- O que você ganhou dele ninguém mais vai ganhar: seu amor.
Assim me tenta dar coragem, em suas cartas e bilhetes, a
Bebel, amiga nova dessa fase pós-trauma, mas como se fosse amiga desde
criancinha. - Levanta a cabeça, menina.
É o que me bastaria. Mas, no inventário dos bens me deixado
por ele, eu declaro aqui, publicamente, que ganhei muito mais. Um montão de
coisas subjetivas, impalpáveis e adoráveis. Um dia, ele me surpreendeu com um
presente. Tem gente que vai rir. Eu chorei - de felicidade.
Voltei da Hungria para a casa de minha tia. As coisas na
minha vida ainda andavam desorganizadas: casa, trabalho, planos para o futuro
imediato, tudo meio embaralhado. Um plano, eu tinha, bem banal: comprar um
carro. Tenho anotado na minha agenda, dia 17 de agosto de 1993, um elenco de
nomes de concessionárias. Fui à luta. Vi um Uno Mille prata, 1991, usado
portanto, mas bonitinho, inteirinho. Tinha dinheiro para pagar. Coisa de macho:
Ayrton achava que eu não tinha competência para saber se o carro estava mesmo
no ponto. Eu batia pé: está tudo em cima. Ele despistou:
- O Alfredo, que trabalha aqui comigo, também andou vendo um
carro, dá um tempinho.
Não podia dar tempo algum. Tinha ânsia de sair dali já no
meu carro. Só que, vendo que havia um Ayrton Senna nas proximidades, o dono do
Uno fez a gentileza: eu dava uma parte do preço, ele me dava dois dias de
prazo. Só então a gente fechava definitivamente o negócio. Olhe só o que dizia
o meu horóscopo do mês de agosto, recortado de uma dessas revistas: "A
vontade de independência será tão grande que vai se irritar com as pessoas que
têm maior poder de decisão sobre sua vida. Aproveite este mês para baixar a
cabeça de vez em quando, mesmo que seja para fazer valer sua vontade. Você pode
perder uma batalha mas pode ganhar a guerra".
Dia 19, prazo vencido. Ayrton me convida para passar no
escritório. Às seis e meia da tarde. Subi direto para a sala dele, o
Alfredo não estava. Ele, "calma, calma". Alfredo, enfim, aparece,
decepcionado:
- Desculpa, Adriane, mas não deu certo. Trouxe um outro,
mais velhinho, mas garanto que está bom de motor.
- Bela proposta - ironizei.
Descemos. Esperava por mim um Uno Mille Electronic zero,
prata, igualzinho ao que eu queria comprar. Com um buquê de rosas no capô e o
detalhe da chapa: DRI 7770. Só faltava laçarote e papel celofane.
- Isso é um presente de agosto.
- Mas por que agosto? - estranhei. - Não é Dia dos
Namorados, não é nada...
- Por isso mesmo: não tem data nenhuma. É um presente de
agosto.
Enchi o Béco de beijos. Fiquei sem palavras. Entrei como
louca no carro e corri para mostrar a minha mãe. Liguei também para a mãe dele:
- Ganhei um carro novinho.
- Ele me contou - disse a Zaza. - Vem cá que eu quero dar
uma volta.
Zaza, Bia, a sobrinha mais velha, e eu, lá fomos nós -
depois, jantamos todos no apartamento do Pacaembu.
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