Trecho extraído do livro “Caminho das Borboletas” de Adriane Galisteu
Em abril de 1993 teve uma discussão com um
jornalista, em São
Paulo
Foto: Sérgio Andrade/Folhapress
Falamos uma hora e meia. Não
disse uma palavra sobre a prova. Disse mil palavras sobre saudade, pressa de
voltar, planos de me encontrar. Imaginem: eu estava num paraíso mas só pensava
no meu amor. Vontade de voltar rápido, rápido. E, de fato, dois dias
depois nos encontramos no apartamento dele, da Paraguai, dispostos a recuperar
o tempo perdido naquela semana de separação. Estávamos em clima total de
namorados e, para isso, nada melhor do que o escurinho de um cinema. Ele
escolheu: Dustin Hoffman, paixão total do meu moço. Filme: Herói por
Acidente.
Meia dúzia de espectadores,
no Cal Center - maravilha para um filme a dois. A saída, esperava por nós o
inferno. Ayrton é dono de uma paciência oriental para com os fãs mais ansiosos.
Mas não tolera o jeitão trêfego e insolente de uma certa imprensa. Fomos, de
repente, sitiados. Ouvimos o primeiro clique - e ele segurou com força minha
mão. Outro flash. Ele quis dialogar:
- Olha, eu vim aqui em busca
de tranqüilidade. Podemos ir todos embora agora, não podemos?
Enquanto ele argumentava,
novo flash. E a perigosa aproximação de um rapazinho, de bloco e Bic na mão,
trazendo na ponta da língua aquele veneno que só as cascavéis e alguns
jornalistas conseguem destilar:
- Essa história da gravidez
da Marcella Prado... Afinal, a filha é sua ou não é?
Tipo da pergunta elegante
para um sujeito que tinha uma namorada ao lado. Pela primeira vez, pressenti
que ele ia dar vazão ao seu pedaço Incrível Hulk:
- Pergunte ao seu pai. - E,
antes que o repórter puxasse o argumento "é meu trabalho", já levou
um safanão que o derrubou. Ao fotógrafo, ele lascou um tapa na orelha que até
hoje deve lhe soar como um telefone ocupado. Arrancou-lhe a máquina e a
arremessou contra o vidro do cinema. Juntou gente e eu não sabia o que fazer. Segurei-lhe
na mão, gelada, que tremia, e tentei arrastá-lo. Mas ele estava transtornado.
Voltou atrás sobre seus passos:
- Me dá o filme.
Fotógrafo e repórter
gaguejavam. Passaram-lhe um rolo, que ele puxou e expôs à claridade. Arremessou
contra uma cesta de lixo. Caminhamos para a porta e ele ameaçou voltar:
- Cachorro! Tenho certeza de
que o filme é outro. Era outro.
Um homem capaz de percorrer
uma pista tortuosa a 350 quilômetros por hora caminhou até o carro com o
rosto respingado de lágrimas, e ele chorava, chorava, até seu apartamento -
chorava de raiva, chorava pela impossibilidade de ser um mero mortal como os
outros, chorava com a indelicadeza daqueles que fazem de uma profissão bonita
um ofício de abutres, chorava por ser indefeso, chorava por me expor, chorava
pelo controle perdido, arrependido de entrar no jogo dos achacadores de
novidades. Mais de uma vez eu o vi chorar. Nunca de medo. Sempre de raiva.
Ele se metia nas brigas e, depois, se envergonhava. Mas, num mundo de má-fé, a
lei dos punhos acaba tendo de se impor, às vezes. Chorei com ele. Percebi, ali,
que já vivia plenamente a vida dele.
FONTE PESQUISADA
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A.,
novembro de 1994.
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