domingo, 1 de outubro de 2017

Apaixonado por F1, Tapeceiro Cria Sozinho Réplica de Mclaren de Ayrton Senna

Ralfe César Silva é de Três Pontas (MG) e construiu sozinho, na própria oficina, o carro: "Acho que é como se tivesse sido campeão mundial"


Por Régis Melo, Três Pontas, MG

22/09/2017 08h01  Atualizado 22/09/2017 13h43


Ralfe César Silva construiu uma réplica da McLaren de Ayrton Senna (Foto: Régis Melo) 

De um lado, o milionário universo da Fórmula 1, com champanhe, troféus, luxo e, claro, muita velocidade. Do outro, um tapeceiro de Três Pontas, no interior de Minas Gerais, que aprendeu sozinho a profissão, base do sustento de sua família. O que liga esses universos tão distintos? A paixão. Paixão pelo esporte, pelas corridas e pelo ídolo Ayrton Senna.

Ralfe César Silva tem 47 anos e acompanhou as conquistas do herói da velocidade. Ao lado do pai, acordava cedo nas manhãs de domingo e não saía da frente da televisão até que a bandeira quadriculada ganhasse os ares dos autódromos.

A infância aos poucos ficou para trás, mas não o sonho de um dia poder entrar em um, de ter um daqueles carros que rasgavam as pistas sob o comando de Senna. Sem condições financeiras, o tapeceiro achou uma solução: criar ele mesmo seu fórmula 1. E foi assim que, sozinho, dentro da própria oficina, construiu uma réplica da McLaren utilizada pelo piloto em 1993.

- Eu já acompanhava a carreira do Senna desde o princípio, desde quando eu entendi o que era. Passava na televisão, eu acordava de madrugada. E sempre admirei, porque o Senna foi uma pessoa que nasceu com uma condição financeira boa, que não precisava da profissão para viver, porque a família dele tinha uma condição e, no entanto, sempre deu exemplo - conta o tapeceiro.


A réplica da McLaren fica em meio ao trabalho cotidiano do tapeceiro (Foto: Régis Melo)

Mas a história desse projeto se mistura com a vida do próprio Ralfe. Assim como a construção do carro, aprendeu na marra a profissão. Desempregado aos 23 anos, estava sentado no Fusca do pai, com as mãos no banco, quando percebeu que era com os estofados que queria passar a trabalhar. Sem formação, teve que batalhar para aprender o ofício.

- Todo mundo achando que eu estava fazendo papel de louco, sem saber passar a agulha na máquina. Aí meu pai pegou e comprou uma máquina para mim. Eu quebrei 40 agulhas na máquina, mas consegui costurar alguma coisa sozinho. E aí estou, desde então, tocando a minha família daqui - diz, orgulhoso.

O "daqui" ao qual ele se refere é a mesma oficina onde o carro foi montado. Uma "bagunça organizada" toma conta do local, com bancos, espumas, tecidos e máquinas para todo lado. Em meio a isso tudo, um espaço foi aberto para receber o fórmula 1, que tem as mesmas medidas da McLaren MP4/8 - são 4,70 m de comprimento, com 2,87 m de largura.


- Eu tenho pra mim que se eu começar alguma coisa, eu tenho que conseguir. O não você sempre tem. Você tem que correr atrás da vitória. Se eu não conseguir, eu estou me contrariando, e o meu íntimo não aceita aquilo.

A construção




Tapeceiro de Três Pontas (MG) construiu uma réplica da McLaren de Ayrton Senna


Mas como tirar um sonho do papel e começar a montagem do carro? Para o tapeceiro, da forma mais simples possível. Um pouco de pesquisa, uma caneta e um papelão no chão da oficina. Depois do desenho, alívio por ver que o projeto caberia dentro da oficina. Agora era só começar a construção, que teria que ser feita principalmente nos finais de semana, já que o trabalho do dia a dia não podia parar (veja a história completa e os detalhes da réplica no vídeo acima).

- Peguei e comprei a ferragem, as coisas, e todo mundo [perguntando] o que é isso? Isso é uma estante? O que você está fazendo? Porque ficava tudo tombado ali. Eu falei isso aqui é um carro de Fórmula 1. [Eles respondiam] 'Carro de Fórmula 1? você está louco?'. Todo mundo duvidando, querendo tirar um sarro, tirar onda. Mas eu sempre acreditando em mim. Nunca preocupei com o que o povo da rua ia falar - diz Ralfe.

O trabalho durou seis meses. Entre as etapas, corte dos materias, lapidação, pintura e acabamento. O carro, na verdade, não tem motor, é basicamente a estrutura de um fórmula 1 adaptada para a realidade do tapeceiro. Em vez de fibras de carbono e tecnologia de ponta, madeira, tecidos e ferramentas comuns do dia a dia.


Construção durou seis meses e foi toda realizada na oficina (Foto: Régis Melo)

O trabalho, muita vezes indo até tarde ou no que deveria ser a folga da família, chegou até a criar pequenos conflitos em casa, mas nada que não pudesse ser superado.

- Eu fico preocupada com o cansaço, com a saúde. Mas na mesma hora, eu me sinto orgulhosa, porque tem muitas mães correndo atrás dos filhos por caminhos errados, e ele é uma pessoa muito honesta, uma pessoa de garra - conta a dona Marinalva Silva.

- Mas eu pensava: eu tenho que realizar meu sonho de juventude, do meu brinquedo. Um brinquedo que o Senna tinha de verdade, eu quero ter pelo menos uma imitação - rebate Ralfe.

McLaren de 1993 de Ayrton Senna inspirou o tapeceiro (Foto: Rafael Lopes/Voando Baixo) 

Mas para andar no carro de Senna, tem que ter o capacete do Senna. E então o tapeceiro foi além, comprou um capacete, pintou e adesivou, para ficar idêntico ao do piloto brasileiro - o corte dos adesivos também do carro, aliás, foi o único processo feito fora da oficina por uma pessoa contratada, já que precisava ser bem preciso.

Ralfe conta que um dia precisou buscar um medicamento na farmácia. Saiu correndo e, na pressa, não viu que estava com o capacete errado. Chegando lá, antes de ser atendido, o farmacêutico fez questão de tirar uma foto com a peça.

- Eu comentei ontem à noite com a Joicy [esposa de Ralfe]. 'Esse povo de televisão, esses artistas de novela, esses jogadores de futebol, eles até são muito pacientes'. Porque eu vou te falar uma coisa, eu já não estou aguentando responder as perguntas - brinca o tapeceiro.


Tapeceiro também fez uma réplica do capacete de Ayrton Senna (Foto: Régis Melo) 


Curiosidade dos moradores

E não são poucas perguntas. Quem duvidava que o projeto fosse sair do papel, agora questiona sobre como foi feito, sobre o material e as dimensões do carro. Vizinhos e amigos pedem para tirar fotos, sentar no cockpit. Teve gente que até já perguntou o preço, querendo comprar a réplica.

Ralfe, no entanto, garante: não quer vender. A obra deve ficar ali pelo menos por um tempo. Mas ele não pretende parar por ali. O próximo projeto: construir a Lotus, também pilotada por Ayrton Senna. Antes disso, no entanto, quer curtir um pouco a sensação de ter concluído o projeto.

- Dever cumprido. Só de chegar alguém e admirar, você fala assim: 'Consegui'. É igualzinho você participar de uma competição e chegar em primeiro. É como se eu tivesse chegado em primeiro em uma corrida, tivesse participando de uma corrida de verdade, sendo que eu nunca vi, nunca cheguei perto, nunca tive a oportunidade de ver um carro de perto. Acho que é a mesma coisa, acho que é como se tivesse sido campeão mundial.

Ralfe deixou as dúvidas para trás e agora é só sorrisos (Foto: Régis Melo) 


FONTE PESQUISADA

MELO, Regis. Apaixonado por F1, tapeceiro cria sozinho réplica da McLaren de Ayrton Senna. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/apaixonado-por-f1-tapeceiro-cria-sozinho-replica-de-mclaren-de-ayrton-senna.ghtml>. Acesso em: 01 de outubro 2017.




Nenhum comentário:

Postar um comentário