POSFÁCIO
Ele me chamava de "Emmo" - meu apelido no mundo do
automobilismo. Era o seu jeitão meio tímido de mostrar respeito e afeto por
mim. De fato, no mínimo uma década e vários milhares de quilômetros
rodados separaram a minha geração da dele. Quando Ayrton ainda se sujava com a
graxa dos karts, eu já era campeão do mundo. De algum modo, acredito ter
ajudado a inspirá-lo a seguir adiante. Digo isso sem a menor pretensão, mesmo
porque apenas repito o que, certa vez, ele próprio me disse. Se assim foi,
sinto-me orgulhoso de ter participado de uma carreira tão recheada de pole
positions, pódios e vitórias.
Lembro-me de várias conversas, longas e proveitosas, com
Ayrton. Ele, vivendo intensamente a Fórmula 1; eu, idem, idem, a Indy. Nossas
pistas nunca se cruzavam, a não ser ocasionalmente. Mas nossa amizade vinha de
longe. Sinto uma ponta de orgulho ao me lembrar daquele dia em Zeltweg, antes
do GP da Aústria de 1981, quando peguei pela mão aquele garoto que corria no campeonato
europeu de Fórmula Ford, preliminar da prova de Fórmula 1, e o levei de boxe em
boxe. Apresentei-o a um por um dos grandes chefes de escuderia: Ken Tyrell, Ron
Dennis, todos (isso mesmo: fui eu que apresentei Senna a seu futuro patrão
Dennis). Nunca havia feito o mesmo com nenhum outro jovem piloto brasileiro -
muitos deles igualmente promissores. Mas eu tinha certeza de estar diante de um
piloto excepcional. Apresentei-o assim: "Este é Ayrton Senna. Ele vai ser
campeão do mundo". Conhecendo-me e sabendo do meu estilo reservado, era
compreensível que aqueles senhores da Fórmula 1 fizessem um ar de espanto. Ele,
por sua vez, reagia com um sorriso encabulado.
No GP de Portugal, em setembro de 1993, tive a felicidade de
um convívio de quatro dias com ele, na casa de nosso amigo Braga. Percebi que
Ayrton andava muito tenso, pressionado pela dúvida que iria mudar sua vida: ir
ou não ir para a Williams. Era um pesadelo na vida dele. Mas, com os amigos, se
mostrava sempre tranqüilo e cordial. Falamos muito sobre isso - concentração,
preparação mental, relaxamento. Busquei-o, dias depois, no Brasil. No jatinho
de nosso amigo Gito Chammas, seguimos para Miami e, de lá, no meu Learjet, para
Phoenix, Arizona. A meu convite, foi testar o carro que meu big boss Roger
Penske botou à disposição dele, para o caso de resolver mudar de turma no
automobilismo. Ayrton testou o carro - o meu carro - ao seu estilo: meticuloso,
detalhista. Parou no boxe e mudou a posição do banco. Virou rapidíssimo. Voltou
radiante. "Gostou?" - perguntei. Ele nem precisava responder: seus
olhos brilhavam como os de um garotinho que acabou de ganhar um presente.
Acho que já é hora de contar um segredo que guardamos
conosco. Mesmo depois de acertar os ponteiros com a Williams, Ayrton ligou para
o Roger para fazer um agradecimento e um pedido. Sonhava em correr em
Indianápolis na temporada de 1994. O calendário da Indy e o da Fórmula 1 não
iam trombar naquela data. Ayrton queria se juntar a Paul Tracy e a mim na
equipe Penske.
Nosso último encontro, cara a cara, foi em Interlagos, a um
ou dois minutos do início do GP do Brasil de 1994. O suficiente para um rápido
"Alô, tudo bem?" e um "boa sorte", de mim para ele. Não a
teve, naquela tarde, na pista. Mas eu sentia que, ao lado de Adriane Galisteu,
Ayrton estava tendo sorte na vida. Havia encontrado sua metade. Sua maturidade
como ser humano era visível. Conseguia, enfim, conciliar trabalho e sentimento.
Não me considero um homem supersticioso e até estranho, ao
reler o parágrafo acima, a repetição da palavra sorte. Bem, talvez sorte seja,
por mais que a reneguemos, um instrumento indispensável a quem, como Ayrton,
como eu, construiu a vida nos percursos arriscados do asfalto. Sorte é também o
que desejo a Adriane, a quem a vida pregou um susto cruel, mas que ainda tem
muito pela frente para superar a insuperável ausência de seu namorado.
Emerson Fittipaldi
São Paulo, 11-10-94
Impresso na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Av. Otaviano Alves de Lima, 4400, SP, tel.: (011) 877-1150.
Distribuído no Brasil por Dinap S.A.
Estrada Velha de Osasco, 132, SP, tel.: (011) 810-5001.
{Este livro foi digitalizado por Katia Oliveira em Junho de
2002.
Se desejar obras no gênero, escreva para katiaoliveira uol.com.br}
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