Os segredos da construção de 25 réplicas exatas de seus carros. Como Mar del Plata se tornará Mônaco e Balcarce nos circuitos ingleses onde o brasileiro começou a brilhar na Europa. Por que será um impacto emocional para os fãs
Por Darío Coronel
12 Jun, 2023
Infobae - infobae.com
Ayrton Senna desarrolhando após uma de suas seis vitórias em Mônaco. O Principado será reproduzido em Mar del Plata (AP)
No dia 1º de maio de 2024, será o 30º aniversário da morte de Ayrton Senna após o trágico acidente na curva Tamburello do Autódromo Enzo e Dino Ferrari, em Imola. Para homenagear a estrela brasileira nesse aniversário, a Netflix colocará uma série de oito episódios em sua plataforma. Os responsáveis anteciparam que será "a produção mais ambiciosa para a América Latina", que já começou a ser filmada na Argentina e terminaria em agosto. Apesar do sigilo das partes envolvidas, a Infobae concordou com detalhes exclusivos. As perspectivas indicam que terá fortes impactos emocionais e os fãs serão surpreendidos com réplicas exatas dos carros do tricampeão mundial de Fórmula 1.
Por uma questão de custo devido ao câmbio local com o dólar, mas, principalmente, por recursos humanos e técnicos e pela forte tradição com o automobilismo na Argentina, com locais apropriados para autódromos, cenários naturais e urbanos como é o caso de Mar del Plata que se tornará Mônaco, a Netflix decidiu filmar em nosso país. A base regional é a produtora brasileira Gullane. A produção seguirá para o Uruguai e culminará no Brasil e na Irlanda. Mas a maior parte da série será filmada em nosso país.
O projeto da série foi anunciado em setembro de 2020, a pré-produção começou há dois anos e está trabalhando na Argentina há um ano e meio. Neste mesmo período iniciou-se a construção dos carros (ver adiante). A Netflix, por meio da produtora local, Dessert, lançou as filmagens da série que contará a história da lenda brasileira. A Logística tem três epicentros: Balcarce, Mar del Plata e Buenos Aires, onde já começaram a ser produzidas as primeiras imagens.
Ayrton Senna, no dia em que visitou o Autódromo de Buenos Aires, em 1993. Foi sua única visita. À sua esquerda, aparecem Martín Salaverry Jr. e Felipe McGough (Crédito: Felipe McGough)
Seu espírito no Autódromo de Buenos Aires
Há duas semanas vazaram nas redes sociais algumas fotos nas quais é possível ver as réplicas de dois McLarens, um MP4/4, o carro de maior sucesso da história da F1 (15 corridas vencidas em 16 disputadas em 1988) e um MP4/4 de 1990 5B no Autodromo de la Ciudad de Buenos Oscar e Juan Gálvez. Nas imagens, os carros estão na reta posterior da etapa Buenos Aires, uma daquelas que contornam o lago. É o setor anexo ao imóvel onde se pratica a obtenção da carteira de habilitação, a pista anã e que chega até a avenida Escalada. Senna passou por lá em novembro de 1993, quando soube do traçado. Naquela época, começaram os esforços para que a F1 voltasse ao país e Ayrton se envolveu para opinar sobre como deveria ser o circuito escolhido. Isso o motivou a poder correr um dia na Argentina. Até 1981, o Máxima corria na pista 15, que é uma mistura de 12 (onde corre o TC) com 9 (aquela onde TC 2000 historicamente corria). Naquela tarde, o paulista se encantou com o circuito por suas variantes com duas retas e uma curva de alta velocidade. Além disso, ele deu suas recomendações sobre modificações de segurança.
Senna tinha fortes laços com a Argentina e em um de seus encontros com Juan Manuel Fangio em Buenos Aires em 1991, em nota com Enrique Moltoni no Nuevediario, deixou um recado em que elogiava a torcida local: "Um abraço a todos os argentinos amigos e quem sabe no futuro o Grande Prêmio de F1 volte para a Argentina, pois a paixão que os fãs argentinos têm pelas corridas é tão grande ou maior que a dos brasileiros. Quem sabe um dia, se eu continuar correndo, posso correr na volta da F1 aqui em Buenos Aires”.
Para 1994 foi confirmado o retorno do Máxima à Argentina, que depois foi adiado para 1995. “Ayrton teria querido correr na Argentina. Ele era muito querido pela torcida de lá e também tinha um carinho enorme pelo país”, revelou sua irmã, Viviane Senna, à revista CORSA em entrevista em 2018. A morte de Senna interrompeu seu sonho de correr no Autódromo e também o de Milhares de torcedores locais para ver ao vivo um dos melhores da história.
Sem dúvida, teria sido um marco poder desfrutar da "Magia" (como era conhecida) na F1, algo que aconteceu no kart no final da década de 1970 no âmbito do Campeonato Sul-Americano da especialidade que era realizada em San Juan em 1979. Embora as imagens produzidas sejam para recriar circuitos europeus, de alguma forma, o espírito de Senna acelerou no Autódromo de Buenos Aires com esta filmagem que está acontecendo.
Ayrton Senna em ação no Karting Sul-Americano 1979 em San Juan. Atrás dele aparece o portenho Gustavo Der Ohanessian, cenas de sua passagem pela especialidade serão recriadas no Kartódromo Internacional Camet (Arquivo CORSA)
A piscadela para Fangio
Senna tinha um sentimento especial por nosso país através de sua admiração por Juan Manuel Fangio. Já consagrado como número um, voltou a esta terra para ações promocionais no final de 1991 e 1993 e em ambas as ocasiões se encontrou com o Quíntuplo. Essa boa relação foi mantida em outros circuitos como Austrália e Brasil, onde se encontraram para as corridas. Este vínculo também é mantido na série, já que entre julho e agosto será filmado nas ruas que compunham o circuito onde El Chueco conquistou sua primeira vitória contra pilotos internacionais em 27 de fevereiro de 1949 no Circuito de "El Torreón" de Mar del Plata, durante a Temporada Internacional daquele ano, organizada pelo Automóvil Club Argentino (ACA). Foi a prequela da F1 e as competições foram chamadas de corridas de Grande Prêmio.
Essa etapa será convertida no circuito de rua de Monte Carlo, onde Senna é o mais vitorioso com seis vitórias (1987, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993). As paisagens do mar e parte da sua arquitetura foram decisivas. Também será filmado em Playa Grande aproveitando o túnel que, embora seja reto e o de Mônaco seja curvo, servirá para reproduzir aquela parte do circuito no Principado.
Em "La Feliz" os extras já estão sendo contratados e é a quarta vez que a Netflix vem filmar nesta cidade por questões de custo e logística. Também pela disponibilidade de recursos técnicos e hotéis. O Município de General Pueyrredón conta com uma área específica que agilizou todas as autorizações para filmagem e realização dos bloqueios e avenidas necessários. Todo o custo de montagem é suportado pela produção. A prefeitura não cobrou nada porque está apostando em explorar o ponto de vista turístico da cidade, o que é muito importante. Além disso, gera visibilidade e fontes de trabalho.
Outro ponto que irá para as câmeras será o Kartódromo Internacional de Camet, onde acontecerá toda a fase da infância e adolescência de Senna, que foi um exímio kartista. Ainda menino adquiriu uma sensibilidade única para pilotar na chuva e pediu ao pai Milton que o levasse ao Kartódromo de Interlagos, aproveitando as chuvas habituais de São Paulo.
Corra em um circuito de rua em Mar del Plata. Foi a prequela da F-1 no final dos anos 40 (Arquivo CORSA)
Balcarce a la “inglesa”
Outro elo com Fangio é o terceiro epicentro das filmagens, Balcarce, cujo autódromo leva o nome do Quintuplo onde já foram registradas as primeiras imagens. O autódromo era alugado e além dessa renda a produção custeava os trabalhos de pintura de paredes, pianos, as reformas na confeitaria desde o início dos anos oitenta. Cerca de 80 pessoas trabalham na produção dentro do layout.
O circuito de Balcarceño servirá para reproduzir a próxima etapa da vida de Senna, que foram seus primeiros anos na Inglaterra, onde foi campeão da Fórmula Ford 1600 (1981), Fórmula Ford 2000 (1982) e Fórmula 3 britânica (1983). Todos esses carros e alguns de seus rivais, como os argentinos Víctor Rubén Rosso (Fórmula Ford) e Enrique Mansilla (Fórmula Ford e Fórmula 3) podem ser vistos. Este autódromo fica na Sierra La Barrosa e com o verde ao fundo servirá para emular o que eram as pistas britânicas.
Para manter a reserva em cada dia de filmagem, os carros saíram cobertos da fábrica onde foram construídos, que também fica em Balcarce. Embora não tenha parado de chamar a atenção dos moradores da cidade natal de Fangio.
As duas réplicas da McLaren perto do Curvón Salotto no Autódromo de Buenos Aires
Réplicas que emocionam
Tulio Crespi é uma eminência do automobilismo argentino. É um dos fabricantes mais importantes e nos anos oitenta foi instalada uma fábrica de carros de corrida em Balcarce. Ele é considerado o "Pai da Fórmula Renault" (hoje chamada de Fórmula Nacional). Os seus monopostos denominados "Tulia" alimentaram o parque da "Categoria Escolar" que foi o grande canteiro do nosso país. Mas, além de projetar os carros, ele tocou para vários corretores a quem ajudou com custos acessíveis. Sendo uma categoria formativa, os pais dos pilotos é que compravam os monopostos.
Hoje com 84 anos, o grande Túlio continua trabalhando. Ele próprio põe as mãos nos carros e diz a lenda que desde 1962 construiu mais de mil carros de corrida. Hoje fornece seus monolugares para a Fórmula 3 Metropolitana e Fórmula Renault Plus, que rodam com o "Tulia 27", modelo mais recente dos monolugares construídos pela Crespi e que foram os primeiros no país a utilizar o Halo, a proteção que a F1 usa desde 2018. A sua capacidade é tal que em 1975 chegou a surpreender no Salão Automóvel de Paris com um desportivo chamado Tulieta, que nada tinha a invejar aos europeus.
Aos 84 anos, Tulio Crespi continua participando da construção de carros de corrida. Em suas fábricas eram feitas réplicas exatas dos carros de Senna (@tuliocrespi)
Com esses pergaminhos, a Netflix deixou claro que, para reproduzir os carros de Senna e deixá-los com aparência exata, nada melhor do que fazê-los na fábrica da Crespi. Lá, há um ano e meio, foram construídos 25 carros que Ayrton utilizou internacionalmente, desde seu início na Inglaterra até seus últimos anos em La Máxima.
Mas não foram feitas apenas réplicas dos carros do brasileiro, como também foram reproduzidos os de seus rivais, por exemplo, a Ferrari 641 que Alain Prost (arquirrival de Senna) correu em 1990 e que teve a mão no desenvolvimento do engenheiro argentino Enrique Scalabroni , que foi o designer-chefe da Scuderia entre 1989 e 1990.
O trabalho nos carros é superlativo. Os carros são idênticos e é impossível dizer que são réplicas. O destaque de Crespi e seus filhos, Luciano e Sandro, e toda sua equipe de trabalho é que, como não tinham plantas dos carros originais, usaram como referência fotos da época. Claro que eles trouxeram sua experiência na construção de carros de corrida. Para saber o tamanho de cada carro, foi utilizada a banda de rodagem dos pneus.
O McLaren MP4/4 no pit lane do Autódromo de Buenos Aires
Além das fotos vazadas no Autódromo de Buenos Aires, dos outros 23 carros, este meio pode antecipar que sua reprodução fiel é algo que vai impactar os fãs. Será um forte golpe emocional que lhe permitirá reviver cada época. Para os lojistas, neste caso será uma quimera localizar diferenças entre as réplicas dos carros e seus originais. Eles ainda têm pneus semelhantes que foram fornecidos pela Goodyear e trazidos do Brasil. E outro detalhe que no culto ao automobilismo é uma questão espinhosa: foi respeitada a publicidade da conhecida tabacaria vermelha e branca. Os torcedores não gostam que andem cobertos de branco devido à proibição da promoção do tabaco, algo que pode ser visto nos desfiles de carros históricos em diversas exposições ou na F1 Histórica, categoria que reúne joias desde os anos 60 até oitenta.
Os carros construídos pela Crespi têm motor Chevrolet de baixa cilindrada e os monolugares atingem no máximo 80 km/h a 100 km/h. Mas com os efeitos de filmagem na pós-produção, eles serão vistos a toda velocidade como aconteceram na realidade. A tecnologia também permitirá transformar Mar del Plata em Monte Carlo e a Sierra La Barrosa de Balcarce ficará lotada de público, como nos melhores domingos do Turismo Rodoviário.
O McLaren MP4/5B na reta final do circuito de Buenos Aires
Também se sabia que as roupas são incríveis e os macacões anti-chamas não têm nada a invejar aos usados por Senna e outros pilotos. Uma das fotos vazadas no Autódromo de Buenos Aires permite que você veja e o Infobae também pôde saber que eles respeitavam todos os detalhes da roupa pessoal que Ayrton usava.
Senna foi um dos melhores pilotos da história. Na F1 conquistou três títulos em 1988, 1990 e 1991. Obteve 41 vitórias e 80 pódios em 161 Grandes Prêmios. Na época, ele detinha o recorde de pole position com 65 tempos de qualificação mais rápidos, marca quebrada por Michael Schumacher em 2006. Ele também estabeleceu recordes de corrida de 19 voltas.
A réplica do McLaren MP4/4 de Senna no Autódromo de Buenos Aires. Em frente está o Box José Froilán González (Netflix Press)
A série que contará a vida de Senna terá oito capítulos e o ator que interpretará o craque brasileiro será seu compatriota Gabriel Leone. A produção da Netflix conta com o aval da família Senna para poder contar os detalhes da campanha esportiva do lembrado piloto e será lançada no ano que vem por ocasião das três décadas desde sua partida física.
Às vezes, fazer uma produção audiovisual que conte uma história do automobilismo é muito difícil devido ao grande desafio de reproduzir carros antigos. Os argentinos não puderam ver Ayrton Senna na Fórmula 1 e o brasileiro também não conseguiu realizar esse sonho. Mas de alguma forma esses desejos antigos se tornarão realidade nesta série que é filmada em um país de ferro por excelência.
Alguns dos carros que foram reproduzidos
A Fórmula Ford 1.600 de Senna e o argentino Quique Mansilla. Na foto, ambos em ação no circuito de Mallory Park em 1981 (Arquivo CORSA).
Senna na Fórmula Ford 2.000 com a qual foi campeão em 1982
Ayrton no Ralt RT3/83 com o qual se consolidou na Fórmula 3 britânica em 1983 (Getty Images)
O brasileiro na Lotus 97T com motor Renault 1985. Na imagem, fazendo uma curva no extinto Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Nesse ano conseguiu a primeira vitória no Máxima, em Portugal e à chuva (Getty)
Ayrton Senna com o McLaren MP4/6 com o qual conquistou o tricampeonato da F1 em 1991 (Foto - / AFP)
FONTE PESQUISADA
CORONEL, Darío. Detalles exclusivos de la serie de Senna que se filma en Argentina: un guiño a Fangio y el sueño del brasileño en el Autódromo de Buenos Aires. Disponível em: <https://www.infobae.com/deportes/2023/06/12/detalles-exclusivos-de-la-serie-de-senna-que-se-filma-en-argentina-un-guino-a-fangio-y-el-sueno-del-brasileno-en-el-autodromo-de-buenos-aires/>. Acesso em: 03 de Julho de 2023.
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