domingo, 10 de março de 2013

Senna Explica Todas as Polemicas Que Teve Com Prost na McLaren




Senna - Todos os anos tem um campeão, em todos os esportes. Mas
nem sempre é o campeão de verdade, respeitado, admirado,
indiscutível. Pelo contrário, muitas vezes é um vencedor sem
vitória, sem mérito, sem conquista.
Veja: num ano em que uma equipe como a McLaren domina totalmente o campeonato, existem dois pilotos com possibilidades de vencer. Entre aquele que tem vitórias e é o melhor, e o que vence pela desgraça dos outros, porque os adversários quebram o carro, coisas assim, o primeiro tem muito mais valor. E eu conquistei o titulo assim. Da maneira que julgo verdadeira.

Playboy - Você está querendo dizer que o Alain Prost, que venceu o campeonato no ano de 1989, por pontos, foi um campeão...

Senna - [Interrompendo.]... sem valor, sem crédito. Tudo foi tão
desacreditado por ele - a qualidade de nossos carros, o fornecimento do motor - que ele nem comemorou o título. Eu saí do Japão em 1988 como vencedor. Como campeão de fato. O Prost saiu do Japão um ano depois como perdedor. Não ganhou na pista, não conquistou o título através de uma vitória. Na última corrida do
ano, na Austrália, que definiu o campeonato, se resando a correr
por causa da chuva. Levou o título por questão matemática. Se eu
vencesse nessa última prova, será que ele se consideraria, no
íntimo, um campeão? O Prost sabia que eu tinha conquistado nove
pontos no Japão, uma prova antes, mas que me desclassificaram, me tiraram esses pontos. Com eles, eu seria campeão. Qual é, então, o valor do título dele?

Playboy - Nesta prova do Japão, você foi desclassificado por causa
de uma manobra irregular pra volar às pistas, depois que seu carro
se chocou com o de Prost. Ron Dennis, o dono da McLaren, defendeu você.Ele disse que Prost jogou o caro sobre o seu. Foi isso mesmo?

Senna - O Prost virou o carro antes de entrar na curva, isso a
gente vê pelos vídeos de televisão. Ele percebeu que eu estava ali
e fez de propósito.

Playboy - É verdade que depois da prova Prost foi procurá-lo e
você quase bateu nele?

Senna - Cheguei perto de bater nele. Depois do que ele fez, vem se
dizer triste pelo episódio? É algo fora da realidade. Eu disse
para ele se afastar e cuidar da própria vida dele. Era o mínimo
que eu poderia fazer.

Playboy - Depois de desclassificado da prova, você acusou os
cartolas de manipularem o campeonato em favor de Prost e acabou
ameaçado pelo presidente da Fisa [Federação Internacional de
Esportes Automobilísticos], Jean-Marie Balestre, de ser excluído
das provas deste ano (1990.) A briga se arrastrou por 3 meses. Em
todo este tempo, você sempre achou que estava certo?

Senna - Cem por cento.

Playboy - E por que se retratou, como Balestre exigia?
Senna - Mais uma vez, foram circunstâncias de uma situação em que a verdade foi colocada de uma maneira... [longo silêncio] que
ainda hoje eu não posso responder.

Playboy - Quando disse que o campeonato foi manipulado, você
expressou uma certeza que pelo menos os seus torcedores também
tinham?

Senna - Hã-hã

Playboy - E, na última hora, mudou de opinião?

Senna - Não, eu não mudei. Essa é a que é a verdade. Eu não mudei. [emocionado.] Mas, realmente, não posso falar sobre isso hoje. Teria sérias implicações.

Playboy - Sua vontade de continuar nas pistas está acima de tudo?

Senna - Em certos momentos, sim. Neste episódio, não. Quis deixar
as corridas, cheguei a tomar esta atitude. Abri mão da minha
profissão, totalmente. Mas as coisas se modificaram rapidamente e
tomaram outro rumo.

Playboy - O que aconteceu?

Senna - Não entrarei em detalhes.

Playboy - Mas como você se sentiu tendo que se retratar?

Senna - Isso que você está dizendo não faz parte da realidade. E,
no entanto, eu não posso falar hoje.

Playboy - Você teve o apoio de algum piloto?

Senna - Não o suficiente para que colocássemos algo em prática com grande efeito. Existiram contatos e declarações do Maurício
Gugelmin, do Michele Alboreto, do Thierry Boutsen.

Playboy - Qual desses apoios...

Senna [Taxativo.] Este é um assunto sobre o qual não posso falar
mais. Infelizmente.

Playboy - OK. Podemos esclarecer então como as coisas entre você e o Prost chegaram aonde chegaram?

Senna - Os problemas surgiram em meados de 1988, quando comecei a alcançá-lo no campeonato, ameaçando sua posição dentro da equipe. A pressão aumentou e ele começou a espernear. Tentou desestabilizar o bom ambiente de trabalho, pois só assim poderia eventualmente me vencer. em condições de igualdade, não tinha mesmo como.

Playboy - Seus adversários diziam que ele acertava o carro, e que
você vinha na cola, aprendendo. Era assim?

Senna - Eu tinha que aprender com ele, que é experiente e conhecia a McLaren já muitos anos. Só junto dos que sabem posso evoluir e superá-los. Foi minha estratégia. Deu certo.

Playboy - Vocês passaram a temporada de 1988 tentando manter as
aparências. Em abril de 1989, em Ímola, a bomba explodiu. Ele o
acusou de ser traidor e não cumprir acordos de cavalheiros dentro
das pistas. O que houve de verdade?

Senna - Nossos carros eram superiores aos outros, combinamos de
poupar a máquina na largada, não ultrapassagem na primeira freada da primeira curva. Veio a largada, ele ficou em primeiro. Só que peguei seu vácuo, ganhei velocidade e consegui ultrapassá-lo antes da curva. E fui embora. Ele começou a apertar de tal forma o ritmo que rodou, foi para o outro lado da pista, fez o diabo. Depois da corrida, estava muito pê da vida. Jogou a culpa da derrota em mim, dizendo que traí o acordo. E começou a maior encrenca.

Playboy - Como foi isso?

Senna - Ímola foi a gota d'água de uma situação que  vinha desde
1988, quando ele perdeu o campeonato para mim. Prost ficou numa
pior. Tanto é que tínhamos um treino na Inglaterra e ele ficou na
França, ameaçando parar de correr. Isso seria terrível para a
McLaren, que não teria como substituí-lo naquele momento. O Ron
Dennis, desesperado me pressionou para uma solução, Nós dois
combinamos que eu daria a Prost uma válvula de escape, para ele se recuperar. Sentamos depois os três e eu assumi a culpa. Abri uma
via de fuga para ele emergir um pouco.

Playboy - A versão do Prost é diferente. Ele diz que você traiu o
acordo e, pressionado pelo Ron Dennis, confessou e até chorou.

Senna - É verdade. Chorei. O estado dele me impressionou. O Prost estava desestruturado, não tinha condições de continuar correndo. Simplesmente não existia mais.

Playboy - Você quer dizer que chorou de pena?

Senna - Exatamente. Mas ele nunca foi capaz de entender. Na semana seguinte, em Mônaco, soltou outra versão para a imprensa francesa. Não respondi. Segurei firmão e aguentei mais uma vez. Quis provar na pista que era maior do que ele.

Playboy - E o Ron Dennis, nessa história toda?

Senna - Na prova seguinte, no méxico, o Prost foi reclamar com o
Ron que eu não falva mais com ele. "Depois do que você fez, quer
que o Ayrton continue seu amigo?" Foi a resposta que ouviu. A
carreira dele estava encerrada na McLaren. O Ron não queria mais o Prost na equipe. Não tinha como falar, mas o francês percebeu e
foi para a Ferrari.

Playboy - Antes de ser campeão, você não dizia que ele era o
melhor piloto do mundo?

Senna - Sem dúvida. De todos os corredores que estão na F1, Prost é um dos mais completos.

Playboy - É o professor, como os franceses o chamam?

Senna - Não. É um grande piloto.

Playboy - Depois de vencê-lo, você não se considera melhor do que ele?

Senna - Palavras não se aplicam. Das cinco primeiras corridas
deste ano, liderei todas, venci três e consegui quatros poles. Os
resultos falam. É lógico que tenho minha opinião, e ela é clara.
Mas não devo revelar.

Playboy - Ron Dennis garante que você é o melhor.

Senna - Ele já trabalhou com muitos campeões, e tem a visão não só do resultado final mas de como se chegou aquele resultado. Vindo do Ron, é um complemento realmente muito especial.

Playboy - Você então é "obrigado" a concordar quando ele diz:

Senna é o melhor?

Senna - [Sorrindo.] Não posso discordar.

Fonte: Playboy 1990





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