Jo Ramirez brinda com Ayrton Senna no restaurante italiano italiano La Trattorìa, ao lado de Ayrton Adriane Galisteu e quem observa também é Betise Assumpção.
Uma bela massagem do Joseph, em Adelaide, colocou-o de vez
no prumo. Uma hora e meia daquilo que parecia ser uma pura tortura. Mas era um
craque, o Joseph. Eu bem que, certas vezes, tentei aliviar o Ayrton de uma ou
outra dor, especialmente de torcicolo - seqüela de tantos anos de tensão e
corrida, dizia ele, e argumento definitivo para jamais se imaginar naqueles circuitos
ovais da Indy, em que seu pescoço fica sempre inclinado para o mesmo lado. Mas
ele pedia:
- Aperta mais!
Até tive algumas aulas com o Joseph, mas senti que jamais
chegaria lá.
É chover no molhado dizer que, naquele último dia de
temporada, na Austrália, os olhares todos se convergiam para a McLaren. Um
enxame. Acordei cedo, excepcionalmente, ainda passei para pegar as fotos
reveladas de nossa viagem ao Taiti, mas cheguei a tempo de romper a barreira
dos repórteres e entrar no boxe.
- E aí, o carro?
- Está bom, mas, de repente...
Ele era o pole-position. O seu futuro na Williams já estava
acertado, em segredo. Mas, para a imprensa, ficava a dúvida: seria aquela a
última corrida de Ayrton Senna? Nos bastidores da F1, nem sempre se sabe das
coisas mais banais. Por exemplo, do regimental pipi dos pilotos. Por ansiedade
mas também por cautela, quando faltam ali uns dez minutos para a largada, saem
todos correndo para se aliviar. Duas horas de prisão no cockpit, é melhor se
prevenir. Béco viu aquele rio de repórteres de uma janelinha do motor home,
desistiu:
- Não vou.
- Como não vai? Está maluco?
- Eu não vou, mas você vai me ajudar. Pega uns copinhos,
quantos você encontrar.
Copinhos de plástico, saí eu gritando. Já todo vestido, com
o macacão, ajeita aqui, ajeita ali, ele encheu três copinhos. Saí sorrateira,
para dar o destino conveniente, quando o Joseph me flagrou:
- Beer?
- É, cerveja - brinquei.
Ele bem que ia atacar os copinhos. Arranquei-os da mão
dele. Voltei para dar um beijo de boa sorte no Béco e me vi, meio ridícula,
fazendo a linha daqueles adesivos de carro, tipo "não corra, papai".
Sei lá o que foi, é que todos aqueles dias tinham sido tão magníficos que não
queria vê-lo correr muitos riscos. Eu mesma me senti mais nervosa do que nunca.
Assisti da cabine da TV Globo, ao lado da Daniela, namorada do Rubinho
Barrichello. Ele, na frente, lindo, tranqüilo. Nunca tinha visto uma cena de
pódio de perto. Faltavam ainda algumas voltas. Chamei a Daniela e me armei de
coragem:
- Vamos?
Eu estava no boxe da McLaren quando ele recebeu a bandeirada
de chegada. É emocionante perceber no rosto daquela equipe cansada o sinal de
um trabalho recompensado. Foi a primeira e a última vez que pude sentir isso de
tão perto. O Jô Ramirez, chefe da equipe, me levantou nos braços. Ficamos na
fila do gargarejo. Ele chegou ao pódio cansado mas feliz. Deu a mão ao Prost,
segundo na corrida, primeiro no campeonato. E o puxou para o lado dele.
Abraçou-o e levantou a mão do tetracampeão do mundo. Homenagem de craque para craque.
Depois, os hinos, as fotos, o champanhe - que, aliás, sobrou para nós, pois ele
nos reconheceu, lá embaixo. Jô Ramirez, "o Espanhol", como Ayrton o
chamava, chorava, ensopado de Moët & Chandon.
- Obrigado, esta corrida era muito importante para mim e
para minha equipe - foi a primeira coisa que ele disse ao Ayrton, de volta ao
boxe.
Prost era o campeão do mundo. Mas, na soma dos pontos do
campeonato, a McLaren conseguiu chegar em primeiro, entre as escuderias.
As despedidas haviam começado três dias antes - com um
barbecue oferecido pela McLaren, na quinta-feira, ali mesmo perto da pista. Ao
passarmos diante do boxe da Williams, Ayrton pediu para parar o carro. Desceu,
cumprimentou o Frank Williams, conversaram por dois minutos. De novo, encontrou
Prost e o cumprimentou. Na festa, o Ramirez fez um discurso comovido. Pediu que
o Ayrton subisse ao palco. Entregou-lhe um quadro enorme, uma colagem de fotos
pequenas com os melhores momentos dele na McLaren. Ayrton agradeceu,
emocionado. Na verdade, todos nós chorávamos.
- Minha vida é de aventuras e lutas - disse ele. - Estou de
mudança. Mas meu coração fica na McLaren. Quando parecia terminado, um
videolaser com cenas da carreira dele, vitórias, sustos, a intimidade dos
boxes, flagrantes, ultrapassagens, derrapagens, bandeiradas, pódio, bandeiras
do Brasil, tudo - e a musiquinha-tema da Globo no fundo.
- Chega, vou ter um enfarte - ele implorava. Choradeira
geral e irrestrita. Para mudar o humor, Ayrton avisou:
- Depois da corrida, o jantar será por minha conta. Para
todos os que estão aqui.
Assim como eu continuava com minha mania de McDonald's - e
em Adelaide consegui arrastá-lo até um -, ele era do mundo da massa. Domingo,
no restaurante italiano La Trattorìa, em que todos comeram e beberam até de
madrugada, Jô Ramirez, sempre o Espanhol, deu-lhe um último presente: um
volante da McLaren.
Enquanto seguíamos para o hotel, a pé, ele segurando aquele
volante como se fosse um fetiche de criança, eu o sentia dividido ao meio:
- É difícil para mim... Muito difícil.
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