Preparador físico conta que
tricampeão o procurou após suspeitar de problemas cardíacos. Confira a
entrevista exclusiva
Bruno Gecys, iG São
Paulo | 31/05/2012 14:34:46 - Atualizada às 31/05/2012
17:20:46
esporte.ig.com.br
Nuno Cobra trabalhou com Ayrton Senna na F1, além de outros
nomes como Mika Hakkinen e Rubens Barrichello - Foto: Divulgação
Nuno Cobra é um nome muito
importante para o automobilismo brasileiro. E ele nunca entrou em um carro para
competir, nem fez parte de nenhuma grande equipe. Cobra, na verdade, foi
preparador físico de vários grandes pilotos, como Rubens Barrichello e Mika
Hakkinen. Mas o papel mais notável de sua carreira foi junto ao tricampeão
mundial Ayrton Senna.
Preparador físico do piloto
na época da Fórmula 1,
poucas pessoas conheceram tão bem o lado pessoal e profissional de Senna como
ele. Desde 1984, primeiro ano do tricampeão na categoria, passavam meses juntos
antes das temporadas, nas preparações para as provas que Senna enfrentaria
durante o ano.
Em entrevista exclusiva
ao iG, Nuno Cobra, aos 73 anos, relembra da época de convivência com o
piloto. Fala de como Senna o procurou após suspeitar de um problema cardíaco na
época da Fórmula 3 Britânica, sobre as duras preparações do tricampeão, a
rivalidade com Prost, convites da Ferrari e muito mais. Além disso, relembra
também o “ex-pupilo” Rubens Barrichello, que, aos 40 anos de idade, disputa sua
primeira temporada na Indy. Acompanhe a
seguir o bate-papo completo.
Ayrton Senna treina ao lado de crianças, observado por Nuno
Cobra (à esquerda) - Foto: Reprodução
Como foi seu contato inicial
com o Ayrton Senna?
O início do meu trabalho com
o Ayrton foi o encontro de duas pessoas que se complementaram muito bem. Eu
tinha realizado um trabalho que deu muito certo com a tenista Cláudia Monteiro
e repercutiu bastante no Brasil e na Europa. Saiu em uma revista na Áustria
sobre meu tratamento, mais voltado para o coração, e o Ayrton viu que eu era
brasileiro e se interessou.
Em uma coletiva de imprensa,
ele perguntou se alguém conhecia esse “tal” Nuno Cobra, e um jornalista nos
apresentou. Em janeiro de 1984, primeiro ano dele na F1, já começamos a
trabalhar juntos.
Por que ele se interessou a
começar a preparação física?
Ele achava que tinha problema
no coração enquanto estava na Fórmula 3 Inglesa, por isso me procurou. Não
aguentava nem uma corrida de 20 voltas e saía esgotado. E eu, que pouco
acompanhava automobilismo, nem o conhecia.
No primeiro encontro ele me perguntou
se eu poderia ajudá-lo, já que em algumas corridas ele saía de dentro do carro
desmaiado. Aquele corpo franzino, bem fraco naquela época. Fizemos alguns
exames e falei pra ele que o coração estava forte, ótimo. Só precisávamos
trabalhar mais, estava atrofiado, ele tinha pouca resistência aos esforços
físicos.
E como foram os primeiros
meses de trabalho?
O começo em 1984 foi no Clube
Pinheiros, enquanto eu treinava meus alunos de lá. Era o único tempo que eu
poderia atendê-lo, junto com alguns tenistas. Mas a insistência dele foi algo
que me impressionou. Ele queria de qualquer jeito melhorar aquela condição.
Ele, um piloto começando na Fórmula 1, ficava em uma sarjeta atrás das quadras,
que até ficou conhecida como a “Calçada do Ayrton” lá. Passava quarenta,
cinquenta minutos e ele esperava pacientemente e não saía de lá até que eu
pudesse atendê-lo.
No primeiro ano dele na
Fórmula 1, ele me contava que ainda desmaiava depois de algumas corridas,
tamanho o esforço. Na África do Sul, por exemplo, ele chegou a desmaiar. Em
Silverstone, ele também acabou passando mal. Mas o dom do “fazer” que ele tinha
foi ajudando muito com o tempo.
Os treinos aconteciam em que
época do ano?
Nossa preparação começava
quando o campeonato terminava e íamos até o início da outra temporada. Ele até
rejeitava correr em algumas provas de inverno fora do calendário na Europa para
se preparar. Dizia: “Eu tenho que cuidar do meu corpo. Tem gente competente
cuidando da máquina”. Ele não conseguia entrar no carro sem essa preparação que
a gente fazia de alguns meses antes da temporada. Mas aí, já começava as
corridas na ponta dos cascos.
E ele era muito rigoroso?
Chegava a ser “chato”?
Podemos dizer que sim. O
Ayrton era muito introspectivo, às vezes falava pouco, mas estava sempre
focando naquele trabalho, em melhorar. Os dias de preparação eram muito
importantes, ele era muito determinado. Antes das corridas, ele fazia um
cerimonial que nós combinávamos. Ele era pura concentração. O meu trabalho era
só um dificultador. Ele queria sair logo correndo nos exercícios, fazendo tudo.
O meu papel era o da disciplina. Fazê-lo começar com coisas fáceis, um trabalho
equilibrado.
Ficávamos vários meses juntos
e ele era bem focado em tudo que tinha que fazer. Acordava cedo, puxávamos bem
o ritmo de dia, e, quando chegava de noite, ele estava esgotado. Falava que ia
subir para dormir às oito da noite. E dormia dez horas seguidas, um sonho para
qualquer preparação.
Nessa preparação ele
comentava sobre o mundo da F1?
Às vezes, sim. Em 1986,
enquanto nos preparávamos perto de Londres, aconteceu algo curioso. O Enzo
Ferrari cansou de ir atrás dele para convencê-lo a ir para a Ferrari. Ele ainda
não era campeão, mas já tinha vencido corridas e a equipe viu o talento dele.
Além disso, o fator financeiro
era muito forte nas propostas. Mas não era o suficiente para ele. O Ayrton me
dizia que não aceitava, pois queria primeiro ser campeão algumas vezes da
Fórmula 1, para depois ir para a Ferrari conquistar mais títulos. Naquela
época, o carro da equipe estava em baixa. Mas era um plano que ele tinha.
Ele já chegou a contar como
via a rivalidade com o Alain Prost?
Claro, ele falava sim. Para
ele, o Prost era espetacular. Ele se esforçava muito para poder bater esses
caras, principalmente o Prost. Nos piques que dávamos, ele se cansava, mas
dizia que se lembrava do Prost e tirava determinação para continuar, para
chegar na F1 “matando” esses caras, no bom sentido. Nisso, o Prost acabou sendo
até motivador para o Ayrton.
Seu trabalho com o Senna foi
um marco na preparação na F1?
O nosso trabalho acabou
introduzindo mesmo essa novidade, porque não era só um trabalho físico. Eu
trato bastante do trabalho mental dos pilotos. Levantar pesos, alguns
levantavam. Eu brincava com ele que não adianta deixar o piloto forte e burro.
Ele mesmo me falava: “Os outros pilotos estão começando a se preparar, mas o
trabalho é diferente. Eu me emociono com essas conquistas”.
Como está a preparação de um
piloto hoje em dia?
A minha técnica, que já
divulgo há mais de dez anos, é um conjunto entre corpo, mente e espiritual.
Infelizmente, hoje em dia ainda focam bastante no físico. Um piloto não precisa
ser sarado. Tem que ser forte, nos pontos certos, além de dar confiança no
subconsciente. Por isso, eu sempre foquei em exercícios com metas, como barras,
aparelhos, em que os resultados poderiam ser palpáveis.
O psicológico então conta
bastante?
Muito. Se o atleta vê o
resultado, a conquista, nada o segura. Eu perguntava para o Ayrton o que ele
considerava impossível. Ele me dizia que era levantar o próprio corpo na barra
de exercícios. Um ano depois, ele dava giros em torno da barra. Quando ele
conseguiu, ele viu que impossível mesmo era ele. Se ele se propusesse a fazer,
ele seria impossível para os outros. Isso deu a ele um poder inenarrável.
Quanto maiores e mais desgastantes as corridas, mais ele se saía bem. Ele
conseguiu transformar um ponto fraco dele em algo fortíssimo. Esses são
exemplos que ficaram para os brasileiros. A entrega, a dedicação.
"Eu perguntava para o Ayrton o que
ele considerava impossível. Ele me dizia que era levantar o próprio corpo na barra de exercícios.
Um ano depois, ele dava giros em torno da barra" - Nuno Cobra
A preparação de um piloto
para a Indy é muito diferente da F1?
A Indy oferece muito mais
trabalho para ser feito no piloto. A força gravitacional é mais forte que na
F1, isso é uma coisa que desgasta muito o piloto. Com esses circuitos ovais, é
tudo muito complicado.
Você chegou a trabalhar com o
Rubens Barrichello, que agora está lá. Como vê ele hoje, aos 40 anos de idade?
Hoje vejo o Rubinho na Indy e
ele parece uma criança. Recentemente, ele comentou que está conseguindo correr,
fazer exercícios, graças ao trabalho que fizemos lá atrás, isso é muito
gratificante. Ele ficou comigo pouco menos de dois anos, mas conseguimos um
ótimo trabalho.
Infelizmente, o Rubinho não
conseguiu se tornar um campeão da Fórmula 1. Na minha opinião, ele era muito
melhor que o Schumacher. Se eles combatessem em condições iguais, o Rubinho que
seria sete, oito vezes campeão mundial. Ele acertava o carro para o Schumacher.
E o Schumacher? A idade está
pesando?
A idade não conta tanto
assim, não. Um corpo de 40 anos produz a mesma quantidade de substâncias que um
de 20. A preparação muda bem pouco. Agora, o Schumacher está mostrando quem ele
verdadeiramente é. Apenas comum.
FONTE PESQUISADA
GECYS, Bruno. De Prost a
convite da Ferrari, Nuno Cobra relembra histórias de Senna. Disponível em: <http://esporte.ig.com.br/automobilismo/f1/2012-05-31/de-prost-a-convite-da-ferrari-nuno-cobra-relembra-historias-de-s.html>.
Acesso em: 15 de fevereiro 2015.
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