Refúgio do piloto na fazenda
de Tatuí permanece impecável e intocado
por Marcelo Moura • 11/11/2015
às 14:32 • Atualizado em 11/11/2015 às 15:47
Quatro Rodas - quatrorodas.abril.com.br
| Crédito: QUATRO RODAS
*matéria originalmente
publicada em agosto de 2010
Ayrton Senna teve a rara
oportunidade de escolher qualquer ponto no planeta e construir ali o seu lugar
do jeito que quisesse. Resolveu fazer duas vezes, uma casa de praia em Angra
dos Reis (RJ) e esta fazenda em Tatuí (SP). O mundo que ele criou é assim:
árvores foram plantadas porque dão frutos apreciados pelos pássaros da região.
Há uma plantação de milho doce, raro no Brasil, que é comido com manteiga feita
de leite caseiro e suco feito de caju colhido no pé. No grande lago, peixes vêm
comer na mão com uma fome que surpreende. Milton da Silva, pai de Ayrton, pede
cuidado aos visitantes: "Outro dia, o presidente Lula veio conhecer o
lago. Disse para ele ir devagar, mas respondeu que não precisava de conselho,
que pescava desde pequeno e tudo mais. Veja só, acabou perdendo o dedo".
Os 83 anos de idade não lhe tiraram a picardia. O senhor Milton fala sério e
faz piadas, é discreto, mas se impõe.
O mundo que Senna criou é
simples, com casas de tijolo aparente. Ambição, se existe, é a de manter tudo
em ordem. Não há grama crescida e mesmo um Voyage branco, com mais de 20 anos,
parece em boa forma. Um antigo funcionário conta que Ayrton inspecionava não só
seus próprios carros, mas também a frota de serviço. Quando encontrava algo
sujo ou com defeito, chamava o responsável. Não dava bronca. Perguntava o motivo
e como podia ajudar a resolver. E então ia atrás do que fosse preciso, em busca
da perfeição.
| Crédito: QUATRO RODAS
Dentro de seu mundo, Senna
escolheu um lugar para chamar ainda mais de seu. Uma casa à beira do lago, não
mais de 200 m2 ,
feita para guardar seus brinquedos de gente grande. No andar de baixo, motos,
bugue, quadriciclos e um barco. Um pequeno guindaste foi instalado no teto para
poder tirar os jet-skis do suporte e levá-los até a água. Para evitar fios de
extensão, tomadas elétricas são enfileiradas na parede em intervalos de 1 metro . Idem para os
pontos de ar comprimido, para encaixar mangueiras de engate rápido. A porta
elevadiça de madeira e as escadas, com piso antiderrapante, levam ao segundo
andar.
| Crédito: QUATRO RODAS
Na parede e em prateleiras,
máquinas de terra, mar e ar: sete carros, um hovercraft, um helicóptero, sete
aviões e duas lanchas, tudo por controle remoto. "O caça na prateleira
acima da janela é um F-18 Hornet. Parece a jato, mas tem hélices dentro",
diz o primo Fábio Machado, companheiro de brincadeira. "Esse aviãozinho
vermelho não tem controle de aceleração. Você liga o motor e joga para a
frente, para ele sair do lugar. Controlar é difícil, porque não há como modular
a velocidade. O Ayrton usava no mirante de Santana, perto de onde moravam.
Quando o combustível acabava, após uns 10 minutos, tinha que controlar o avião
planando pelas ruas do bairro, no meio do trânsito, enquanto achava um lugar
para descer."
| Crédito: QUATRO RODAS
"O que tem escrito Dash
45 era muito rápido, o Marlboro também, era desses que ele gostava. O verde,
cinza, azul e amarelo tem motor de quatro tempos, é um avião mais de força que
de velocidade. Foi presente do pessoal da Honda, após o título de 1991." A
miniatura 1:10 do Honda NSX, carro que Ayrton ajudou a desenvolver, foi
presente de concessionários da Bélgica: "Honda belgian dealers
25-08-1991".
Ayrton e o primo Fábio praticando aeromodelismo na fazenda
Isso é um ponto importante na
pequena frota. A maior parte das miniaturas não foi comprada, algo que qualquer
rico como ele seria capaz de fazer. Foi ganha. Alguém se dedicou a procurar,
escolher e presentear, com dedicatória. "O Ayrton gostava de colecionar
esse tipo de coisa", diz Fábio. "A Renault tirou o turbocompressor do
carro que o levou à primeira vitória, pela Lotus, prendeu num pedestal e deu de
presente. Ele gostava mais disso que dos troféus."
| Crédito: QUATRO RODAS
Dentro de dois baús, caixas
de sapato dos anos 80 guardam as peças de reposição. Trens de pouso, rodas e
motores ainda fechados na embalagem, tudo identificado pela caligrafia algo
tortuosa de Ayrton. No meio da ordem, o bico de um aeromodelo estraçalhado.
"Foi esse o avião que ele quebrou quando derrubou o meu", diz Fábio.
"Ficou guardado."
| Crédito: QUATRO RODAS
Enquanto jet-skis e motos do
primeiro andar continuaram em uso, o segundo andar foi congelado. O tempo ficou
suspenso, parado em 1º de maio de 1994. Sob a bancada usada para montar e
desmontar as miniaturas, garrafas de combustível e óleo continuam lado a lado,
com lacre de fábrica - embora já tenham envelhecido o suficiente para não
fazerem mais efeito. A lata do spray anticorrosão já traz ferrugem além do
superficial. Não é possível saber a data de fabricação porque são de uma época
em que as embalagens não traziam isso. "Cinco anos depois, eu voltei a
entrar aqui", diz Milton. "A parafusadeira elétrica ainda tinha carga
na bateria. Agora parou." Durante a tarde de reportagem, a travessa de uma
cadeira se quebrou. É uma cadeira dobrável feita com ripas de madeira, comum em
salões de festas e botecos. Uma nova custa menos de 40 reais, mas Fábio guardou
no carro: "Vou levar para restaurar em São Paulo."
| Crédito: QUATRO RODAS
Parados há 16 anos, os
objetos da sala começam a envelhecer. Quanto vão durar? Manter tudo arrumado,
como se Ayrton estivesse prestes a chegar de viagem novamente, ajuda a
preservar a memória. Ao mesmo tempo, a vida longa daqueles brinquedos nascidos para
durar pouco reforça o absurdo do que aconteceu naquele dia de maio de 1994.
"É tão estranho", diz Fábio. "Às vezes as pessoas vão tão de
repente... Como as coisas duram, né?"
FONTE PESQUISADA
MOURA, Marcelo. A CASA DOS BRINQUEDOS DE AYRTON SENN. Disponível
em: <http://quatrorodas.abril.com.br/materia/casa-brinquedos-ayrton-senna-920542/>.
Acesso em: 20 de dezembro 2015.
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