sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - Adriane encontra Ayrton em Toquio


O manager do hotel chamou dois valeis para me conduzirem à suíte, o que me levou a crer que, em vez de encontrar o Ayrton, encontraria no máximo um bilhetinho carinhoso dele, "tive compromissos, me espere", por aí.
Abri a porta e meu coração veio à garganta. Essa coisa de adolescente. Ele correu para mim, me apertou num abraço e me deu um beijo escandaloso. Ficamos conversando na cama, gigantesca e convidativa, até que, quando percebi, estava sendo despertada por ele:
- Ei, Dri, pedi uma comidinha pra nós dois... Acreditem: eu tinha apagado de novo.
Já não sabia se era dia ou se era noite, recordo-me apenas de umas pessoas que subiram à suíte para levar uns presentes para o Ayrton. Percebi que todos estavam sorridentes, ele especialmente, com a vitória. Quando saíram, ele me surpreendeu:
- Pô, fiz uma besteira.
- Besteira?
- É, discuti com um irlandês louco.
Em qualquer lugar do mundo, será sempre uma besteira discutir com um irlandês louco.
- Esse, quem é?
- Um novato, um moleque. Sem cabeça, não sabe o que faz.
Pedi, excitada:
- Me conta, vai! Ele desconversou:
- Lindo esse seu sapato.
Era apenas um dockside, comprado no Brasil, na Side Walk. Ele definitivamente não estava a fim de voltar a falar da corrida. Foi ótimo porque pudemos nos entregar  aos assuntos do amor.
Dormimos, dormimos - quando acordei, ele já estava de pé, ao telefone. Comentou do meu sono:
- Nunca vi, é um milagre. Você não tem fuso horário?
- Não, meu fuso horário é você - respondi.
Pena que o meu Japão, fora aquelas intermináveis horas de sono, tenha durado apenas um dia. Abri as janelas, vi a paisagem, linda, imaginei as cenas típicas de cidades que eu só tinha visto em cartões-postais e me fiz a promessa solene, naquele momento, de voltar. Ayrton ainda tinha um encontro de negócios, do qual ele voltou com uma lata de biscoitos de morango, com estampa do Mickey e a inscrição "Disneyworld de Tóquio". Redobrei minha promessa de voltar ali, um dia.
Passamos o resto do dia juntos, preparando-nos para um jantar formal e importante que teríamos aquela noite. Eu me preocupei porque sabia que teria de enfrentar o desafio dos hashi - ou seja, comer com pauzinhos. Rosa, minha cabeleireira de São Paulo, a única pessoa que mexe nos meus cabelos, é nissei e várias vezes tentou me doutrinar em favor do sushi e do sashimi e me ensinar a comer com pauzinhos. Inútil. Houve uma época em que cheguei a pensar em trabalhar profissionalmente em Tóquio, ela teve a gentileza de me dar uma agenda cheia de endereços, inclusive de um irmão dela: "Fica hospedada lá, vai ser mais fácil para você".
Acabei me saindo razoavelmente com os hashi, naquele restaurante maravilhoso, do próprio hotel, mas ao ar livre, perfumado pelos aromas de jardim japonês, com acesso entre pontezinhas charmosas e tortuosos caminhos de pedra. Não tive coragem de experimentar peixe cru, mas me deliciei com um camarão feito na chapa - capturado vivo, enorme, ali mesmo num aquário. Eu pensava: "Coitadinhos dos bichinhos". Mas foi a refeição mais deliciosa de que me lembro em toda a minha vida - disparada na frente até dos meus maníacos Big Macs, posso confessar. Nossos quatro anfitriões, todos homens, curvando-se e recurvando-se em gentilezas, trouxeram de presente uma câmera fotográfica. Estavam todos muito formais, de terno escuro e gravata. Todos, inclusive o Ayrton. Quando nos despedimos e subimos para nossa última noite japonesa, a primeira coisa que Béco fez foi arrancar a gravata, com força:
- Tenho ódio de terno e gravata - disse.
Não é esse, com certeza, em meio a um cenário de sutilezas japonesas e lembranças bonitas, o melhor momento para protestar contra um pequeno detalhe do triste dia do enterro de meu Béco. Mas vá lá: achei um absurdo, fiquei horrorizada, quando soube que o vestiram com terno e gravata. Quem sou eu para conhecer - e mesmo para acreditar - alguns mistérios do universo, mas pensei, com ternura, comigo mesma:
- Se daqui do esquife ele tiver que se apresentar em algum outro lugar, alguma outra dimensão, outra esfera, vai ficar furioso em se ver nesses trajes.


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