Marco Tomazzoni, iG São Paulo | 19/01/2012
09:18:11
No
final de 2011, quando começaram a aparecer mundo afora as listas de melhores
filmes do ano, um nome conhecido do público brasileiro estava entre eles. O
documentário "Senna" estreou no país em novembro de 2010 – antes do
que em qualquer outro lugar –, teve recepção moderada da crítica e ficou poucas
semanas em cartaz. Não exatamente o que se esperaria de um filme sobre a vida
de um maiores pilotos de todos os tempos, ainda mais se tratando de um
brasileiro.
Mas ao começar sua
carreira internacional, no início do ano passado, a situação mudou: o filme
ganhou o prêmio de público do prestigiado festival de Sundance e
bateu recordes na estreia naInglaterra e
na Austrália, sempre amparado por críticas entusiasmadas da imprensa estrangeira.
Nesta semana, mais uma vitória, ao receber três indicações (melhor filme
britânico, melhor documentário, edição) ao Bafta, o "Oscar"
britânico.
"Senna": nas listas de melhores filmes do ano e
disputa pelo Bafta, o "Oscar" britânico
A
coleção de louros de "Senna" impressiona. A revista de cinema inglesa
"Empire", uma das mais conhecidas do mundo, elegeu o filme sobre o
piloto como o segundo melhor de 2011, à frente de "O Discurso do
Rei", "Bravura Indômita", "Cisne Negro" e até do
hypado "O Artista". Ganhou o prêmio de melhor documentário do ano do
British Independent Film Awards (onde também foi indicado a melhor filme), do
Netflix, iTunes, do Satellite Awards, e nos festivais de Los Angeles , Melbourne e Adelaide. Ficou entre os cinco melhores
documentários do ano do National Board of Review, panteão da crítica
norte-americana, e entre os 10 melhores filmes esportivos da história segundo o
jornal irlandês "The Score".
Não
para por aí. "Senna" ainda concorre nas premiações dos sindicatos dos
produtores e dos roteiristas de Hollywood, prévias eficazes do Oscar, nas
categorias dedicadas a documentário. O filme só vai ficar de fora mesmo da
festa da Academia, já que não figurou entre os semifinalistas do prêmio. A
exclusão de "Senna" surpreendeu diversos veículos, como o jornal
britânico The Guardian, e até serviu de exemplo para justificar a revisão das
regras para o Oscar de melhor documentário.
Biografia autorizada
O
entusiasmo da imprensa internacional com o filme, no entanto, não encontrou eco
na crítica brasileira. À época da estreia, o comentário mais comum nas críticas
sobre "Senna" era o de que o filme seria "chapa branca" por
mostrar o piloto como um "semideus", glorificando seus feitos e
evitando suas falhas. O curioso é que não se trata de uma produção nacional:
"Senna" foi dirigido pelo cineasta inglês Asif Kapadia e produzido
pela companhia britânica Working Title Films, em parceria com a ESPN.
Documentário teve aval da família do piloto
O
jornalista Reginaldo Leme, que é entrevistado no documentário, discorda de um
suposto ufanismo do filme. Ele admite que o documentário teve a aprovação da
família Senna, mas descarta o favorecimento de uma visão parcial. "[O
filme] mostra, inclusive, a realidade do relacionamento entre Senna e [Alain]
Prost. Como faz o Fernando Alonso com o Felipe Massa, [Senna] chega na equipe e
quer dominar." Leme se refere à famosa rivalidade nas décadas de 1980 e
1990 entre o brasileiro e o francês na McLaren, fartamente ilustrada com
imagens de arquivo.
Também
especializado em Fórmula 1, o jornalista Rodrigo França, autor do livro
"Ayrton Senna e a Mídia Esportiva", concorda que não seria complicado
fazer um documentário pró-Senna. "Falar bem do Senna teoricamente é fácil,
um herói nacional. Para a crítica daqui, talvez essa imagem de figura
midiática, de herói, provoque um certo ranço."
O
crítico carioca Carlos Alberto Mattos vai pelo mesmo caminho. "Existe no
Brasil uma desconfiança, um pé atrás, contra o documentário 'a favor',
justamente por causa da overdose de documentários laudatórios de figuras da
cultura e da política. Já no mercado internacional não dão a mínima para isso.
A heroização é muito mais aceita e comum, por exemplo, no mercado
norte-americano. A gente não tem a tradição de herói."
França
ainda rebate a afirmação de que "Senna" seria maniqueísta, ao
procurar demonizar as figuras de Prost e de Jean-Marie Balestre, decano das
federações internacionais de Automobilismo Esportivo (FISA) e do Automóvel
(FIA), desafeto de Senna, em especial no caso do Grande Prêmio do Japão de 1989
(Senna ganhou a corrida, mas teve a vitória anulada e foi suspenso da F-1).
"Isso só surgiu no Brasil. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, ninguém
reclamou. Nem na França falaram alguma coisa dessa história do Prost e do
Balestre."
"Cuidado
com biografias autorizadas, no cinema ou na literatura, é sempre salutar",
afirma Amir Labaki, fundador e diretor do festival de documentários É Tudo
Verdade. "Creio, antes de tudo, que as qualidades cinematográficas do
filme não foram devidamente ressaltadas."
nullBilheteria: boa para
documentário, ruim para a lenda
Nos
cinemas brasileiros, "Senna" foi visto por 211 mil pessoas. Apesar de
distante de blockbusters como "De Pernas pro Ar" e
"Cilada.com", que atraíram mais de 3 milhões de espectadores, o
desempenho, por se tratar de documentário, é considerado satisfatório.
Isso
porque em qualquer lugar do mundo o público para o formato é diminuto, já que
as ficções dominam a preferência e o circuito exibidor. Nos EUA, por exemplo,
"Senna" foi distribuído de forma independente, já que os grandes
estúdios não acreditam no potencial de documentários nas bilheterias.
Cartaz internacional de
"Senna": recorde de vendas de DVDs no Reino Unido
"O
documentário tem um espaço no Brasil maior do que em outros países, mas mesmo
assim se trata de um público bastante específico", aponta Pedro Butcher,
editor do Filme B, portal especializado no mercado de cinema. "Um filme
como 'Lixo Extraordinário', indicado ao Oscar, teve público bem menor [49 mil]
do que 'Senna'."
Esse
cenário minguado fez de "Senna" o sexto documentário mais visto dos
últimos 20 anos no país, atrás de "Fahreinhet 11 de Setembro" (674
mil espectadores), "Vinicius" (271 mil), "Todos os Corações do
Mundo" (265 mil, sobre a Copa de 1994), "Pelé Eterno" (257 mil)
e "Buena Vista Social Club" (228 mil). Mesmo assim, a ideia de que o
filme poderia ter ido mais longe é geral.
"É
um público expressivo para documentários no Brasil, mas decepcionante para o
potencial do personagem. Poderia ter sido maior", afirma Labaki.
Rodrigo
França também acredita que a bilheteria ficou aquém do esperado. "Confesso
que me surpreendi não com a recepção lá fora, mas aqui dentro. Reencontrei o
diretor do filme no GP de Mônaco e ele disse que esperava mais do Brasil, ficou
um pouco decepcionado."
Na
opinião de Carlos Alberto Mattos, o documentário não fez um lançamento adequado
no país. "O filme chegou aos cinemas de repente, sem nenhuma preparação,
sem procurar o lastro de popularidade que o Senna tem no Brasil. Não tinha
identidade certa, não se sabia se era inglês, brasileiro... Foi lançado como
mais um documentário de esporte, e não como algo sobre o Ayrton Senna que as
pessoas amavam."
Segundo
Pedro Butcher, é mais comum que filmes esportivos encontrem seu público no
mercado doméstico e na televisão. A Universal não divulgou a vendagem de DVDs
de "Senna" no Brasil, alegando confidencialidade, mas no Reino Unido
foi um sucesso: mais de 600 mil cópias, um recorde para o gênero na região.
Para
Labaki, o reconhecimento do filme no exterior é justíssimo. "É um
documentário eletrizante sobre um dos maiores esportistas do século 20. Não me
lembro de documentário de maior impacto sobre o universo da Fórmula 1."
"Não
é sempre que a gente vê documentário esportivo chegar nesse nível de
recepção", continua Mattos. "Geralmente só temas maiores, como
'Trabalho Interno' [ganhador do Oscar] e filmes de Michael Moore atingem esse
estágio. Mas ['Senna'] é um filme que funciona muito bem e tem uma construção
dramatúrgica do personagem excelente."
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