- Vocês estão fechando
negócio comigo, mas eu digo: vocês têm que ser rápidos. Na minha atividade de
piloto, o amanhã nunca se sabe.
O senso de humor de Senna deu
o tom para a reunião de agosto de 1993 em que ele acertou uma parceria
comercial, para o Brasil, com Giuseppe De Longhi, dono do gigante europeu dos
aquecedores e condicionadores de ar. A frase de Senna não era apenas mais uma
tirada bem-humorada.
Ayrton tomou um grande susto
no dia 20 de maio, durante o primeiro treino oficial para o GP de Mônaco, em
sexta marcha, a cerca de 260 por hora. Um sensor eletrônico da suspensão
interpretara erradamente uma ondulação da pista e fizera a traseira do carro
arriar. A McLaren dera uma violenta guinada para a direita e fora de encontro
ao guard-rail. O carro ainda bateu do outro lado da pista e desceu a avenida em
pedaços, até parar na pequena área de escape da curva Saint Devote. A seqüência
de pancadas foi tão forte que Ayrton ficou sentado, quieto e grogue, perto do
carro, por cerca de dez minutos. Seu relato a Lemyr Martins:
"Eu nem sei como saí do
carro. Não me recordo de ter aberto o cinto, tirado o volante e nem o capacete.
Via as pessoas que estavam à minha volta como se fosse através de um vidro
fosco. Até a voz do comissário de pista parecia um eco. Só voltei à razão
quando senti uma dor aguda na mão esquerda. Pensei que estava quebrada.”
Era apenas uma luxação. Mais
tarde, ao assistir às imagens do acidente, registradas por um cinegrafista
amador, ele exibiu sua incomum capacidade de fotografar, em detalhes, aquelas
viagens violentas, com segundos de duração, que às vezes ele e os outros
pilotos da Fórmula 1 faziam, no limite entre a sorte e a fatalidade:
"Na primeira batida, de
frente, até achei que o nariz do carro poderia absorver parte do choque. A
segunda foi a pior de todas, porque o carro já estava sem nariz e, ainda muito
veloz, foi de frente de novo contra o guard-rail. Lembro que cheguei a mexer as
pernas, esperando a batida.
É inacreditável que eu tenha
saído inteiro.”
Três dias depois do acidente,
Senna teve outra sensação naquelas ruas que lhe davam tanta sorte e alegria. O
pole position Prost, sem se entender com o câmbio eletrônico da Williams,
queimou a largada e foi punido com uma parada obrigatória de dez segundos nos
boxes. Schumacher, o herdeiro da liderança, àquela altura com um Ford ainda
mais potente do que o que equipava a McLaren, também ficou pelo caminho, com um
vazamento no sistema hidráulico. Ayrton recebeu, pela sexta vez, o troféu de
vencedor do GP de Mônaco, tornando-se o novo recordista do circuito.
Ayrton Senna Beija Adriane
Galisteu Depois de Vencer em Mônaco 1993
A vitória aparentemente fácil
escondeu outra façanha, mistura de sacrifício físico com habilidade
psicomotora. A mão esquerda ficara inchada e dolorida, depois do acidente na
Saint Devote, e ele temia não conseguir dar mais do que três ou quatro voltas
rápidas. Para poupá-lo da dor, a McLaren mudou todos os comandos, dentro do
cockpit, facilitando o uso da mão direita. Canhoto, ele se adaptou
perfeitamente à mudança durante a corrida, mas quase desmaiou de exaustão, por
duas vezes, na sala de imprensa improvisada no salão de uma escola infantil.
Exaustão e emoção. Ao lado de
Senna, na entrevista, o segundo colocado na prova, Damon Hill, filho de Graham,
o piloto que até a bandeirada daquela tarde dividia o recorde de vitórias do
circuito com Senna, fez uma homenagem que levou o novo "rei" de
Mônaco às lágrimas:
"Tenho certeza de que,
se estivesse aqui, meu pai seria o primeiro a dar os parabéns. É uma honra que
seu recorde tenha sido superado por um piloto como Senna.”
As emoções boas, na pista,
começaram a escassear a partir daquele fim de semana. Senna obtivera uma
ilusória liderança do campeonato, somando ao sexto triunfo em Mônaco as
vitórias de Interlagos e Donnington Park, mais os segundos lugares de Kyalami e
Barcelona.
Ele estava com 39 pontos e
Prost com 34. Só não marcara pontos em Imola, onde liderou na pista molhada e
chegou a resistir à Williams de Prost, até abandonar com uma pane hidráulica na
quadragésima volta.
Depois da vitória em Mônaco,
viriam sete vitórias seguidas da Williams-Renault, uma de Michael Schumacher e
muita decepção com a McLaren.
Fora da pista, no entanto,
Senna ria à toa. Como nunca.
Até Nelson Piquet, o filho,
então com sete anos, entrou na fila acompanhado da mãe, Sylvia Tamsma, para
ganhar um cumprimento de Ayrton naquele glorioso GP de Mônaco. Recebeu um
abraço e um beijo carinhoso de um Senna que, para todos que o conheciam mais,
estava irreconhecível, risonho e orgulhoso. Para Nirlando Beirão, aquele fim de
semana foi o melhor momento do namoro de Senna com Adriane:
"Ayrton convidou Adriane
para acompanhá-lo na corrida e ela, acostumada às butiques de classe média, não
sabia nem o que botar na mala para a viagem. Seria o primeiro vôo internacional
de uma jovem paulistana de origem modesta que nem o Rio de Janeiro conhecia. A
mudança era violentíssima: de uma hora para outra, estaria voando para o
paraíso da burguesia européia na primeira classe de um Jumbo 747, ao lado de um
tricampeão mundial de Fórmula 1.”
Para Nirlando, não por outra
razão, o melhor momento do livro que ele escreveu a partir do depoimento de
Adriane também foi o do relato daqueles dias em Mônaco. Num dos trechos, ele
descreveu o deslumbramento de Adriane, ao lado de Senna, durante o jantar da vitória:
"O auditório estava
apinhado. Ficamos bem no centro da mesa principal. Eu olhava para o lado e via
o príncipe Albert. Virava para o outro, Michael Douglas. E aquela menina
bonita? Ah, a Cindy Crawford, com seu namoradão grisalho e charmosérrimo, Richard
Gere. De repente, quem está olhando para mim, quase em frente? A princesa
Caroline. Faço um aceno protocolar com a cabeça e abaixo os olhos, morta de
inibição. Nunca se viu tanta concentração per capita de beleza e fama.”
O radialista Luis Roberto,
correspondente de Fórmula 1 do Sistema Globo de Rádio, já na viagem de volta de
Mônaco para o Brasil, testemunhou um momento que, de acordo com ele,
"parecia filme publicitário". Da sala de embarque do Aeroporto
Charles De Gaulle, em Paris, à espera da conexão para São Paulo, ele
identificou, na pista, o jato de Senna, taxiando. Era Galvão Bueno,
desembarcando para pegar a mesma conexão para o Brasil, depois de uma carona de
luxo no avião do amigo:
"Ayrton e Adriane também
desceram e, enquanto Galvão se afastava, os dois ficaram abraçados, trocando
gestos carinhosos. Eu fiquei impressionado com a beleza daquele momento. Aquele
namoro tinha mesmo uma luz diferente.”
Reginaldo Leme, ainda em
processo de reaproximação com Senna, não apenas registrou aquele novo estado de
espírito. Fez até uma cuidadosa provocação:
- Aí, cara, está descobrindo
a vida, hein?
Jo Ramirez não hesitou ao
apontar o ano de 1993 como o período mais feliz da vida de Senna, pelo menos
nos seis anos em que os dois conviveram na McLaren:
"A partir do namoro com
Adriane, Ayrton continuou muito competitivo, mas passou a encurtar suas
conversas telefônicas relacionadas com treinos e corridas. Limitava-se a
perguntar se estava tudo certo. E encerrava logo a conversa.”
Para Tereza Brown, a amiga e
confidente, Ayrton resumiu aquela fase da vida com um comentário curto, mas
para ela muito significativo:
- Estou bem, comadre.
Ayrton Senna Diz Que é Muito
Feliz Com Adriane Galisteu
Ayrton
Senna é admirado pelos homens e amado pelas mulheres e com o seu sucesso, tem
sempre ao seu redor muitas belas mulheres. Mas ele tem apenas uma: a Adriane, e
as outras mulheres tem que ficar calmas.
"Eu
sou muito feliz. Cada piloto... tendo uma vida como nós [pilotos] brasileiros,
girando o mundo com a Fórmula 1, merece as vezes se acalmar um pouco, e dividir
com uma mulher especial a nossa vida. Eu sou feliz."
Ano
1993
FONTE PESQUISADA
RODRIGUES,
Ernesto. Ayrton, o herói revelado. Edição 1. Rio de Janeiro: Editora Objetiva,
2004.
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