02 de junho de 1996
Único irmão da modelo morreu no domingo
passado, após contrair o vírus da Aids usando drogas injetáveis
Galisteu quer virar militante antidrogas
Por Aureliano Biancarelli - Folha de São
Paulo
“Não quero que aconteça com o outros o que
aconteceu com o Beto. Meu irmão deixou um exemplo aos jovens. Que eles acordem
e vejam o que a droga pode fazer com uma vida.”
A mensagem é da modelo Adriane Galisteu,
23. Ao meio-dia do domingo passado, seu único irmão, Alberto Galisteu Filho,
28, morreu de pneumonia decorrente da Aids. Beto, como era chamado, se infectou
injetando drogas.
Adriane só bebe água mineral sem gás e sem
gelo. É um modelo de saúde. “Antes, sem perceber, eu buscava o contrário do que
buscava meu irmão. Hoje eu quero pregar o meu modelo. Não é por moralismo, é
pela dor que ele e todos nós passamos.”
Adriane diz que ainda não sabe o que fará,
mas quer se engajar numa militância antidrogas.
“Estou disposta a participar de campanhas,
alertar os pais e os jovens. Pode parecer um papo careta, mas não é. Eu vi meu
irmão e seus amigos morrerem.”
Beto começou a usar drogas quando tinha 15
anos, Adriane tinha 10. “Quando a gente era criança, ele gostava de me pegar,
ficava me cutucando, beijando meus pés. Fazia isso só para me irritar, porque
sabia que eu tinha cócegas. Depois foi mudando, não era mais o beto carinhoso,
que brincava junto. Foi se fechando, não saia mais do quarto.”
No quarto de Beto e da mulher, Ilonka, no
bairro da Lapa, estão o capacedte e os bonés assinados por Ayrton Senna. “Ele
adorava corridas. Gostava de Kart e ganhava todas as disputas de autoramas.”
Seis dias antes da morte, ele ainda
participou de uma corrida de autorama. Seu carrinho quebrou.
Não quinta-feira, vestindo um cardigã
preto e uma saia longa xadrez, Adriane falou sobre a morte do irmão e os anos
que ele passou usando drogas. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
A MORTE – “Eu perdi meu pai quando tinha
15 anos. Em 1994, todas as coisas ruins aconteceram. Em abril morreu minha avô.
Quinze dias depois foi o Ayrton. Em seguida morreu meu avô.
Naquele ano, Beto descobriu que estava com
Aids. Ele morreu ao meio-dia do domingo passado e, à tarde já estava enterrado.
Eu daria tudo para te-lo de volta, qualquer coisa. Me senti totalmente
impotente. Não havia dinheiro que pudesse dar um pulmão ao Beto, não havia
felicidade, nem beleza que pudesse traze-lo de volta. Da minha família só
restaram minha mãe, uma irmã dela e eu.”
A DOENÇA – “Ele estava muito bem até uma
semana antes. Na terça-feira, ainda foi a um bingo. Na quinta-feira, foi
internado, e morreu quatro dias depois. Ele já tinha um problema de cirrose,
provocado pela bebida, que se agravou com uma hepatite. Debilitado, pegou uma
pneumonia, seguida por outra mais forte. Seu pulmão se acabou. Ele sempre dizia
que não queria morrer magro, acabado, e parece que Deus o ouviu. Não tinha
mancha pelo corpo, nem estava magro. Ele sofreu pouco tempo. A gente fez tudo o
que podia.”
NO QUARTO – “Minha mãe não falava, mas eu
percebia o que estava acontecendo. Quando eu saía para o trabalho, ele estava
dormindo; quando voltava, o quarto estava fechado. Eu brigava com ele, porque
não queria sua vida daquele jeito. Até o colégio, ele ainda foi bem, depois
tentou biologia marinha, e nunca mais estudou.
Fazia uns bicos, pintava camisetas, mas só
para o dinheiro da droga. Usou drogas injetáveis quando tinha uns 18 anos, e
foi aí que deve ter se infectado. Foi internado duas vezes, mas ele pedia para
voltar e a gente ficava com dó. Ele só diminuiu o uso da droga quando descobriu
que estava com Aids.”
DEPENDÊCIA – “Quando a mãe vê que o filho
está começando a usar droga, não vale a pena bater, não vale a pena reprimir,
porque ele vai usar fora. E pegar essa criança e levar a uma clinica de
tratamento, mostrar qual é o fim dessas pessoas. Eu fui visitar meu irmão
várias vezes. Quando você sai de lá, agradece a Deus pelo ar que está
respirando.
Meu irmão era pessoa bem-humorada, de bem
com a vida, mas precisava da droga. No final, usava para continuar vivo. Quando
se arrependeu, era muito tarde, não havia mais retorno.
Tentamos de tudo. Resolvemos não dar
dinheiro, não adiantou. Passamos a dar dinheiro, e não adiantou. A gente
brigava, dava carinho. Até que resolvemos fazer com que fosse feliz da maneira
dele, porque não tinha mais jeito.
Depois de 94, ele voltou a ser o Beto
carinhoso. Eu olhava para ele, pensava em recomeçar tudo, mas sabia que não
tinha mais jeito.
As pessoas sempre têm uma desculpa para
usar a droga. Você imagina que vai ser só um baseado, mas não é assim; vai daí
para a cocaína e para outras drogas.
A MÃE – “No desespero do hospital, minha
mãe dizia, “quem tiver um filho drogado, que traga aqui para ver o que estamos
passando.” Imagine uma mãe vendo o filho se drogando todos os dias, seguindo
por um caminho sem volta. Você tentando salva-lo sem nada conseguir.
Minha mãe está se sentindo culpada. Está
errada, porque eu tive a mesma educação de meu irmão, nasci da mesma barriga,
passei as mesmas necessidades, tive as mesmas alegrias, e não uso drogas. Os
pais se culpam demais pela educação que deram aos filhos, perguntam sempre onde
erraram. Chega um momento em que o filho resolve, e os pais não podem fazer
mais nada. É uma decisão dele.”
UM DOENTE – “As pessoas que usam drogas
precisam de apoio, de carinho, de compreensão, precisam de cuidados especiais,
como um doente. Não precisam de cadeia, nem de policia. Quem precisa de cadeia
são os traficantes. Eu vi meu irmão, ele se arrependia muitas vezes. A vida
dele foi sempre uma tentativa. Saía em busca de uma coisa que não achava. Era
um dependência química.
Eu acho que essa dependência precisa
acabar, mas isso não se consegue com alguém que usa droga há dez anos. É
precisa começar quando o menino tem 11, 12 anos. Nessa idade, os pais ainda
podem muito, e podem mudar.
Não podem fazer de conta que não estão
vendo nada.
É lamentável depender de alguma droga para
viver, seja ela o cigarro, a bebida. Acho que o álcool é uma droga que leva a
outros. As garrafas deveriam trazer um aviso, alertando para os riscos.”
O FUTURO – “Se eu pudesse implodiria a
casa da Lapa onde todos nós nascemos, e começaria tudo de novo. Falo isso
pensando em minha mãe. Chega um momento na vida que você precisa virar a
pagina. Precisa dizer: quero ser feliz. Minha avó existe uma vida depois desta,
mas eu gostaria que o Beto estivesse fazendo uma grande festa lá em cima, vendo
a reforma que vamos fazer na casa da Lapa.
Algumas coisas do Beto nós decidimos
guardar como lembrança, outras vamos das aos amigos. Ele tem mais de mil bonés,
500 bandeiras do Palmeiras. Pena que seus amigos mais próximos também tenham
morrido.”
Adriane Galisteu e o irmão Alberto
FONTE PESQUISADA
BIANCARELLI; Aureliano. Galisteu quer virar
militante antidrogas. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/6/02/cotidiano/30.html>.
Acesso em: 21 de abril 2016.
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