São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004
Folha de São Paulo
Dez
anos após morte, homem que mais acompanhou Senna nas pistas fala das
opiniões sobre Schumacher e dos planos para o futuro que não houve
"Senna odiava o ar da F-1 e achava alemão desleal"
FÁBIO SEIXAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O
Ayrton Senna que morreu há exatos dez anos na curva Tamburello, em
Imola, achava Michael Schumacher desleal, detestava o ambiente da F-1 e
hoje estaria aposentado, longe da categoria.
A descrição é feita pelo
homem que mais trabalhou com o brasileiro. Que conquistou, com ele, o
tricampeonato. Seu patrão por seis das 11 temporadas que disputou. Que o
orientou, via rádio, em 96 dos 161 GPs de sua carreira. E que decidiu
calar neste ano, diante de tantos pedidos para que falasse de seu mais
famoso pupilo.
Ron Dennis, chefe da McLaren, falou apenas à
revista oficial da equipe, que será distribuída a partir de hoje na
Europa. No Brasil, a entrevista foi cedida com exclusividade pelo time
para a Folha.
"Ayrton achava que havia pessoas na F-1 que estavam
dispostas a vencer a qualquer custo. Não apenas pilotos, mas também
integrantes de equipes ou até mesmo escuderias inteiras. E ele achava
que Michael se encaixava nessa categoria, de vencer não importando o
método... Essa nunca foi a maneira dele ou a nossa de encarar as
coisas", revelou Dennis.
"Mas não quero ficar falando sobre isso", completou o inglês.
Naquele
início de temporada de 94, o surpreendente ótimo desempenho de
Schumacher e da Benetton, então sua equipe, começava a causar
estranheza. Após a morte de Senna, no dia 1º de maio, com a disparada do
alemão ao primeiro título, as suspeitas de irregularidade ganharam
força.
Em pelo menos duas ocasiões, o brasileiro fez questão de mostrar sua opinião sobre Schumacher.
A
primeira, no GP da França de 92, quando os dois se tocaram e Senna
levou a pior, abandonando a corrida. A outra, na Alemanha, 20 dias
depois, após o alemão frear subitamente na sua frente durante um treino.
Em ambas, o tricampeão foi até os boxes do novato para tirar
satisfações. Da segunda vez, só não o agrediu porque foi contido por
mecânicos.
Mas Dennis não falou apenas sobre o alemão. Fez,
também, um exercício de futurologia. Para ele, Senna, hoje, estaria
longe da F-1.
"Naquela altura da vida, em 94, ele não tinha
nenhum plano de parar, mas eu sempre o questionava sobre o futuro, sobre
uma possível atuação nos bastidores. Só que o Ayrton estava
completamente desinteressado. Ele já estava decidido a voltar para o
Brasil quando parasse", declarou. "Já havia começado uma carreira de
empresário e tinha um excelente contato com o governo. Seria um
executivo magnífico, sei disso."
Segundo o chefe da McLaren,
Senna "não gostava do ambiente da F-1 extra-pista" e "ficava enfurecido
com toda a política, principalmente com as manipulações que o afetavam
diretamente".
Foi por isso, de acordo com ele, que o tricampeão
decidiu parar após perder o título para o rival Alain Prost em 89. Na
ocasião, acusou o francês Jean Marie Balestre, então dirigente máximo da
F-1, de favorecer o compatriota e precisou se retratar para ser
liberado a disputar o Mundial de 90.
"Ali, ele se aposentou. Estava
profundamente revoltado com o que considerava uma injustiça e achou
melhor parar. Precisei me esforçar muito para convencê-lo a voltar atrás
na decisão", disse.
Dennis ainda descreve Senna como alguém que
sabia dos riscos da F-1, que conhecia seus limites e que aceitava o
perigo se fosse necessário arriscar um pouco mais para buscar um
resultado. Mas também como um piloto sensível, que ficava abalado quando
um colega sofria um acidente grave.
Exatamente o cenário daquele 1º
de maio de 94. Era a terceira etapa do Mundial, e o brasileiro, favorito
ao título, ainda não havia vencido. Para piorar, na véspera, assistira à
morte de Roland Ratzenberger no treino oficial.
Mas tudo
ficou muito pior às 14h12 locais, 9h12 de Brasília, na curva Tamburello.
"Ayrton amava correr e não mudaria nada nesse script", concluiu Dennis.
FONTE PESQUISADA
SEIXAS, Fábio. "Senna odiava o ar da F-1 e achava alemão desleal". Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0105200402.htm>. Acesso em: 10 de novembro 2021.
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