sozinho, dentro da própria oficina, construiu uma réplica da
McLaren utilizada pelo piloto em 1993.
- Eu já acompanhava a
carreira do Senna desde o princípio, desde quando eu entendi o que era. Passava
na televisão, eu acordava de madrugada. E sempre admirei, porque o Senna foi
uma pessoa que nasceu com uma condição financeira boa, que não precisava da
profissão para viver, porque a família dele tinha uma condição e, no entanto,
sempre deu exemplo - conta o tapeceiro.
A réplica da McLaren fica em
meio ao trabalho cotidiano do tapeceiro (Foto: Régis Melo)
Mas a história desse projeto
se mistura com a vida do próprio Ralfe. Assim como a construção do carro,
aprendeu na marra a profissão. Desempregado aos 23 anos, estava sentado no
Fusca do pai, com as mãos no banco, quando percebeu que era com os estofados
que queria passar a trabalhar. Sem formação, teve que batalhar para aprender o
ofício.
- Todo mundo achando que eu
estava fazendo papel de louco, sem saber passar a agulha na máquina. Aí meu pai
pegou e comprou uma máquina para mim. Eu quebrei 40 agulhas na máquina, mas
consegui costurar alguma coisa sozinho. E aí estou, desde então, tocando a
minha família daqui - diz, orgulhoso.
O "daqui" ao qual
ele se refere é a mesma oficina onde o carro foi montado. Uma "bagunça
organizada" toma conta do local, com bancos, espumas, tecidos e máquinas
para todo lado. Em meio a isso tudo, um espaço foi aberto para receber o
fórmula 1, que tem as mesmas medidas da McLaren MP4/8 - são 4,70 m de comprimento, com 2,87 m de largura.
- Eu tenho pra mim que se eu começar alguma coisa, eu tenho
que conseguir. O não você sempre tem. Você tem que correr atrás da vitória. Se
eu não conseguir, eu estou me contrariando, e o meu íntimo não aceita aquilo.
A construção
Tapeceiro de Três Pontas (MG)
construiu uma réplica da McLaren de Ayrton Senna
Mas como tirar um sonho do
papel e começar a montagem do carro? Para o tapeceiro, da forma mais simples
possível. Um pouco de pesquisa, uma caneta e um papelão no chão da oficina.
Depois do desenho, alívio por ver que o projeto caberia dentro da oficina.
Agora era só começar a construção, que teria que ser feita principalmente nos
finais de semana, já que o trabalho do dia a dia não podia parar (veja a
história completa e os detalhes da réplica no vídeo acima).
- Peguei e comprei a
ferragem, as coisas, e todo mundo [perguntando] o que é isso? Isso é uma
estante? O que você está fazendo? Porque ficava tudo tombado ali. Eu falei isso
aqui é um carro de Fórmula 1. [Eles respondiam] 'Carro de Fórmula 1? você está
louco?'. Todo mundo duvidando, querendo tirar um sarro, tirar onda. Mas eu
sempre acreditando em mim.
Nunca preocupei com o que o povo da rua ia falar - diz Ralfe.
O trabalho durou seis meses.
Entre as etapas, corte dos materias, lapidação, pintura e acabamento. O carro,
na verdade, não tem motor, é basicamente a estrutura de um fórmula 1 adaptada
para a realidade do tapeceiro. Em vez de fibras de carbono e tecnologia de
ponta, madeira, tecidos e ferramentas comuns do dia a dia.
Construção durou seis meses e
foi toda realizada na oficina (Foto: Régis Melo)
O trabalho, muita vezes indo
até tarde ou no que deveria ser a folga da família, chegou até a criar pequenos
conflitos em casa, mas nada que não pudesse ser superado.
- Eu fico preocupada com o
cansaço, com a saúde. Mas na mesma hora, eu me sinto orgulhosa, porque tem
muitas mães correndo atrás dos filhos por caminhos errados, e ele é uma pessoa
muito honesta, uma pessoa de garra - conta a dona Marinalva Silva.
- Mas eu pensava: eu tenho que realizar meu sonho de
juventude, do meu brinquedo. Um brinquedo que o Senna tinha de verdade, eu
quero ter pelo menos uma imitação - rebate Ralfe.
McLaren de 1993 de Ayrton
Senna inspirou o tapeceiro (Foto: Rafael Lopes/Voando Baixo)
Mas para andar no carro de
Senna, tem que ter o capacete do Senna. E então o tapeceiro foi além, comprou
um capacete, pintou e adesivou, para ficar idêntico ao do piloto brasileiro - o
corte dos adesivos também do carro, aliás, foi o único processo feito fora da
oficina por uma pessoa contratada, já que precisava ser bem preciso.
Ralfe conta que um dia
precisou buscar um medicamento na farmácia. Saiu correndo e, na pressa, não viu
que estava com o capacete errado. Chegando lá, antes de ser atendido, o
farmacêutico fez questão de tirar uma foto com a peça.
- Eu comentei ontem à noite
com a Joicy [esposa de Ralfe]. 'Esse povo de televisão, esses artistas de
novela, esses jogadores de futebol, eles até são muito pacientes'. Porque eu
vou te falar uma coisa, eu já não estou aguentando responder as perguntas -
brinca o tapeceiro.
Tapeceiro também fez uma
réplica do capacete de Ayrton Senna (Foto: Régis Melo)
Curiosidade dos
moradores
E não são poucas perguntas.
Quem duvidava que o projeto fosse sair do papel, agora questiona sobre como foi
feito, sobre o material e as dimensões do carro. Vizinhos e amigos pedem para
tirar fotos, sentar no cockpit. Teve gente que até já perguntou o preço, querendo
comprar a réplica.
Ralfe, no entanto, garante:
não quer vender. A obra deve ficar ali pelo menos por um tempo. Mas ele não
pretende parar por ali. O próximo projeto: construir a Lotus, também pilotada
por Ayrton Senna. Antes disso, no entanto, quer curtir um pouco a sensação de
ter concluído o projeto.
- Dever cumprido. Só de chegar alguém e
admirar, você fala assim: 'Consegui'. É igualzinho você participar de uma
competição e chegar em primeiro. É como se eu tivesse chegado em primeiro em
uma corrida, tivesse participando de uma corrida de verdade, sendo que eu nunca
vi, nunca cheguei perto, nunca tive a oportunidade de ver um carro de perto.
Acho que é a mesma coisa, acho que é como se tivesse sido campeão mundial.
FONTE PESQUISADA
MELO, Regis. Apaixonado por F1, tapeceiro
cria sozinho réplica da McLaren de Ayrton Senna. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/apaixonado-por-f1-tapeceiro-cria-sozinho-replica-de-mclaren-de-ayrton-senna.ghtml>.
Acesso em: 01 de outubro 2017.
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