Segundo Ron Dennis, Senna detestava o ambiente da F-1
01/05/2004 - 09h13
FÁBIO SEIXAS
da Folha de S.Paulo
O Ayrton Senna que morreu há exatos dez anos na curva Tamburello, em Imola, achava Michael Schumacher desleal, detestava o ambiente da F-1 e hoje estaria aposentado, longe da categoria.
A descrição é feita pelo homem que mais trabalhou com o brasileiro. Que conquistou, com ele, o tricampeonato. Seu patrão por seis das 11 temporadas que disputou. Que o orientou, via rádio, em 96 dos 161 GPs de sua carreira.
E que decidiu calar neste ano, diante de tantos pedidos para que falasse de seu mais famoso pupilo.
Ron Dennis, chefe da McLaren, falou apenas à revista oficial da equipe, que será distribuída a partir de hoje na Europa. No Brasil, a entrevista foi cedida com exclusividade pelo time para a Folha de S.Paulo.
"Ayrton achava que havia pessoas na F-1 que estavam dispostas a vencer a qualquer custo. Não apenas pilotos, mas também integrantes de equipes ou até mesmo escuderias inteiras. E ele achava que Michael se encaixava nessa categoria, de vencer não importando o método... Essa nunca foi a maneira dele ou a nossa de encarar as coisas", revelou Dennis.
"Mas não quero ficar falando sobre isso", completou o inglês.
Naquele início de temporada de 94, o surpreendente ótimo desempenho de Schumacher e da Benetton, então sua equipe, começava a causar estranheza. Após a morte de Senna, no dia 1º de maio, com a disparada do alemão ao primeiro título, as suspeitas de irregularidade ganharam força.
Em pelo menos duas ocasiões, o brasileiro fez questão de mostrar sua opinião sobre Schumacher.
A primeira, no GP da França de 92, quando os dois se tocaram e Senna levou a pior, abandonando a corrida. A outra, na Alemanha, 20 dias depois, após o alemão frear subitamente na sua frente durante um treino. Em ambas, o tricampeão foi até os boxes do novato para tirar satisfações. Da segunda vez, só não o agrediu porque foi contido por mecânicos.
Mas Dennis não falou apenas sobre o alemão. Fez, também, um exercício de futurologia. Para ele, Senna, hoje, estaria longe da F-1.
"Naquela altura da vida, em 94, ele não tinha nenhum plano de parar, mas eu sempre o questionava sobre o futuro, sobre uma possível atuação nos bastidores. Só que o Ayrton estava completamente desinteressado. Ele já estava decidido a voltar para o Brasil quando parasse", declarou. "Já havia começado uma carreira de empresário e tinha um excelente contato com o governo. Seria um executivo magnífico, sei disso."
Segundo o chefe da McLaren, Senna "não gostava do ambiente da F-1 extra-pista' e 'ficava enfurecido com toda a política, principalmente com as manipulações que o afetavam diretamente".
Foi por isso, de acordo com ele, que o tricampeão decidiu parar após perder o título para o rival Alain Prost em 89. Na ocasião, acusou o francês Jean Marie Balestre, então dirigente máximo da F-1, de favorecer o compatriota e precisou se retratar para ser liberado a disputar o Mundial de 90.
"Ali, ele se aposentou. Estava profundamente revoltado com o que considerava uma injustiça e achou melhor parar. Precisei me esforçar muito para convencê-lo a voltar atrás na decisão", disse.
Dennis ainda descreve Senna como alguém que sabia dos riscos da F-1, que conhecia seus limites e que aceitava o perigo se fosse necessário arriscar um pouco mais para buscar um resultado. Mas também como um piloto sensível, que ficava abalado quando um colega sofria um acidente grave.
Exatamente o cenário daquele 1º de maio de 94. Era a terceira etapa do Mundial, e o brasileiro, favorito ao título, ainda não havia vencido. Para piorar, na véspera, assistira à morte de Roland Ratzenberger no treino oficial.
Mas tudo ficou muito pior às 14h12 locais, 9h12 de Brasília, na curva Tamburello. "Ayrton amava correr e não mudaria nada nesse script", concluiu Dennis.
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