De acordo com o Ministério Público do Trabalho, fazenda de empresário mantinha
82 trabalhadores em condição análoga à de escravo
FLAGRANTE
Foto de fiscal mostra lavrador sem sapato na fazenda Campo Aberto
Foto: Revista Época EDIÇÃO Nº 509 de fevereiro de 2008
Servidão por dívidas e
restrição à liberdade dos trabalhadores. Aliciamento irregular para trabalho
temporário. Alojamentos e refeitórios sem as mínimas condições de higiene.
Ausência de equipamentos de proteção individual e pulverização aérea de agrotóxico
sobre os trabalhadores.
Essas irregularidades foram
encontradas nas 621 ações de combate ao trabalho escravo do governo federal que
libertaram mais 27 mil trabalhadores em todo o país desde 2005. Mas um desses
casos, desconhecido até então, desperta a atenção por envolver uma família que
tem o seu nome associado exatamente à responsabilidade social.
Trata-se da fazenda Campo Aberto, que pertence ao empresário Milton da Silva, pai do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, e a outros dois sócios de um mega-empreendimento rural de mais de 6 mil hectares localizado em Barreiras, no oeste baiano.
Trata-se da fazenda Campo Aberto, que pertence ao empresário Milton da Silva, pai do tricampeão de Fórmula 1 Ayrton Senna, e a outros dois sócios de um mega-empreendimento rural de mais de 6 mil hectares localizado em Barreiras, no oeste baiano.
“Nós, que defendemos práticas
socialmente eficazes na Fundação Ayrton Senna, não podemos deixar de dar o
exemplo em nossas empresas”, disse Leonardo Senna, irmão de Viviane Senna,
presidente da ONG criada em 1994, em entrevista à revista Dinheiro Rural em
janeiro de 2006.
A reportagem sobre a fazenda
é usada na ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT), que
acusa o pai de um dos maiores ídolos do esporte nacional de manter 82
trabalhadores em condição análoga à de escravo (saiba mais sobre as irregularidades apontadas).
"Essa visão do melhor
dos mundos, que alia tecnologia, produtividade e responsabilidade social, tão
bem retratada pela mídia especializada, não é bem aquela encontrada pelo grupo
especial de fiscalização móvel para erradicação do trabalho escravo, do
Ministério do Trabalho e Emprego", escreve o procurador Paulo Germano
Costa, na denúncia, de 18 de junho de 2007.
Em seu site, o Instituto
Ayrton Senna afirma ter beneficiado mais de 1,3 milhão de crianças e
adolescentes em projeto sociais em 2007. A assessoria de imprensa da ONG disse ao
site que Viviane Senna estava de férias no exterior e que não iria se
pronunciar sobre o caso. Segundo a assessoria, Viviane é porta-voz do
Instituto, e não da família.
Infrações
Considerada a "jóia" dos negócios rurais da família Senna, a propriedade recebeu, durante dez dias de inspeção, em março de 2007, 29 autos de infração do grupo móvel especial de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Infrações
Considerada a "jóia" dos negócios rurais da família Senna, a propriedade recebeu, durante dez dias de inspeção, em março de 2007, 29 autos de infração do grupo móvel especial de combate ao trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Duas ações (leia a íntegra de uma delas) na Justiça do Trabalho de Barreiras, em fase final
de julgamento, cobram dos donos do empreendimento rural R$ 600 mil por dano
moral coletivo e mais R$ 110 mil em indenizações por cada um dos
trabalhadores libertados durante a fiscalização do MTE.
O dinheiro referente aos
créditos trabalhistas dos 82 empregados libertados ainda não foi pago, pois os
sócios se recusaram, durante a inspeção, a reconhecer a acusação de trabalho
escravo.
“Talvez seja pela questão da
‘lista negra’, mas o responsável pela empresa se retirou da negociação no ato
do resgate dos trabalhadores”, explica o procurador do Trabalho em Barreiras,
Luciano Leivas, que acompanha o processo.
“Conversa fiada”
A “lista negra” à qual o
procurador se refere é mais conhecida como a “lista suja” do Ministério do
Trabalho, divulgada a cada seis meses. O nome do infrator só entra no cadastro
após a conclusão do processo administrativo gerado pela fiscalização que
libertou os trabalhadores.
As sanções podem atingir o
bolso dos empregadores. Mais de 100 empresas e associações que assinaram o
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo se negam a comprar, direta
ou indiretamente, mercadorias produzidas por fazendas incluídas na “lista
suja”. Entre elas, estão gigantes dos setores varejista e atacadista do país.
Conforme mostrou o Congresso
em Foco em outubro do ano passado, empresas autuadas por manter
trabalhadores em condições análogas à de escravo doaram R$ 897 mil para a
campanha eleitoral de 25 candidatos em 2006 (leia mais).
Doação para deputado
Um dos sócios do pai de
Ayrton Senna na fazenda Campo Aberto, Ricardo Ferrigno Teixeira, que administra
o empreendimento rural, doou R$ 20 mil para campanhas políticas em 2006.
Uma dessas doações, no valor
de R$ 10 mil, foi para a reeleição do deputado João Leão (PP-BA), vice-líder do
governo no Congresso. Segundo Leão, essa contribuição foi apenas parte de um
total de R$ 200 mil que ele recebeu da Associação dos Agricultores e Irrigantes
da Bahia (Aiba) durante sua campanha.
“Ainda não tive o prazer de
conhecer o senhor Ricardo e sua fazenda”, disse o deputado. "Eu não
acredito nessa história de trabalho escravo no oeste da Bahia. É conversa
fiada. Isso é folclore", afirmou Leão ao site.
A outra doação, também de R$
10 mil, foi para Eduardo Seixas de Salles (PP), candidato a deputado estadual
que não se elegeu. Ele figura como suplente na Assembléia Legislativa da Bahia.
Em entrevista ao Congresso
em Foco, Ricardo Ferrigno preferiu não dar detalhes sobre a defesa protocolada
por seus advogados no processo. Mas informou que “o quadro pintado pelos
fiscais” não é verdadeiro. “Anexamos documentos que provam pagamento de
salários e rescisões de funcionários. Como podemos ser acusados de fazer
servidão por dívidas?”, contesta o administrador da fazenda.
Para comprovar a servidão por
dívidas, os fiscais do MTE citam o depoimento de Elessandio Santos de Souza, um
dos trabalhadores libertados na fiscalização. "Que queria sair da Fazenda
Campo Aberto porque o valor da empreita estava muito barato; que em 2004 comprava
mercadorias na cantina da Fazenda; que o valor das mercadorias era diretamente
descontado do salário do depoente”.
Negociação
Negociação
Em outubro de 2007, o
Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5) acolheu as alegações dos
procuradores do MPT e determinou que os proprietários da fazenda cumprissem uma
série de obrigações legais enquanto as ações indenizatórias não são
julgadas.
Entre as medidas que os donos
da Campo Aberto, consórcio rural que exporta soja e milho para a Itália e a
Alemanha, tiveram que cumprir está a construção de alojamentos e locais de
refeições em condições adequadas de conservação e higiene.
Temendo a repercussão
negativa do caso, os sócios iniciaram uma negociação para a venda da fazenda
para o grupo paulista Cosan, considerado o maior exportador de açúcar e de
álcool do mundo. A informação foi confirmada ao site por um dos advogados da
Campo Aberto, Vagner de Oliveira.
"Sei que teve essa
negociação, mas não sei se avançou", disse o advogado. A reportagem
tentou, desde o dia 29 de janeiro, contato com o outro advogado da família
Senna que também atua na ação, Márcio Rogério de Souza. Mas ele não retornou os
pedidos de entrevista.
Um dos sócios da família
Senna no condomínio rural, Ubirajara Guimarães, conhecido como Bira, disse ao Congresso
em Foco que não há nenhuma negociação para a venda da fazenda. "Não
tem nada a ver. É uma fazenda muito produtiva, uma fazenda-modelo."
Bira disse que o negócio está
dividido em 50% para o pai do ex-piloto de Fórmula 1 e 25% para ele os outros
25% para Ricardo Ferrigno Teixeira, filho de Armando Teixeira Botelho,
ex-empresário de Ayrton no automobilismo. "Lugar 100% você nunca vai encontrar", disse o empresário.
O grupo Cosan, por meio de
sua assessoria de imprensa, informou que não poderia dar informações sobre
transações desse tipo por ter ações no mercado financeiro, o que impede a
divulgação de negócios ainda não concretizados.
Faça o download do processo completo aqui.
Saiba mais
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FONTE PESQUISADA
LAMBRANHO, Lúcio. Acusação de trabalho
escravo contra pai de Senna. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/acusacao-de-trabalho-escravo-contra-pai-de-senna/>.
Acesso em: 29 de dezembro 2015.
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