Eu não falava, não comia, não reagia - simplesmente tinha me
deixado ficar, na poltrona do avião, junto à Luiza e ao Braga. Uma das
comissárias, preocupada, chegou a me aconselhar:
- Vá pra cabine de comando. Talvez lá você se sinta melhor.
Menos de uma semana atrás, eu tinha ido a Portugal,
carregada de planos e de felicidade, para me encontrar com ele. Agora, voltava
a São Paulo para enterrá-lo. Será um exagero dizer que foi a mais longa, a mais
angustiante, a pior viagem de minha vida?
De Lisboa, escala no Rio. Um tempinho a mais de agonia. Os
comissários permitem, porém, que Luiza, Braga e eu fiquemos dentro do avião,
enquanto ele é limpado e reabastecido. Aproveito para ir ao banheiro e me
trocar. Aquele conjunto negro com que me fotografaram no dia. Não tinha tempo a
perder, queria ir direto para o velório. O sentido oculto da minha pressa
continuava sendo a agonia da irrealidade. Não entendia, não acreditava, não me
conformava.
O avião com o corpo do tricampeão - para mim, apenas meu
namorado - chegou vinte minutos antes do nosso. Imaginava que o caixão tivesse
um vidro, uma tampa, qualquer coisa, que me fizesse vê-lo e senti-lo pela
última vez. Estava completamente lacrado. Senti uma decepção, um frio na
espinha. A bandeira do Brasil em cima. Solenidades marciais no aeroporto. Uma
multidão enlouquecida. Para mim, a questão continuava a ser uma só: como tomar
contato com a verdade de sua morte? O esquife partiu, eu fui seqüestrada, sem
reação, pela Erica, funcionária do escritório do Ayrton. Ela passou pela casa
dela, pegou o crachá que me dava acesso ao velório - verde, com a letra F, de
família, em branco - e fomos para a Assembléia Legislativa.
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