Birgit é citada algumas vezes no livro de Adriane
Galisteu, “Caminho das Borboletas”
Mas o convívio em Mônaco, a
sós, tinha feito tão bem que não nos cansávamos de planejar novas viagens,
apenas os dois. Dentro da temporada de Fórmula 1, eu tinha um sonho pessoal:
Hungria. Pátria dos meus avós maternos, Alexander e Agnes, emigrados para o
Brasil durante a guerra - uma terra de referências reais e mitológicas cujas
histórias e cuja língua freqüentavam os almoços domingueiros em nossa casa.
Minha mãe, minhas tias, todas falavam húngaro à mesa, mas não me dei ao
trabalho de aprender aquela língua arrevezada, tão diferente de qualquer outra
falada na Europa. Só de molecagem, extraí de meu avô dois ou três palavrões
horríveis. Lembro-me também de minha avó, atrapalhada ao me ver queimar a
língua numa daquelas sopas típicas e escaldantes, gritando para mim
"fujjal, fujjal" (soava como fuió, fuió). Tradução: "sopra, sopra".
Devo com certeza a essas
domingueiras húngaras na Lapa minha paixão por doces, que até hoje tenho de
compensar com quatro horas diárias de ginástica e não me deixam tirar o
olho da balança.. Mas também quem haveria de resistir àquelas panquecas folheadas
de maçã que aterrissavam à mesa após o gulash? Pelas minhas melhores lembranças
familiares, por minha avó, especialmente por minha mãe é que acabei
desembarcando em 12 de agosto de 1993, uma quinta-feira, no aeroporto de
Budapeste, tendo a meu lado um homem a quem todos se dirigiam com um afetuoso
sorriso e palavras incompreensíveis.
- Por favor, o que eles estão
dizendo? - implorava Ayrton.
- Não tenho a menor idéia.
- Mas nem muito obrigado você
fala?
- Nada, nadinha.
No Hotel Kempinski, uma
magnífica construção ainda com cheiro de novo, confessei-lhe meu verdadeiro
conhecimento de húngaro. As tais palavras. Não é que ele passou horas
treinando, para o caso de ter de usá-las?
- Se o Prost me aprontar uma,
eu tasco o palavrão nele - brincou.
Quem estava em Budapeste era
o Senna, a trabalho, às voltas com as dificuldades de seu carro e a força de
seus rivais. Mas, ainda assim, teve comigo, em vários momentos, o doce
Béco, comportando-se de forma a deixar claro que aquela viagem era uma
homenagem a mim - aliás, ao nosso amor. Desdobrou-se para passear a meu lado,
mãos dadas como dois namorados, às margens do Danúbio, que separa o pedaço Buda
da parte Peste da capital. Depois, deixou-me entregue aos cuidados de dois
amigos extraordinários, Christian Schues e a mulher dele, Birgit, filha do
ex-presidente da Volkswagen brasileira, Wolfgang Sauer. Os dois levavam com
eles os filhos Patrick e Oliver, bem pequenininhos.
Budapeste foi uma
temporada de alegria, mas foi essa mesma Birgit quem me acudiria no pior momento
de minha infelicidade, menos de um ano depois. Sua mão forte, agarrada à minha,
evitou que, por muitas, muitas vezes, eu desabasse por terra, numa sinistra
quinta-feira de maio de 1994, diante de uma cova rasa do Cemitério do
Morumbi.
Christian e Birgit me
mostraram Budapeste, lindíssima, e arredores, enquanto Senna sujava suas mãos
de graxa em Hungaroring. O casal tinha, na verdade, uma concepção tão generosa
de hospitalidade que aceitou revirar a cidade dos pés à cabeça até que eu
encontrasse, finalmente, numa pequena feira livre de rua, as sementes de
papoula - mak - que minha mãe havia encomendado, para seus confeitos. Juntas,
Birgit e eu conseguimos achar um McDonald's em Budapeste. Com Chicken McNuggets
no cardápio, batata frita e torta de maçã. Christian, o marido de Birgit, me
olhava com aquela paciência que sugere "meu Deus, um dia isso passa".
Compensei o McDonald's, que seria uma decepção para minha mãe, na noite de
sábado, véspera do GP: fomos todos jantar num restaurante típico, uma casinha
simpática, amarela, cuja dona era uma velhinha, conhecida do Béco. À sobremesa,
um palacinta (pronuncia-se pólotchintó), uma panqueca de cereja, deu ao
meu paladar um sabor de saudade.
Adriane e Ayrton com a família de Birgit
FONTE PESQUISADA
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A.,
novembro de 1994.
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