quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Pai de Ayrton Senna, Milton da Silva, Mantinha Empregados em Condições Desumanas em Fazenda de Sua Propriedade



Vejam trechos do processo aberto em 2007 pelo Ministério Publico do Trabalho contra o pai de Ayrton Senna, Milton Guirado Theodoro da Silva, após várias denuncias de trabalho escravo em sua fazenda chamada “Campo Aberto”, localizada na Bahia. Faça o download do processo completo aqui.

Depois dessas denúncias e processos (esse em destaque no post é apenas um dos processos), a fazenda "Campo Aberto" foi vendida. Campo Aberto era de propriedade do senhor Milton da Silva, como relatado no começo desse post, e junto a ele tinham alguns sócios, amigos da família. Se digitar "Campo Aberto Milton da Silva" em sites de buscas, como Google, vocês podem constatar que a fazenda pertencia a família de Ayrton, a Milton da Silva. 

Milton sempre teve empreendimentos rurais, seus filhos ainda eram pequenos quando ele começou com esse tipo de negócio (talvez até mesmo antes disso). Era um "Expert" no ramo. Bom, já podemos imaginar como acumulou sua fortuna. 

Trechos do Processo:


Acerca da situação dos trabalhadores encontrados na fazenda ré, vale a pena ler com atenção alguns trechos do RELATÓRIO DE INSPEÇÃO RURAL confeccionado pela Fiscalização à época, quanto às condições gerais dos trabalhadores (documentação anexa):


“O local destinado ao alojamento dos obreiros não oferecia as mínimas condições para tal. As duas edificações utilizadas para a dormida dos trabalhadores eram compostas de vinte cômodos cada uma; cada cômodo com medida aproximada de 9 metros quadrados. Na maioria dos cômodos havia um conjunto de  4 beliches de três camas em alvenaria, formando nichos onde dormiam os trabalhadores. Em outros as camas eram de estrutura de madeira nos mesmos moldes. As edificações não possuiam forro e o teto era superlotado de aranhas e suas teias além de muita sujeira. O espaço de circulação dentro dos cômodos era muito exíguo, assim como a luminosidade, já que as janelas encontravam-se emperradas e a luz que entrava pelas portas não era suficiente para iluminar o local. Como havia mosquitos em demasia no local, os trabalhadores eram  obrigados a improvisar coberturas para fechar as camas com sacos de nylon, redes e telas, aumentando em demasia o calor e,conseqüentemente, o desconforto. Os colchões fornecidos, em sua maioria, eram  velhos, sujos e muito finos, e não era fornecida roupa de cama.(.....)Há que se mencionar que o mato que circundava o local de  alojamento era muito próximo e havia uma grande quantidade de animais peçonhentos, especialmente cobras, na vegetação do entorno. Ainda, havia água suja empoçada ao redor das estruturas, propiciando a proliferação de mosquitos. Portas e janelas encontravam-se, ainda, imundas e enferrujadas. Não havia armários nos cômodos onde dormiam os trabalhadores. Os pertences dos obreiros ficavam dispostos aleatoriamente no chão, sobre as camas ou pendurados em varais improvisados. Ressalte-se que, juntamente com os pertences dos trabalhadores, havia fogareiros a gás e ferramentas de trabalho, como enxadas, que também  eram armazenadas nos cômodos, colocando em risco os ali alojados. O piso de cimento cru, assim como toda a estrutura, encontrava-se em estado de conservação precário e de absoluta sujidade”.(destaque nosso).”

“A título de instalações sanitárias havia duas estruturas, a aproximadamente trinta metros dos locais de alojamento. Em uma havia um conjunto de seis vasos sanitários para atender aos 82 trabalhadores, no entanto, três deles não funcionavam e os demais se encontravam em estado precário. Não havia iluminação, papel higiênico ou limpeza. Tampouco havia lavatórios para higienização das mãos. As portas não tinham fechaduras ou maçanetas e encontravam-se deterioradas, com pedaços faltando. O odor no local era insuportável. Devido à sujeira e às condições do local, os trabalhadores, em sua maioria, utilizavam o mato para fazer suas necessidades fisiológicas de excreção, ficando expostos ao ataque de animais peçonhentos. Durante a noite a situação era ainda mais grave. Devido à distância entre os alojamentos e os sanitários e por causa do medo de ataque de cobras, os trabalhadores ou improvisavam recipientes para fazer suas necessidades fisiológicas dentro do alojamento ou eram obrigados a esperar que o dia amanhecesse. Na outra, local para banho, o chão era de piso irregular e as paredes imundas e cheias de limo. Não havia iluminação nem local onde os obreiros pudessem dependurar suas roupas. Tampouco havia portas, deixando os trabalhadores expostos durante o banho. (destaque nosso).”


Durante verificação nas frentes de trabalho a equipe fiscal verificou que uma cobra, identificada como cascavel, por conta do chocalho na extremidade do corpo, havia sido morta recentemente pelos trabalhadores. Quando a equipe encontrava-se, já, inspecionando a área de vivência foi encontrada, no local, e morta mais uma cobra, identificada, pelos trabalhadores, como jararaca.

Entre as duas edificações que serviam de alojamento encontrava-se o local para tomada de refeições. (....)Não havia recipiente para lixo ou lavatórios que permitissem a higienização das mãos. O local para preparo dos alimentos era totalmente inadequado. A edificação encontrava-se extremamente suja; as paredes, deterioradas, além de sujas apresentavam buracos e remendos. As janelas e portas de ferro encontravam-se enferrujadas. Não havia iluminação apropriada e o calor no ambiente era extremo. Os trabalhadores responsáveis pela manipulação dos alimentos não usavam equipamento de proteção. Os alimentos eram manipulados sem qualquer cuidado ou higiene. Os utensílios de cozinha encontravam-se espalhados, amontoados pelos cantos e no chão. (....)O almoço e o jantar eram preparados a um só tempo, pela manhã, e os alimentos preparados ficavam nas próprias panelas, em temperatura ambiente alta, sujeitos à deterioração. Uma das conseqüências dessa situação é que a comida oferecida aos trabalhadores não tinha qualidade. Ainda, era oferecida a refeição colocada nos recipientes dos trabalhadores pelos próprios responsáveis pelo preparo dos alimentos, e entregue aos trabalhadores sem possibilidade de comer mais do que o servido. O empregador não oferecia marmitas ou pratos. As refeições eram servidas em recipientes diversos, de propriedade dos próprios trabalhadores. Como nem todos os trabalhadores possuiam recipiente para receber o alimento, muitos tinham que esperar que os demais terminassem de comer para que pudessem, então, pedir emprestada a “marmita” para tomar a refeição. Muitas “marmitas” eram improvisadas com garrafas de refrigerante tipo “pet”, cortadas”. (destaque nosso)

            As condições de trabalho dispensadas aos trabalhadores, como se vê, eram as piores possíveis.


As condições a que estavam expostos os trabalhadores traduzidas pela verificação física e termos de declaração, revelam um quadro humano estarrecedor, como se vê pelo depoimento do trabalhador José de Jesus:

“...que só pode sair da fazenda no 1º sábado após o dia 05 de cada mês,”que é a lei não é? Perguntou a este auditor; que gostaria, se pudesse, de sair outras vezes da fazenda, mas não havia como, pois é muito longe e não há transporte; que não consegue dormir à noite por causa dos mosquitos; que é muito mosquito; que recebeu colchão velho, sujo; que não recebeu roupas de cama, sabão, toalha; que já matou pelo menos três cobras no pátio do alojamento; que a cobra é do tipo cascavel, venenosa; que houve queixas dos empregados que o avião passou veneno (pulverizou)enquanto estavam no local, trabalhando; que houve um acidente, com a queda do pivô, enquanto o funcionário 'Raimundo' (acidentado) estava movimentando e consertando o referido aparelho de irrigação; que Raimundo sentiu dores durante 3 dias; que soube que foi levado para atendimento hospitalar na segunda feira (há dois dias); que foi levado por motorista da fazenda (destaque nosso)”


Sobre as condições do alojamento, relatou o trabalhador José Marlos Moraes dos Santos que:


As lavouras recebiam pulverização mecânica de agrotóxicos, inclusive através de aviões, e os trabalhadores, muitas vezes, não eram avisados sobre o horário da pulverização. Em verdade, enquanto a equipe do GEFM permaneceu na fazenda verificou-se o abastecimento do avião, bem como o sobrevôo para pulverização. O resultado é que ficavam impossibilitados de afastar-se dos locais aspergidos em tempo de não serem contaminados. Ressalte-se que não havia qualquer sinalização das áreas pulverizadas – o que se aferisse se era respeitado o período de reentrada. De fato, alguns trabalhadores queixaram-se de incômodos na garganta, mal-estar e cansaço respiratório, atribuídos, por eles, ao contato com o agrotóxico. Mencione-se que o empregador não fornecia aos trabalhadores qualquer informação ou treinamento sobre agrotóxicos.


Muitos laboravam com vestimentas inadequadas e desprotegidas dos riscos a que eram expostos, como radiação ultravioleta, calor excessivo, acidentes com animais peçonhentos, risco de contaminação por agrotóxicos. Diversos trabalhadores foram encontrados pela equipe fiscal, em plena atividade laboral, descalços ou com sandálias tipo “havaianas”, sem luvas, botinas, chapéu ou qualquer outro equipamento de proteção”

Sobre as condições do alojamento, relatou o trabalhador José Marlos Moraes dos Santos que:

“...que está alojado em alojamento de alvenaria, mas que o teto do alojamento tem goteiras que fazem molhar os trabalhadores; que dorme numa cama de cimento, e num colchão muito velho, que fede e é cheio de pulgas; que é muito ruim dormir nestas condições; que sente dores nas costas devido à condição da cama e do colchão(destaque nosso)”


Causa indignação o relato à Polícia Federal do trabalhador JOSÉ PAULO DOS SANTOS  ( fls. 513/515).

“...QUE descreve o quarto do alojamento em que morava como sendo péssimo, com insetos, colchão fino, havia goteiras, dividia o quarto com quatro companheiros; (....) QUE a limpeza dos quartos era feita pelos próprios trabalhadores...”


Ainda sobre o descaso quanto à saúde dos trabalhadores, vale transcrever o depoimento do Sr. Paulo Batista da Silva ('TEOBAIA”, que até dezembro do ano passado (2006) era próprio “gato” da Fazenda e, atualmente, é “testa de ferro”, na simulação de terceirização do refeitório-2, dos trabalhadores:

“...QUE também já ocorreu de trabalhadores adoecerem na lavoura e a fazenda não disponibilizar transporte para o tratamento médico na cidade, sendo que algumas vezes o próprio depoente teve que transportar, às suas expensas, as pessoas adoentadas para LEM; (....) QUE o almoço dos cerqueiros é transportado em marmitas, por uma camionete F4000 e levada aos mesmos até o local de trabalho, sendo que os trabalhadores almoçam sob o sol, ao relento, na própria roça; (....) QUE o alojamento dos trabalhadores temporários foi construído há mais ou menos oito anos; QUE a alimentação era muito ruim; QUE apesar da limpeza diária (pelos próprios trabalhadores) tem muito inseto, especialmente baratas; QUE as fossas ficam expostas e cheias de baratas; QUE quase todos os dias os peões matam cobras; QUE tem conhecimento de que já foram levadas equipes de construtoras para fazerem orçamento de reforma do alojamento dos trabalhadores temporários mas até hoje nada foi feito; QUE o Sr. RICARDO (FERRIGNO-O SÓCIO-ADMINISTRADOR) pouco vai ao alojamento mas tem conhecimento do estado deplorável em que se encontra, pois o depoente na época em que prestava serviços diretos na fazenda cansou de solicitar providências
relativas à reforma do alojamento ao gerente DEUSMÁRIO” (destaco)..

Registre-se que o depoimento acima goza de toda a isenção, eis que prestado pelo “gato” da Fazenda por mais aproximadamente 15 (quinze) anos, conforme a prova produzida no curso da operação, inclusive o seu próprio depoimento. Ademais, hoje, foi a pessoa de confiança encontrada pelo dono da Fazenda Campo Aberto, Sr. RICARDO FERRIGNO para servir de “testa de ferro” à terceirização ilícita do restaurante que serve as refeições dos trabalhadores, de que trata a presente postulação.


                        Em outro trecho, pelo depoimento do trabalhador ELESSANDIO SANTOS DE SOUZA,  constata-se a arregimentação e aliciamento de trabalhadores em outra região/servidão por dívidas, atraindo a incidência do tipo penal previsto no artigo 207 do Código Penal Brasileiro, coadjuvado pelas previsões pelo art. 230 do CTB, pela Resolução CONTRAN nº 82 e, finalmente, pelo item 31.16.1 da NR – 31 do MTE, in verbis:

QUE na primeira vez em que trabalhou na Fazenda Campo Aberto veio para esta região por meio de TEOBAIA que o pegou em Cafarnaum no ônibus da própria fazenda; QUE acha que o ônibus era alugado; QUE havia em média 50 pessoas, todas de Cafarnaum, no mesmo ônibus em que o depoente veio a LEM  e todas foram encaminhadas para trabalhar na fazenda Campo Aberto; QUE não se recorda do nome de nenhum dos colegas que o acompanhou; QUE não foi garantido meios para o retorno do depoente a Cafarnaum; QUE para retornar à sua cidade o próprio depoente pagou a sua passagem; (....) QUE achava que as condições do alojamento tinham melhorado em relação à outra vez que trabalhou na fazenda Campo Aberto, mas não melhoraram; QUE queria sair da Fazenda Campo Aberto porque o valor da empreita estava muito barato; QUE  em 2004 comprava mercadorias na cantina da Fazenda, com o irmão de TEOBAIA; QUE  o valor das mercadorias era diretamente descontado do salário do depoente”. (destaco).


“...que não é disponibilizado aos trabalhadores água tratada para o consumo, não há filtros nem bebedouros, que não são disponibilizados copos descartáveis ou individuais//...que a água consumida provém de poço/torneira; que tem gosto de ferrugem”.

DA FRAUDE EVIDENCIADA QUANTO À CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS POR PRAZO DETERMINADO (SAZONAIS/SAFRA).

No curso da fiscalização, o grupo móvel constatou que há na Fazenda-ré uma conduta generalizada de utilização fraudulenta do instituto da contratação temporária, com graves lesões aos trabalhadores rurais da região e migrantes.

O sistema adota a seguinte seqüência procedimental:

1.O trabalhador é arregimentado em outras regiões ou mesmo na cidade de Luís Eduardo Magalhães, onde há escritórios especializados na captação desta mão-de-obra flutuante, no dizer de Marx - o “exército de trabalhadores de reserva”, como no caso sob exame, o escritório do Renato e Clodoaldo, identificados na Fiscalização.


2.A arregimentação é feita a pedido do fazendeiro, que encomenda 30/40/80 trabalhadores, conforme seja sua necessidade.

3. O dito “CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO PARA EXECUÇÃO DE DETERMINADO SERVIÇO” é sempre firmado para a realização de um único serviço singular, a exemplo da “cata do algodão” -fl.36), “colheita do café” -fl. 34, “desbroto do café – (fl.33)”, “capina do café – fl.32) etc, mas, na prática, não há sujeição ao referido serviço, tampouco a qualquer termo temporal. Tudo fica ao talante do empregador, que manda e desmanda na falácia do pseudo-contrato a termo.

  4.Acrescente-se que o trabalho dito sazonal se estende por todo o ano, na quase totalidade das fazendas, e o trabalhador, por seu turno, se presta a fazer todas as tarefas ocorrentes no curso dos meses do ano: capina do algodão, colheita do café, desbroto e serra do cafezal, amarração do café, encoivaramento, catação de raízes etc, verificando-se, na prática, apenas a troca das turmas. Aí reside o nó górdio da fraude – a necessidade/essencialidade daqueles serviços, na verdade, estende-se por todo o ano. No contraponto, argumenta o empregador, falaciosamente, como visto, que assim procede porque o trabalhador que faz isto, não faz aquilo (ex: o que colhe café não quer trabalhar na capina do algodão). Nada mais inveraz, não se colheu um só depoimento narrando tal exclusividade/especialidade. Todos os trabalhadores ouvidos fazem de um tudo, buscam, na realidade, trabalho e almejam uma segurança na contratação, o que do ponto de vista jurídico, seria o legal e adequado. 




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