A família de Ayrton Senna estava o atormentando nos seus últimos dias de vida. O motivo: Senna iria pedir Adriane em casamento após o GP de San Marino, em 01 de maio de 1994, mas infelizmente durante a prova ele sofreu um gravíssimo acidente e morreu. A família era contra o casamento dos dois.
Abaixo trechos do livro "Caminho das Borboletas"
Família atormenta Ayrton
Senna, eles estavam fazendo pressão pra que Ayrton desistisse de se casar com Adriane:
Braga conhecia o
Béco e sabia o que se passava no fundo de seu coração. O ídolo é um alvo fácil
para a intriga, o veneno, a inveja, o medo dos que gravitam em torno dele, a
insegurança de quem tenta inutilmente controlá-lo. Braga sabia que Ayrton
estava sob pressão - e que a Benetton e Michael Schumacher não eram as
únicas coisas do mundo a atormentarem seu sono. Mas sabia da integridade do
amigo, da força de sua determinação e da sinceridade de seus sentimentos.
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A família era encostada em Ayrton (e continuam
encostados até hoje, pois vivem dos direitos de imagem dele e dos produtos
licenciados que vendem):
Para nós, o que Angra era no
Brasil, o Algarve era na Europa. Há dois anos e meio Ayrton fazia daquele
cantinho ensolarado do sul de Portugal o seu mix de refúgio e escritório ao
longo de toda a temporada européia - que, com uma ou outra alteração de
calendário, coincidia com o período mais agradável de final de primavera, verão
e comecinho de outono. De mais a mais, as férias escolares brasileiras, em
julho, sempre davam chance para que a família, ou parte dela, se achegasse -
como aconteceu em 1993. Pude curtir meus primeiros momentos de verdadeira
intimidade com a Zaza, mãe dele - a quem eu ainda tratava pelo cerimonioso
"dona Neide". Intimidade é isso: café da manhã juntas, preparar na
cozinha uma comidinha especial para o filho, sair às compras com ela e a
Juraci, a caseira. Viver essas coisas banais do cotidiano. Viviane, a irmã mais
velha de Ayrton, apareceu com as meninas, Bia e Paulinha. Bruno ficou com o avô
na fazenda de Tatuí, treinando no seu kart.
Pude sentir, nas
palavras trocadas à mesa ou à beira da piscina, o que o Béco significava para
eles: o xodó, o filho vitorioso, o arrimo, o eixo, quase a motivação de cada
uma daquelas vidas. Uma mulher a mais, uma namorada, seria sempre uma ameaça à
ordem natural da rotina familiar, um perigo. Namoradinha, que fosse - mas
que não passasse daí (foi longe, passou daí... Adriane morava com Ayrton a mais de 1 ano e seria sua esposa, para o desagrado da família dele). Isso eu vejo agora. Não pela cabeça naqueles dias,
naquelas semanas. Eu só sabia repartir com eles, o Béco e a família, coisas
boas.
Por exemplo, a vontade súbita
de fazer umas comprinhas em outras cidades da Europa. O jato do Béco estava
quase sempre disponível, nos intervalos entre as provas e lá fomos nós, a mãe,
a irmã e as crianças para uma temporada de aquisições em Londres. Sendo que,
uma tarde, saindo só nós duas, Bia e eu, ela simplesmente evaporou, dentro da
Harrods. Eu, desesperada, descabelada, procurando. Nada. Perguntei por ela, no
meu inglês estropiado. Nada. Fui até a porta. Nada. Meu desespero me obrigou
a uma última saída:
- Biiiiaaaaaa!
Dei um berro que toda a
gigantesca loja de departamentos ouviu.
Inclusive ela, ainda bem.
Calmamente, experimentava roupa num daqueles provadores.
Próxima escala: Paris. Desembarcamos
no hotel e saímos em disparada, à procura de um táxi. Estava tudo estranhamente
calmo. O porteiro nos deteve:
- Mesdames, vocês sabem que
dia é hoje?
14 de julho, feriado
nacional. Tudo fechado. E só tínhamos mais um dia. Saímos assim mesmo, lambendo
as vitrines. Conseguimos descobrir duas lojinhas antipatrióticas: uma de
perfumes, outra de cristais.
Béco foi nos encontrar lá, já
a caminho dos testes do GP da Alemanha. Abriu nossos quartos e quase desmaiou:
- Vocês estão malucas?
Teve a pachorra de contar: 38
malas, para quatro mulheres. O paciente Mahonney conseguiu acomodá-las, todas,
no avião. Posou, antes, para uma foto que mostrasse toda aquela bagagem.
Simpaticíssimo personagem, do qual sentirei falta, o Mahonney. Lembro-me de que
ele reclamava apenas de uma coisa: de tão próximo do Béco, nunca ninguém se
lembrara de fotografá-los juntos, piloto e piloto. Soube, aliviada, que às
vésperas do acidente fatal em Ímola a foto foi feita.
Mas o convívio em Mônaco, a
sós, tinha feito tão bem que não nos cansávamos de planejar novas viagens,
apenas os dois.
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Nas ultimas conversas que teve com sua amada, Ayrton tocou no assunto sobre o pedido de casamento que faria a ela naquela noite de 01 de maio de 1994 e também comenta sobre as intrigas da família dele. A família armou contra Adriane para fazer Ayrton desistir de se casar com ela. Porém a armação não deu certo.
Ao sair do banho, o telefone
voltou a tocar. Atendi no banheiro, espreguiçando sobre o tapete branco e alto,
fofo como o pêlo de um gato angorá:
- Becão, está se sentindo
melhor?
Ele não chorava, mas sua voz
era um fiapinho:
- Olha, minha cuca está no
pé. O Braga, o Léo e o Galvão (Bueno, da TV Globo) estão aqui, graças a Deus.
Saímos para jantar, conversamos, estou melhor.
Tradução: ele ia correr, e ia
correr para vencer.
- Estou preparado para sentar
no carro e acelerar fundo - disse.
Seu generoso coração
preparava, em segredo, uma surpresa. Em vez da bandeira do Brasil que ele
costumava acenar nos dias de vitória, já tinha encarregado um amigo de
conseguir uma bandeira da Áustria. Seria sua homenagem ao infeliz Ratzenberger.
Um iniciante na Fórmula l. Mas, para Ayrton, não existem hierarquias
nem na vida nem na morte. Ele me confidenciou seu gesto. Juro que aí quem
teve vontade de soluçar fui eu.
Disfarcei com uma certa
irritação:
- Pô, quando morre alguém da
família, pára tudo, não pára? As pessoas põem luto...
Soube depois, pelos amigos,
pela imprensa, que a prova de Ímola esteve por um fio. Ayrton deu
declarações públicas denunciando a insegurança do circuito e lamentando os
acidentes. Mas ele era a última pessoa do mundo a poder comandar uma
operação-boicote. Tinha perdido as duas primeiras provas, estava atrás de
resultados, qualquer atitude sua poderia ser entendida como um pretexto para
ganhar tempo, para não competir. E, se havia coisa no mundo que Ayrton não era,
era frágil e covarde. Comigo, naquela noite, às vésperas da tragédia, ele só
repetiu seu constrangimento sintomático:
- É assim mesmo, esse pessoal
é assim mesmo - para logo mudar de assunto.
A caseira interrompeu para
animá-lo com o cardápio que ela preparava para a chegada. Típico da
simplicidade dele: galinha grelhada e legumes no vapor. Peguei de novo o
telefone. Falamos de nós. De saudade e de amor. Trocamos juras apaixonadas.
- Preciso lhe dar umas palmadas
- disse ele.
- Palmadas? Por quê?
- Tenho muito a lhe
dizer. A lhe propor. A lhe oferecer - prosseguiu. - Devo estar aí às 20h30, por
aí. Quero passar a noite em
claro. Vamos conversar até o amanhecer. Quero
convencê-la de que sou, disparado, o melhor homem de sua vida.
Ri, com aquele comentário
inesperado.
- Você não conhece os
outros... - brinquei.
- Vou provar-lhe que sou o
melhor.
Meu Deus, ele é o melhor
homem de minha vida. O único. Será que eu ainda não deixara isso claro para
ele? Ele era uma dádiva, um presente, um paraíso. Na
nossa conversa noturna e meio bobalhona de dois enamorados, nem de longe
imaginei que houvesse espaço para a intriga ou o veneno. De nossa parte, não
havia. A paixão era nosso único alimento...
FONTE PESQUISADA
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A.,
novembro de 1994.
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