Para mim, é difícil
escrever sobre Ayrton Senna. Ele era o meu herói. Ele era o meu deus. Eu vivia
ou morria com cada corrida sua. Sua morte em maio de 1994, em Ímola, foi um
choque e me deixou devastado por algum tempo. Eu era repórter de F-1 e tive de me
afastar porque não pude assistir as provas por um ano.
Estive com ele algumas
vezes em minha carreira. Havia essa magnífica aura de calma controlada que ele
irradiava. Mas era a pureza de sua visão de corrida e de comando que garantiu
seu lugar na história.
Senna tem sido
aclamado como o maior piloto que já viveu. Embora existam alguns que prefiram
Michael Schumacher ou mesmo o pueril Sebastien Vettel, a verdade é que ninguém
se compara a Senna. Qualquer um que tenha visto imagens do Grande Prêmio de
Mônaco, em 1988, sabe do que estou falando.
Foi uma prova que ele
perdeu. Mas atingiu um nível diferente de consciência enquanto acabava com
todos os outros concorrentes no circuito de rua.
“Eu já estava na pole
e ia mais e mais rápido”, disse ele. “Uma volta após a outra, eu me superava. E
de repente percebi que não estava mais dirigindo o carro de forma consciente.
Eu seguia meu instinto, numa dimensão diferente. Estava muito acima do meu
limite”.
Na volta 66, na Curva
Portier, à entrada do túnel, Senna bateu. Tirou o capacete e foi para casa, que
ficava a 200 metros
dali. Só duas horas mais tarde é que deu sinal de vida a Ron Dennis, chefe da
escuderia.
Eu era um jovem
repórter do Montreal Daily News quando fui pela primeira vez ao Brasil e
encontrei Senna no Rio em 1988, quando a corrida ainda era na pista de
Jacarepaguá.
Entramos na tenda de
um dos patrocinadores e começamos a falar da corrida do dia seguinte e as
suas impressões. Fiquei imediatamente impressionado com a graça extraordinária
do homem. Eu não me lembro de todos os detalhes da nossa conversa, mas ele não
estava particularmente feliz com o set-up do carro. Recordo-me do sorriso
tímido que veio com o fim do nosso breve encontro enquanto estávamos apertando
as mãos.
Eu o vi no México,
mais tarde, onde rodou na volta 67 quando estava com 54 segundos de vantagem
sobre o segundo colocado.
Foi surpreendente e um
tanto embaraçoso para o melhor piloto do mundo. Em vez de uma vitória fácil,
ele saiu de sua surrada McLaren espantado e zangado com o que admitiu ser um
“lapso de concentração”.
“Por que Senna
continua empurrando o carro até o limite quando poderia abrandar o ritmo e
cravar sua segunda vitória consecutiva na temporada?”, perguntei ao
engenheiro-chefe.
“A resposta está no
excesso de orgulho e auto-confiança”, respondeu ele. “E no fato de ele ser
simplesmente bom demais”.
Um gênio pode não
respeitar as regras comuns de comportamento. No caso de um piloto, ele não
consegue ir mais devagar só porque está tão à frente dos demais. Senna foi um
corredor puro, um homem comprometido com a ampliação de seus limites (Gilles
Villeneuve, Nigel Mansell, Jochen Rindt e Jim Clark também fazem parte dessa
lista).
Ao avaliar os maiores
de todos os tempos, a discussão mais freqüente é geralmente aquela que envolve compará-lo
a Schumacher. Ambos foram brilhantes. A de Senna foi brutalmente interrompida,
enquanto a do alemão se beneficiou indiscutivelmente da melhor equipe da
história, a Ferrari de Ross Brawn e Jean Todt (Vettel e a equipe atual da Red
Bull se classificariam em segundo).
Eis o que Bernie
Ecclestone me disse sobre qual dos dois seria o número 1:
“Isso é muito, muito
difícil de dizer. Obviamente, eles estavam em carros diferentes e em diferentes
épocas. Mas se eles estivessem no mesmo carro, Ayrton teria ficado na frente.
Minha aposta teria sido em Ayrton Senna. Ele era um piloto puro. Ele era
destemido. Ele acreditava em si mesmo. Ele era um piloto completo que não
conhecia fraqueza. E era um bom homem”.
“Quem ganharia uma
prova de classificação com carros iguais?”, perguntei. “Senna!”, ele me disse.
– OK. Senna vs
Schumacher. Uma volta. Carros idênticos. Quem ganha?
– Senna!
– Senna vs Schumacher.
60 voltas. Carros idênticos. Quem ganha?
– Senna! (Um grande
sorriso se desenha no rosto de Ecclestone)
Esses comentários
foram feitos há uma década e, apesar de Bernie ter sugerido nas últimas semanas
que acha que Vettel pode ser o maior piloto da história, isso é muito mais uma
declaração provocativa promocional do que sua opinião genuína. Ecclestone sabe
que não há ninguém que se possa comparar a Ayrton Senna.
Senna era um artista,
bem como um competidor ferrenho. Ele pode estar morto, mas a memória de seu
perfeccionismo e seu brilho superam patos mecânicos como Vettel e Schumacher.
Era uma força da natureza, um exterminador, um monstro. Ele corria até o
infinito ao invés de até a linha de chegada. Ele desafiou os princípios de
engenharia e ignorou barreiras psicológicas.
Ayrton foi o cometa
que abriu caminho em nossa Via Láctea. Era tão bonito vê-lo correr. Se há algo
de que me arrependo na carreira foi de não ter lhe dito, numa das inúmeras
vezes em que o vi a caminho dos boxes, a palavra em português que ele me
ensinou: obrigado.
Sobre o Autor
Alemão, naturalizado canadense, Harold tem 52 anos e é,
além de jornalista, diretor de cinema. Em mais de 20 anos, entrevistou atores e
cineastas para a mídia americana e europeia. Com todas teve grandes conversas.
Exceto por Scarlett Johansson. "Ela é uma linda diva mimada", diz.
FONTE PESQUISADA
KURSK, Harold Von. Senna e eu. Disponível em:
<http://www.diariodocentrodomundo.com.br/senna-e-eu/>.
Acesso em: 24 de novembro 2013.
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