Nunca houve um pódio tão triste como o do GP de San Marino daquele 1o de maio de 1994. Os acordes marciais do hino alemão soava como a marcha fúnebre. Michael Schumacher, Nicola Larini e Mika Hakkinen, os vencedores, estavam cabisbaixos, não sabiam onde por as mãos. Não houve champanhe e o alarido normal do burlesco Autódromo de Ímola entrou um pesado silêncio. Eu fotografava mecanicamente desde que foi dada a segunda largada após o desastre de Ayrton Senna na traiçoeira curva Tamburello. A cada volta daquela segunda corrida eu esperava pela passagem do Williams de Senna, num recurso inconsciente de negar a morte que só dependia do comunicado oficial.
De repente lembrei do dia anterior, quando Ayrton saía do treiler da Williams para os treinos, me viu, fez um sinal amistoso e disse: “Preciso falar com você, depois”
Curioso, o fotógrafo Alex Ruffo ao meu lado achou que o assunto tinha algo a ver com a reportagem que eu fiz para Playboy, na qual Senna abrira muito da sua intimidade. Não era. Já havíamos comentado a matéria, mas também fiquei curioso.
Não falamos naquele sábado. A morte de de Roland Ratzemberg nos treinos transtornou Senna. Ele foi até o local do acidente, na curva Villeneuve, examinou as marcas deixadas pelo Sintek-Ford do piloto austríaco e deixou claro a sua desaprovação ao circuito. Os cartolas não gostaram da sua atitude e o advertiram ameaçando com punições. Contrariado, Senna cumpriu o ritual da entrevista coletiva obrigatória do pole position e deixou o Autódromo Enzo e Dino Ferrari em silêncio
No centro de imprensa, depois da corrida, 213 jornalistas enviavam, nos intervalos da redação de epitáfios de Ayrton Senna, detalhes sobre a vitória de Michael Schumacher. Eu recebi os mais estranhos gestos de solidariedade. Alguns rep0teres, que me conheciam da Fórmula 1 há 25 anos, na falta de melhor recurso, me davam pêsames antecipados, dissimulando o motivo da abordagem. Como sabiam que eu acompanhei a carreira de Senna desde o kart me pediam solenes, fatos exclusivos da vida do piloto.
Recebi ofertas à queima roupa para free lancers, depoimento especial de vários jornais, TV e o convite, bem remunerado, de uma revista japonesa, para gravar minhas memórias sobre a carreira de Ayrton Senna. Era impossível. Eu vivia a experiência difícil do luto pessoal e da utilidade pública, sem conseguir controlar a emoção da perda do piloto nem manter a frieza da função de repórter.
Ás 17,45 h, de Ímola, veio o anúncio oficial do Hospital de Bolonha: Ayrton Senna da Silva tinha morrido. A sala de imprensa ficou mais nervosa, o caminho entre circuito e o hospital virou procissão, e eu desejei estar cobrindo um torneio de bridge.
Dois dias depois, na estrada de Bolonha-Milão, o Ruffo não se conteve e me perguntou sobre o assunto que “Ele” queria falar comigo.
Ai me lembrei da voz de barítono do signore Montanha, o decano e protocolar capo de stampa de Monza. Ele apertou o meu braço na escadaria principal de Ímola e disse despedindo-se num tom clérigo de pregador: “Lamente mas não chore a partida do Ayrton. Ele tinha provado tudo, não havia mais nada a fazer por aqui”.
- Não -, respondi ao Ruffo. E só agora me dei conta que repeti as palavras do Montanha: “Ele não tinha mais nada a fazer por aqui”. (LM)
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