sábado, 20 de junho de 2015

Ayrton Senna Dá Uns Sopapos em Paparazzi

Trecho extraído do livro “Caminho das Borboletas” de Adriane Galisteu

Em abril de 1993 teve uma discussão com um jornalista, em São Paulo
Foto: Sérgio Andrade/Folhapress

Falamos uma hora e meia. Não disse uma palavra sobre a prova. Disse mil palavras sobre saudade, pressa de voltar, planos de me encontrar. Imaginem: eu estava num paraíso mas só pensava no meu amor. Vontade de  voltar rápido, rápido. E, de fato, dois dias depois nos encontramos no apartamento dele, da Paraguai, dispostos a recuperar o tempo perdido naquela semana de separação. Estávamos em clima total de namorados e, para isso,  nada melhor do que o escurinho de um cinema. Ele escolheu: Dustin Hoffman, paixão total do meu moço. Filme:  Herói por Acidente.

Meia dúzia de espectadores, no Cal Center - maravilha para um filme a dois. A saída, esperava por nós o inferno. Ayrton é dono de uma paciência oriental para com os fãs mais ansiosos. Mas não tolera o jeitão trêfego e insolente de uma certa imprensa. Fomos, de repente, sitiados. Ouvimos o primeiro clique - e ele segurou com força minha mão. Outro flash. Ele quis dialogar:

- Olha, eu vim aqui em busca de tranqüilidade. Podemos ir todos embora agora, não podemos?

Enquanto ele argumentava, novo flash. E a perigosa aproximação de um rapazinho, de bloco e Bic na mão, trazendo na ponta da língua aquele veneno que só as cascavéis e alguns jornalistas conseguem destilar:

- Essa história da gravidez da Marcella Prado... Afinal, a filha é sua ou não é?

Tipo da pergunta elegante para um sujeito que tinha uma namorada ao lado. Pela primeira vez, pressenti que ele ia dar vazão ao seu pedaço Incrível Hulk:

- Pergunte ao seu pai. - E, antes que o repórter puxasse o argumento "é meu trabalho", já levou um safanão que o derrubou. Ao fotógrafo, ele lascou um tapa na orelha que até hoje deve lhe soar como um telefone ocupado. Arrancou-lhe a máquina e a arremessou contra o vidro do cinema. Juntou gente e eu não sabia o que fazer. Segurei-lhe na mão, gelada, que tremia, e tentei arrastá-lo. Mas ele estava transtornado. Voltou atrás sobre seus passos:

- Me dá o filme.

Fotógrafo e repórter gaguejavam. Passaram-lhe um rolo, que ele puxou e expôs à claridade. Arremessou contra uma cesta de lixo. Caminhamos para a porta e ele ameaçou voltar:

- Cachorro! Tenho certeza de que o filme é outro. Era outro.

Um homem capaz de percorrer uma pista tortuosa a 350 quilômetros por hora caminhou até o carro com o rosto respingado de lágrimas, e ele chorava, chorava, até seu apartamento - chorava de raiva, chorava pela impossibilidade de ser um mero mortal como os outros, chorava com a indelicadeza daqueles que fazem de uma profissão bonita um ofício de abutres, chorava por ser indefeso, chorava por me expor, chorava pelo controle perdido, arrependido de entrar no jogo dos achacadores de novidades. Mais de uma vez eu o vi chorar. Nunca de medo. Sempre de raiva. Ele se metia nas brigas e, depois, se envergonhava. Mas, num mundo de má-fé, a lei dos punhos acaba tendo de se impor, às vezes. Chorei com ele. Percebi, ali, que já vivia plenamente a vida dele.


FONTE PESQUISADA

GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994. 

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