sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - A desolação de Adriane Galisteu



Eu não falava, não comia, não reagia - simplesmente tinha me deixado ficar, na poltrona do avião, junto à Luiza e ao Braga. Uma das comissárias, preocupada, chegou  a me aconselhar:
- Vá pra cabine de comando. Talvez lá você se sinta melhor.
Menos de uma semana atrás, eu tinha ido a Portugal, carregada de planos e de felicidade, para me encontrar com ele. Agora, voltava a São Paulo para enterrá-lo. Será um exagero dizer que foi a mais longa, a mais angustiante, a pior viagem de minha vida?
De Lisboa, escala no Rio. Um tempinho a mais de agonia. Os comissários permitem, porém, que Luiza, Braga e eu fiquemos dentro do avião, enquanto ele é limpado e reabastecido. Aproveito para ir ao banheiro e me trocar. Aquele conjunto negro com que me fotografaram no dia. Não tinha tempo a perder, queria ir direto para o velório. O sentido oculto da minha pressa continuava sendo a agonia da irrealidade. Não entendia, não acreditava, não me conformava.
O avião com o corpo do tricampeão - para mim, apenas meu namorado - chegou vinte minutos antes do nosso. Imaginava que o caixão tivesse um vidro, uma tampa, qualquer coisa, que me fizesse vê-lo e senti-lo pela última vez. Estava completamente lacrado. Senti uma decepção, um frio na espinha. A bandeira do Brasil em cima. Solenidades marciais no aeroporto. Uma multidão enlouquecida. Para mim, a questão continuava a ser uma só: como tomar contato com a verdade de sua morte? O esquife partiu, eu fui seqüestrada, sem reação, pela Erica, funcionária do escritório do Ayrton. Ela passou pela casa dela, pegou o crachá que me dava acesso ao velório - verde, com a letra F, de família, em branco - e fomos para a Assembléia Legislativa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário