sábado, 28 de março de 2015

Primeiro Rival de Senna Ignorou F-1, Não Guardou Troféus e Queria Amizade Que Não Teve

Publicado em 20/03/2015, 09:35 /Atualizado em 20/03/2015, 09:56
Thiago Arantes, de Barcelona, para o ESPN.com.br

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Senna lidera, seguido por Fullerton: rivalidade no kart foi intensa e acabou em inimizade

Terry Fullerton é um senhor inglês de 62 anos, que vive em Norwich e pede desculpas ao repórter ao atender o telefone. "Não teremos muito tempo, daqui a pouco preciso pegar o carro na oficina".

Uma vida comum, com obrigações cotidianas; quase anônima, parecida à de tantos outros senhores de Norwich, de qualquer parte da Inglaterra, da Europa, do mundo inteiro.

Mas Terry Fullerton, com seus cabelos e bigode grisalhos, é uma figura importante na história de um dos maiores pilotos de todos os tempos.

O inglês foi o primeiro grande rival de Ayrton Senna. Juntos, eles duelaram no kart entre 1978 e 1980. Naquela época, Fullerton já era um piloto experiente, campeão mundial em 1973; Senna, um piloto "com muita velocidade, mas ainda pouco profissional", como define o inglês.

Em 1993, depois de sua última vitória na Fórmula 1, em Adelaide, o brasileiro foi questionado sobre qual foi o rival contra quem mais gostou de correr.

A resposta esperada era Alain Prost, francês que havia se aposentado naquela prova. Mas Senna surpreendeu.


"Eu teria de voltar a 1978, 1979, 1980... quando estava no kart. Eu tinha um companheiro de equipe... Fullerton, o nome dele era Fullerton. Era muito experiente, e eu gostei muito de correr contra ele. Porque ele era rápido, era consistente, ele era, para mim, um piloto muito completo. E era só corrida, era pura corrida. Não havia política, nem dinheiro envolvido. Tenho uma ótima lembrança daquela época".

Uma declaração que ficou perdida no tempo, mas acabou resgatada no documentário "Senna", de 2010. A sequência encerra o filme e deixa uma dúvida: afinal, o que Terry Fullerton teria a dizer sobre o tricampeão?

Para responder a esta pergunta - e a tantas outras - o ESPN.com.br procurou Fullerton. A conversa, que teria "de ser rápida", acabou se estendendo. "Avise que vou atrasar, estou falando sobre corridas com um jornalista do Brasil".

ESPN.com.br - O seu nome ficou muito famoso no Brasil por causa do filme "Senna". Mas hoje, em 2015, quem é e o que faz Terry Fullerton, o adversário com quem Ayrton Senna mais gostou de correr?

Terry Fullerton - Hoje o senhor Fullerton já não é mais um jovem (risos). Estou com 62 anos, tenho uma filha e moramos em Norwich, na Inglaterra. Trabalho muito com pilotos jovens, como instrutor de pilotagem, e viajo muito fazendo este trabalho - toda a Europa, Estados Unidos, Filipinas... Neste ano comecei algo novo, estou fazendo meus próprios karts, e recentemente fui instrutor do programa de jovens pilotos da Force India no kart, com três pilotos indianos. Os últimos anos têm sido muito movimentados e eu tenho aproveitado muito, porque adoro o que faço.

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 Nos tempos do kart, quando inspirava Senna

ESPN.com.br - A referência do Senna à rivalidade de vocês foi feita no fim de 1993, mas muita gente só tomou conhecimento dela com o lançamento do filme. O senhor sabia que ele tinha dito aquilo?

Fullerton - Eu soube da declaração dele na época, porque um amigo estava em Adelaide e ele me contou, não me lembro como. Mas eu fiquei sabendo, fiquei bem surpreso, aliás. Só que, com o tempo, eu me esqueci disso. Depois, com o documentário, a história voltou a aparecer.

ESPN.com.br - Nos já conhecemos as memórias de Ayrton Senna sobre o Mundial de kart entre 1978 e 1980, quando vocês foram companheiros. Quais são as suas memórias daquela competição?

Fullerton - Minhas memórias são bem diferentes das dele. Eu lembro dele chegando à nossa equipe. Um jovem muito bom, rápido, mas que não era um piloto completo, não era profissional. Era um garoto com velocidade pura, mas que ainda não conseguia entender algumas coisas. Dava pra ver que ele tinha muito talento e vontade de aprender. Eu gostei daquela época, eu precisava estar sempre no auge para competir contra ele. Infelizmente, até pelo jeito de ele ver as coisas, ele logo começou a me ver como um inimigo, nós praticamente não nos falávamos mais, mas ele me respeitava. Nós poderíamos ter sido amigos, mas não aconteceu.

ESPN.com.br - Senna afirmou que o senhor foi o rival com quem mais se divertiu em uma pista. E qual foi o rival com quem o senhor mais gostou de competir?

Fullerton - Senna poderia ser um deles. Mas houve outro piloto com quem eu aprendi muito e que acabou sendo minha inspiração. Um belga chamado François Goldstein, que foi cinco vezes campeão mundial de kart. Ele foi quatro vezes campeão antes de mim, daí eu consegui vencê-lo em 1973. Esse cara sabia tudo: era muito rápido e entendia de acerto, de testes, era o melhor daquela época. Eu não gostava muito dele como pessoa, mas admito que ele me ensinou muito, mesmo em equipes diferentes.

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Fullerton (à esquerda) e Senna, ainda sem o capacete amarelo, em 1979

ESPN.com.br - Sua rivalidade com o Ayrton Senna acirrou-se depois de uma corrida em que, na opinião dele, o senhor teria feito uma manobra ilegal...

Fullerton - Isso! Eu me lembro muito bem: Champions Cup de 1980, na Itália. Corríamos juntos na DAP, e ele já tinha melhorado muito como piloto, era nosso terceiro ano juntos. Ele chegou a essa etapa, a última do campeonato, na liderança dos pontos e largava na pole. Eu era o vice-líder e largava em quarto. Quem vencesse a corrida seria campeão, e, logo no início, ele abriu uns 120 metros de vantagem em primeiro e eu fiquei em segundo. A partir da metade da corrida, comecei a ver que estava encostando nele. Faltando dez voltas, ele começou a olhar para trás nas curvas. Na última volta, cheguei muito perto e, na segunda curva, joguei o kart na linha de dentro, fiz ele travar as rodas para não nos chocarmos, e me mantive na frente. Fizemos a volta inteira lado a lado, ganhei por 6 ou 8 metros de vantagem no fim. Não foi uma manobra ilegal, mas ele reagiu mal, não conseguia aceitar que havia perdido. Depois disso, ele falou muitas coisas que não aconteceram, eu talvez teria ficado chateado e falado também, se fosse comigo... Depois, na carreira dele, vimos ele reclamando assim outras vezes. Mas aquela foi talvez a primeira vez em que isso aconteceu. Eu prefiro lembrar daquela corrida como uma das melhores que fiz na vida.

ESPN.com.br - Naquela época, já dava para perceber que ele era um piloto especial, mesmo não tendo vencido o Mundial de kart?

Fullerton - Não dá para falar que ele seria um campeão de Fórmula 1. Mas dá pra dizer que ele tinha uma maneira de pilotar e uma paixão por vencer que era muito forte, muito grande. Isso dava pra notar muito bem. Ele tinha uma capacidade física e mental boa, e podíamos pensar que, quando fosse experiente, seria um grande piloto. Naquele tempo, não dava pra ver 100%, mas olhando hoje, eu consigo ver os sinais. O mesmo vale para Michael Schumacher: eu corri contra ele algumas vezes, quando ele era um garoto, e foi parecido - dava pra ver que era muito bom, mas não que seria um campeão de Fórmula 1.

ESPN.com.br - Depois daquela época em que correram juntos, o senhor voltou a encontrar-se com Ayrton Senna? Como foi esse encontro?

Fullerton - Nos encontramos algumas vezes quando ele ainda estava no início da carreira nos carros, e depois uma vez quando ele estava de Fórmula 3, em Silverstone. Nos vimos nos boxes, depois de uma corrida em que ele ganhou. Conversamos bastante sobre os anos de kart, e eu disse que ele estava muito bem e havia feito uma grande corrida. Não éramos amigos, mas naquele dia ficou claro que não precisávamos ser inimigos, também.

ESPN.com.br - Onde estão os troféus que o senhor ganhou em sua carreira no kart? Existe alguma sala, alguma espécie de museu onde o senhor os coloca?

Fullerton - Se eu te falar, você não vai acreditar: eu não tenho quase nenhum dos meus troféus! Nunca guardei direito, não fazia questão. Se você um dia vier até a minha casa, não terá a menor ideia de que fui um campeão Inglês, Europeu e Mundial de kart.

ESPN.com.br - Mas por que o senhor nunca os guardou?

Fullerton - A maioria dos troféus que eu ganhei eram tão vagabundos que nem valia a pena guardar. O importante era ganhar a corrida. Os troféus eram horrorosos, ganhei muito troféu feio nessa vida. Tenho muito poucos...

ESPN.com.br - O senhor jamais deixou as competições de kart, por causa da morte de seu irmão em uma competição de motos...

Fullerton - Isso é uma parte da verdade. A outra é que eu gostava muito de kart, gostava mesmo, então nunca tive muito interesse em correr de carros. É claro que ver o meu irmão morrendo em uma pista de motos não ajudou, mas a verdade é que nunca tive muito interesse.

ESPN.com.br - Mas houve alguma proposta na época?

Fullerton - Não, os tempos eram outros. Se você chegasse para uma equipe de Fórmula 1 em 1973 e falasse "Oi, esse é o Terry Fullerton, campeão mundial de kart", eles iam rir na tua cara. Não existia essa cultura de que o kart preparava o piloto para as outras categorias, eles não entendiam que o talento vinha do kart. Depois, com pilotos como [Riccardo] Patrese, [Nigel] Mansell e Senna, essa coisa mudou. A partir do sucesso deles, a percepção passou a ser outra.

ESPN.com.br - O senhor é até hoje um dos melhores instrutores de pilotagem do mundo. Dos pilotos com os quais trabalhou, qual era o mais talentoso?

Fullerton - Eu poderia te citar três nomes, todos muito conhecidos: Anthony Davidson, Danny Wheldon e o mais talentoso de todos com que já trabalhei: Allan McNish. Esses são os três melhores.

ESPN.com.br - Ainda acompanha a Fórmula 1 atualmente? Como vê o momento atual da categoria?

Fullerton - Eu vejo algumas corridas, mas não sou um apaixonado. Gosto de ver, sobretudo os pilotos mais jovens. E também acompanhava os pilotos com quem trabalhei. Paul di Resta, por exemplo, foi meu aluno em 2001.

                             REPRODUÇÃO
Fullerton, aos 62 anos, é instrutor de karts e empresário

ESPN.com.br - Em sua declaração, no filme, Senna diz que a disputa com o senhor era interessante porque era "pura pilotagem, sem dinheiro envolvido". Para encontrar "pura pilotagem" no automobilismo atualmente, é preciso ir até o kart?

Fullerton - Acho que o que ele quis dizer é que havia pouca influência política. Mas, na verdade, tinha influência, sim. Ele apenas não tinha a capacidade de ver isso naquela época, ele era jovem, talvez um pouco inocente... Ele não percebia as influências que afetavam as corridas de kart, inclusive a carreira dele e a minha.

ESPN.com.br - Com toda sua experiência no automobilismo, quem é o melhor piloto que o senhor já viu?

Fullerton - É muito difícil responder isso. O melhor de todos é uma pergunta muito ampla. Mas, levando em conta o talento e a habilidade, seria o Ayrton. Ele era muito rápido, incrivelmente habilidoso...

ESPN.com.br - Mas, contra o senhor, Senna perdeu mais do que venceu...

Fullerton - Ah, se falarmos só do kart... É difícil ser honesto com isso de falar sobre si mesmo, e todos os pilotos se consideram os melhores. Mas eu me colocaria no top 3 kart pós anos-1960. Eu realmente achava que, no kart, eu era o melhor. Claro é uma opinião suspeita, mas eu era bom, apaixonado pelo que fazia, trabalhava muito... E os meus resultados contra o Ayrton me mostram uma coisa interessante, porque eu me medi contra um campeão de Fórmula 1. Isso já me fez pensar no que teria acontecido. Será que eu seria um grande piloto de Fórmula 1? Possivelmente eu seria bom... Mas seria espetacular? Aí não sei, é o tipo de resposta impossível de dar. Foi bom ter essa fase com o Ayrton, foram bons tempos e que me fazem pensar nisso.


FONTE PESQUISADA

ARANTES, Thiago. Primeiro rival de Senna ignorou F-1, não guardou troféus e queria amizade que não teve. Disponível em: <http://espn.uol.com.br/noticia/493776_primeiro-rival-de-senna-ignorou-f-1-nao-guardou-trofeus-e-queria-amizade-que-nao-teve?utm_content=buffer65802&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer>. Acesso em: 28 de março 2015.

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