quarta-feira, 30 de outubro de 2013

"MCLAREN QUERIA PIQUET EM 88; FUI EU QUE SUGERI SENNA", REVELA PROST

Em entrevista a canal britânico, francês lembrou em detalhes os difíceis dois anos que passou como companheiro do brasileiro na McLaren

Leonardo Felix


30/10/2013

Ayrton Senna e Alain Prost, em 1988

No dia em que a conquistado primeiro título mundial de Ayrton Senna completou 25 anos, uma importante informação revelada por Alain Prost, em entrevista recente ao canal britânico “Sky Sports”, trouxe à tona a ideia de que a maior rivalidade da história da F1, iniciada justamente na disputa pelo título daquele lendário campeonato de 1988, poderia nunca ter existido. Ou, pelo menos, ter ocorrido de uma forma totalmente diferente.
Durante um quadro de longas entrevistas da rede, chamado “F1 Legends”, o tetracampeão francês declarou que o brasileiro não era a primeira opção da McLaren para aquele ano. Segundo ele, o time inglês estava de olho era em seu compatriota e então bicampeão Nelson Piquet, que à época lutava pelo tri contra Nigel Mansell na Williams.
Prost garantiu ter atuado decisivamente para que a equipe desistisse de Piquet e voltasse suas atenções a Senna, pois, em sua visão, o jovem da Lotus seria uma melhor aposta para o futuro. “Eles queriam Nelson. E Nelson era um bom amigo, sempre fomos próximos, enquanto eu mal conhecia Ayrton. Mas eu falei: ‘Por que Nelson? Se vocês querem uma equipe forte, peguem o melhor e mais jovem para o futuro: peguem Ayrton’. Todos olharam para mim e perguntaram por que eu queria Ayrton. E eu disse: ‘É pelo interesse do time’”. relatou.

“Para mim, seria mais fácil escolher Nelson, mas eu não vi nenhum problema [em ter Senna como companheiro]. Você sempre precisa tomar decisões que sejam favoráveis ao interesse da equipe. A McLaren era minha família, todos eram meus amigos. E eu nunca havia tido problema com companheiros antes. Sem Ayrton [na equipe], eu poderia ter conquistado talvez mais dois ou três campeonatos, é verdade, e minha vida poderia ter sido um pouco diferente, mas [eu só cheguei a me arrepender] na época, não agora. Pelo lado esportivo, humano, subimos a um nível diferente”, seguiu.

O resto da história, todos sabemos: a negociação envolveu a  chegada da Honda e, juntos, escuderia, fornecedora de motores e pilotos formaram aquela que talvez tenha sido a esquadra mais forte e explosiva da história. Dominantes nas duas campanhas em que atuaram na mesma garagem, os dois arquirrivais acumularam um título cada, muitas polêmicas e uma inimizade que duraria até o fim de 93.

Embora a situação só tenha tomado proporções epopeicas em 1989, já no ano anterior havia sinais de faísca em uma relação que sempre esteve na limiar entre o civilizado e a guerra sem limites éticos. “Me lembro [do GP] de Portugal, em que [um acidente] foi muito próximo [após tomar uma espremida de Senna na reta principal. Assista ao vídeo logo abaixo]. Vamos dizer que foi no limite”, avaliou.



Outra preocupação de Prost naquele período era quanto a um possível favorecimento da montadora japonesa ao seu companheiro. Embora nunca tenha tido certeza disso, o francês tinha sérias razões para suspeitar e, por isso, aquele cenário acabou sendo prejudicial para o seu psicológico. Consequentemente, afetou também seu desempenho em pista a partir do ano seguinte.

“Em novembro [de 88], lembro de ter tido uma estranha conversa com o presidente da Honda em um jantar, porque eu disse que sentia que a Honda estava favorecendo Ayrton. Ele me respondeu: ‘Eu sei, eu sei. Temos uma nova geração de engenheiros que gostam de Ayrton’. Eu questionei: ‘Há uma forma de mudar isso? Para mim, é muito difícil’, e fiquei bastante confiante após essa conversa”, contou.

“Mas aí veio 89 e foi um absoluto desastre. Para mim, 89 foi muito, muito pior. A parte psicológica é muito importante no desempenho de um piloto, eu diria que corresponde a uns 80%. Se você sente que tem algum tipo de vantagem ou privilégio [para seu companheiro, fica abalado]. Eu me lembro quando chegavam os motores e sempre havia alguns reservados para o Ayrton. Eu ficava: ‘Gente, o que é isso? Ele recebe motores melhores ou é tudo igual? Eu não sei!’. Você não quer ver isso acontecendo, quer receber tratamento igual. É tudo psicológico. Houve uma grande diferença entre 88 e 89 e eu nunca entendi o porquê”, continuou.

A gota d’água veio no GP de San Marino de 89, quando Senna ignorou um acordo entre ambos e o ultrapassou na curva Tosa, logo após a relargada da prova, interrompida em sua primeira saída por conta de um grave acidente de Gerhard Berger na Tamburello. De acordo com o tetracampeão, o brasileiro defendeu que o combinado “não valia” em caso de uma segunda largada, e chegou a chorar após enfim reconhecer seu erro, durante uma reunião entre os dois e o chefão da equipe, Ron Dennis.


Ultrapassagem de Senna sobre Prost no GP de San Marino de 89 mudaria os rumos da história da F1


“Fomos para um teste depois da corrida e foi ali que começou o problema de verdade. Estávamos em um ônibus e iniciamos a discussão. Apenas Ron falou e ele disse: ‘O que houve? Vocês tinham um acordo’, no que Senna respondeu: ‘O acordo só valia para a primeira largada, não para a segunda. E outra: eu não fiz nada, foi Alain que me passou’. Na hora eu falei: ‘Ayrton, havia sete milhões de pessoas assistindo àquela corrida…’. Demorou 20 minutos até que ele aceitasse [o erro], e aí ele começou a chorar…”, narrou.

“O meu erro foi contar essa história a um jornalista francês e pedir que ele não publicasse, mas ele colocou no jornal e Ayrton ficou tão bravo por aquilo ter sido divulgado, que nunca mais quis discutir essa história”, acresceu.

Imerso em uma ambiência de total animosidade, Prost resolveu deixar a McLaren ainda em meados de 89, mesmo com uma proposta de renovação já em andamento e sem ter qualquer contato com outro time do grid. “Em julho [de 89], eu disse a Ron que iria parar e que iria anunciar minha saída da McLaren no GP da França. Eles queriam renovar comigo naquela época, um contrato de mais um ou dois anos. E eu anunciei minha saída sem ter qualquer contato com outra equipe”, externou.

“É claro que Ferrari e Williams vieram me procurar rapidamente depois disso, e eu fechei com a Ferrari talvez duas ou três semanas depois. Mas aí, depois disso, a relação [com a McLaren] ficou muito difícil… Monza [GP da Itália] foi terrível. Eu tinha o meu carro e quatro mecânicos trabalhando comigo, enquanto havia dois carros e umas 40 pessoas junto com ele. Isso foi difícil de aceitar”, rememorou.

O ápice da história foi vivido no GP do Japão, em Suzuka, quando Prost precisava evitar uma vitória de Senna para ser campeão com uma etapa de antecipação. Na 47ª de um total de 53 voltas, o paulistano fez uma ousada tentativa de ultrapassagem na última chicane e os dois bateram, em acidente que, para muitos, foi ocasionado propositalmente pelo francês.

Senna e Prost batem na chicane de Suzuka, no GP do Japão de 1989

Prost, no entanto, voltou a defender que o máximo de sua ação foi “não abrir as portas” para a ultrapassagem do rival. “Ele estava tão atrás que, quando eu olhei no espelho pela primeira vez, [nem me preocupei, porque] ele estava muito atrás. De repente, eu o vi do meu lado e não acreditei que ele estava lá. Obviamente, não mudei [o traçado], fazendo exatamente aquilo que falei que ia fazer. Mas fiquei muito decepcionado e sabe por quê? Porque eu não venci, e eu poderia ter vencido facilmente”, disse.

Para o segundo maior vencedor da história da categoria, a teoria de que Senna só foi desclassificado daquela etapa por atuação direta sua junto ao chefão da FISA, Jean-Marie Balestre, também não passou de algo plantado na cabeça do brasileiro.

“Quando você vive uma briga como essa, muita gente em volta começa a te colocar coisas estúpidas na cabeça. Isso não ocorria muito comigo, porque eu tinha poucas pessoas ao meu redor, mas Ayrton era rodeado por muita gente. E ele era extremamente forte em alguns aspectos, mas também muito fraco no que diz respeito a ser influenciado pelo que as pessoas diziam, então a situação chegou a um ponto fora de controle”, argumentou.

O troco do futuro tricampeão veio em 1990, no mesmo palco nipônico. Assim como Prost no ano anterior, Ayrton jamais admitiu oficialmente ter colidido de propósito, alegando que já estava lado a lado com a Ferrari #1 no momento do choque. Não é o que Alain pensa a respeito: “Para fazer o que ele fez, era preciso manter o pé embaixo, e fazer aquilo [por dentro, em uma largada] é algo que não passa pela cabeça de um piloto. Eu queria ter visto a telemetria do engenheiro dele, porque todos sabiam o que tinha acontecido”, opinou.


Senna atinge Prost no GP do Japão de 1990

No entanto, os dois nunca chegaram a conversar para tentar esclarecer o que, de fato, ambos fizeram naqueles dois polêmicos incidentes que marcaram para sempre suas vidas e a própria F1. “Não, nunca. Nós conversamos sobre muitas coisas em 1993, sobre diferentes assuntos, mas nunca mais tocamos nesse ponto”, assegurou Prost.


Mais um assalto deste tremendo duelo foi vivido em 93, quando Prost assinou com a Williams e vetou a chegada de Senna à equipe. Fatigado da árdua batalha que vivera com seu então inimigo na McLaren, o francês admitiu que aquela foi sua única exigência nas negociações com Frank Williams, ainda em 92. Depois, por pressões do próprio chefe e da Renault, ele teve de ceder em meados de 93 e preferiu se aposentar de vez ao fim da temporada, mesmo vinculado à escuderia até o fim de 94.

“Eu nunca exigi ser o primeiro piloto ou ter qualquer vantagem em meus contratos. Quando assinei com Frank, em novembro ou dezembro do ano anterior, disse que queria disputar contra Ayrton, sem problemas, mas não mais no mesmo carro, na mesma equipe. Não queria fazer todo o trabalho, todo o desenvolvimento e aí ele chegar e só colher os resultados. E ele respondeu que tudo bem. O contrato era de dois anos”, lembrou.

“E aí, mais ou menos em julho, ele me procurou e tentou me explicar que havia uma pressão da Renault pela contratação de Ayrton. Eu argumentei: ‘Temos um contrato e você sabe o porquê. Para mim, sem chances, não dá para aceitar’. Mas a pressão foi só crescendo e crescendo, até ele me ligar e oferecer a rescisão, que eu aceitei sem nenhum problema. Eu não fiquei tão contente, mas pelo menos fiquei feliz de ter encerrado aquilo.”

 Após mais uma batalha entre ambos, dessa vez pela conquista de uma vaga na Williams, Senna e Prost enfim iniciam tempos de paz no pódio do GP da Austrália de 93

Passada a fase “beligerante”, vieram as pazes, com o memorável gesto em Adelaide, que viria a ser a última presença de Prost e Senna em uma cerimônia de premiação. “Quando chegamos ao pódio Austrália, eu não queria pedir nada. Mas foi só subir ao pódio junto com ele e tudo mudou completamente. A entrevista coletiva foi inacreditável, ele me ligou dois dias depois e começou a me contar coisas extremamente pessoais, que não se conta a ninguém”, declarou.

“É difícil falar que viramos amigos, mas com certeza ficamos muito mais próximos e [a relação] se tornou algo bem diferente do que era antes. Para todos, a rivalidade contra os adversários é sempre algo muito importante na F1, e ele me confessava repetidas vezes: ‘Alain, eu não tenho motivação para competir contra esses caras. Por favor, volte’.”

Poucos meses depois, naquele fatídico 1º de maio, Senna morreria em um acidente na Tamburello. Na cabeça de Prost, ainda restava um último gesto para que as diferenças ficassem de vez no passado. “Eu liguei para Jean-Luc Legardère, ex-presidente da Matra, que tinha uma esposa brasileira, e perguntei o que ela achava da ideia de eu ir ao funeral, se seria bom ou não. E ela disse que eu deveria ir. Eu não estava muito confiante, mas queria mesmo fazer aquilo e foi muito, muito bom para a minha vida, porque foi quando deixei tudo para trás, encerrei todos os desentendimentos e foi muito emocionante”, completou.

Íntegra

Confira a entrevista completa de Alain Prost (em inglês) no vídeo abaixo. Nela, o tetracampeão conta histórias interessantíssimas de sua carreira, como quando negou uma proposta da McLaren para estrear no GP do Leste dos Estados Unidos de 79, em Watkins Glen, porque “não conhecia a pista e nem o carro”, e que achou que aquela decisão iria colocar fim às suas chances de estrear na categoria.

Também explica sua conturbada passagem pela Renault, entre 81 e 83, afirmando que “tinha mais facilidade para trabalhar com o estilo pragmático dos anglo-saxões”, e que teve de se mudar da França por causa da briga interna com René Arnoux, que não quis ceder posição a ele no GP da França de 82. “Queimaram dois carros meus. Foi a pior situação da minha vida e eu nunca entendi por que as coisas estavam assim”.


Apesar da rivalidade, Prost diz ter vivido os melhores anos da carreira ao lado de Lauda na McLaren

Ele ainda classificou seus primeiros três anos de McLaren, junto com Niki Lauda e Keke Rosberg, como os melhores de sua carreira, no que tange ao ambiente da equipe. “Eu era um grande fã de Niki e confiava muito no que ele fazia, porque ele era um piloto com estilo praticamente igual ao meu. Já Keke era muito próximo a mim e éramos bons amigos”, recupera.


Sobre o período de Ferrari, Prost defende que nunca exigiu ser primeiro piloto de Nigel Mansell em 90 (algo contra o qual o inglês reclama até hoje), e que foi a própria postura do “Leão” que o deixou livre para comandar o desenvolvimento da escuderia naquela temporada. “Eu e Nigel éramos amigos antes de eu chegar à Ferrari e o que houve foi uma espécie de mal entendido. Ele só apareceu em um ou dois briefings durante todo o ano, não gostava de ir às reuniões. Preferia ir jogar golfe, então me deixou atuar como um primeiro piloto, mesmo eu não tendo contrato de primeiro piloto”, garante.

Por fim, ele faz um interessante comentário a respeito do FW15C, modelo com o qual obteve seu quarto título, em 1993, de maneira absolutamente dominante. “Era aquele tipo de carro com o qual não dava para competir com os outros, porque era muito avançado tecnologicamente, mas não foi o meu favorito em termos de trabalho [no desenvolvimento]. Eu gosto de trabalhar com os engenheiros no acerto e não podia fazer isso com esse carro, porque era tudo computadorizado. Portanto, eu não ‘sentia’ o carro da forma que gostava e foi uma temporada estranha”, diz.

Assista aqui:



FONTE

Tazio

http://tazio.uol.com.br/f1/mclaren-queria-piquet-em-88-fui-eu-quem-sugeriu-senna-revela-prost










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