sábado, 13 de setembro de 2014

Mãe de Ayrton Senna Agradece Adriane Galisteu Por Ter Feito Seu Filho Feliz

Senna e Galisteu felizes em Bora Bora no Taiti 

Adriane Galisteu conta em seu livro que quando foi pegar suas coisas do apartamento onde morava com Ayrton Senna, a mãe dele dona Neyde foi muito gentil e conversaram longamente. Na saída as duas se emocionaram com a despedida definitiva e a mãe de Ayrton agradeceu Adriane por ter feito seu filho muito feliz:

Dei as costas a um pedaço grande do meu mundo - e sabia que essa despedida seria também para sempre. Dona Neyde me levou até a saída do prédio, nós nos abraçamos, eu chorei tanto, ela chorou tanto, uma no ombro da outra, que os dois porteiros que assistiam à cena também se emocionaram. Quis desanuviar:

- Se me pegarem na estrada, vão achar que sou uma sacoleira - disse eu.

Ela ainda falou sério:

- Adriane, obrigada por ter sido mulher dele e tê-lo deixado feliz. Ele foi muito feliz com você.

- Eu também fui muito feliz com ele.

- Vou rezar por você, vou torcer por você, gosto muito de você.

Peguei-lhe pela mão e disse:

- A senhora ainda vai me ver bem, pode ter certeza disso. De uma forma muito real, sincera, coerente, vou dar um jeito na minha vida.

Chovia muito, me recordo. Cada uma de nós entrou no seu carro. Até nunca mais. Uma página estava virada em minha vida.

Senna foi muito feliz com Adriane Galisteu

Leia o relato completo da despedida:

Angra passou a ser minha casa - nossa casa. Compartilhei com ele vários lares. Moramos juntos no apartamento da Rua Paraguai, em São Paulo. Dividimos, certas noites, quarto e cama na casa dos pais dele, no Pacaembu, onde a Zaza me acolhia como uma filha e dava colo a muitas das minhas ingênuas confidências de menina de 20 anos. 

O  pai se retirou, mas Zaza estava firme, beijei-a e ouvi dela:  "Quero muito falar com você". Respondi: "Eu também".  Mas não imaginei que no dia seguinte ela já batesse à minha porta. Depois, achei que nunca mais nos veríamos. Estava enganada.

Quando olhei pela última vez para a cova do Béco, eu  lhe disse em silêncio:

- Eu o amo, mas você me deixou, você me faz falta. Daqui para a frente, minha vida será um tormento.

No dia em que tomei coragem, enfim, de ir a nossa casa, na Rua Paraguai, para retirar as minhas coisas de lá, reencontrei a Zaza. Na fazenda do Braga, em Campinas, recebi o apoio de muitos amigos, uma longa e afetuosa visita da Betise, a Birgit, muitas amigas inesperadas e minha mãe, mas eu estava tão sem eixo, sem rumo, havia perdido tão completamente o fio da meada que me abaixei no carro quando fui a São Paulo pela primeira vez, com o motorista do Braga, depois do enterro. Só ver a cidade já me apavorava.

Fui direto ao apartamento, sem buscar minha mãe, como eu tinha prometido. Dona Neide me esperava. Dez dias depois de toda aquela tragédia. Respirei fundo para enfrentar os fantasmas da memória. Subi de elevador. A porta, entreaberta. Tudo igual - e ao mesmo tempo tudo tão diferente! Não havia nem sinal daquela baguncinha que nós dois produzíamos ali. Tudo no lugar. Não havia mais vida ali. Sentamos, a mãe do Béco e eu, no sofá e conversamos uns quarenta minutos. Ela me falou da Bíblia e, por coincidência, do salmo 81 - aquele que o Béco lia e relia. Ela não se conformava. Senti que ia desabar. Tratei de entrar no quarto. Atirava minhas coisas na mala de qualquer maneira, para poupar sofrimento. Quatro malas cheias, no final. Entrei no banheiro, estava do mesmo jeitinho: a escova de dentes dele no mesmo lugar.

Não resisti: pedi a Zaza para guardá-la. Beijei-a e guardei.

O armário dele, presente que eu tinha dado, a gaveta com seu pijama predileto, o mais velhinho, tipo bermuda e camiseta de meia manga, azul-claro. Tinha tudo a  ver com a nossa vida. Fiquei com ele também. Mas o cartão que eu lhe tinha dado de aniversário e que ele pregou na porta, eu fiz questão de dar a dona Neide:

- É seu, fica com você - insistiu ela.

- Não, é dele, portanto fica com a senhora.

Dei as costas a um pedaço grande do meu mundo - e sabia que essa despedida seria também para sempre. Dona Neide me levou até a saída do prédio, nós nos abraçamos, eu chorei tanto, ela chorou tanto, uma no ombro da outra, que os dois porteiros que assistiam à cena também se emocionaram. Quis desanuviar:

- Se me pegarem na estrada, vão achar que sou uma sacoleira - disse eu.

Ela ainda falou sério:

- Adriane, obrigada por ter sido mulher dele e tê-lo deixado feliz. Ele foi muito feliz com você.

- Eu também fui muito feliz com ele.

- Vou rezar por você, vou torcer por você, gosto muito de você.

Peguei-lhe pela mão e disse:

- A senhora ainda vai me ver bem, pode ter certeza disso. De uma forma muito real, sincera, coerente, vou dar um jeito na minha vida.
Chovia muito, me recordo. Cada uma de nós entrou no seu carro. Até nunca mais. Uma página estava virada em minha vida.

Mas, que a Zaza me permita, eu conhecia seu filho e sabia quando é que ele tinha seus momentos de oração. Aquela cena que a tevê mostrou, pouco antes do desastre, não foi um deles. Béco rezava em casa, à noite, longe das pessoas - era dono de uma fé recatada e íntima, não fazia o estardalhaço de um militante de púlpito.

Para mim, naquela hora de rosto tenso e mãos cravadas no carro, ele apenas pensava. Pela primeira vez na sua carreira de piloto vitorioso, para quem o triunfo vinha primeiro que tudo, sentiu a fragilidade da máquina e a fragilidade do ser humano. Um homem tinha morrido à sua frente. Um amigo se estourara contra um muro. Até então, o piloto Ayrton Senna sentava no carro e andava no limite.

De repente, outros sentimentos tinham se intrometido na sua vida: susto, surpresa, medo. Medo - que palavra cruelmente realista! Em tantos meses de conhecimento íntimo e profundo, nunca o vi demonstrar qualquer coisa parecida. Ele passou por situações incríveis, bem diante do meu nariz. Nunca se inquietou. Ao contrário,  buscava o perigo. Mas eu falo agora com a sinceridade de quem ouviu, sentiu, viu - e de quem não tem nenhum compromisso a não ser com aquilo em que verdadeiramente acredita. Hoje, assisto de camarote aos que tentam dar a suas próprias mentiras um ar piedoso, quase religioso. Teorias e mais teorias, todas atribuindo a Ayrton  coisas que detestava fazer e negando-lhe aquilo que mais buscava, ou seja, a liberdade.

Ímola era a prova de fogo dele. O tudo-ou-nada da temporada 1994. Ele sabia que tinha de ultrapassar todos os limites, a começar pelos de sua máquina frágil e difícil de dominar. A minha verdade é a de que se viu, enfim, como uma criatura de carne e osso. Os super-heróis não têm medo. As pessoas têm. No dia em que Ayrton Senna pôde experimentar o mais humano dos sentimentos, no dia em que ele definitivamente se completou como ser, a insanidade dos mercadores do perigo veio golpeá-lo na cabeça. Meu Béco, amado e inesquecível, pagou com a vida a escolha de ser aquilo que ele era.


FONTE PESQUISADA

GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994. 




















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