A senhora Di Spires trabalhou
por 30 anos preparando refeições e as servindo aos pilotos de Fórmula 1. No seu
livro “I Just Made The Tea” (português: Eu apenas fazia o chá), lançado em 2012, Di conta suas
memórias nesses 30 anos de serviços prestados a F1, e dedica um capítulo inteiro a Ayrton
Senna.
Titulo: "Eu apenas fazia
o chá"
Subtítulo: Contos sobre os
meus 30 Anos de Formula 1
Autora: Di Spires
Com colaboração de Bernard
Ferguson
Prefácio: Murray Walker &
Michael Schummacher
Gravura de Di Spires e Ayrton Senna na capa do livro
Di Spires remind Ayrton in her book: "I just made the
tea
Capitulo 10 do livro onde
Ayrton foi mencionado:
Primeira vitória, salgadinhos e o charme de Ayrton Senna
Em 1984 nós estávamos
efetivamente olhando por duas equipes, assim como nós estávamos trabalhando
para Lotus, fazíamos de tudo para deixar claro que estava tudo Ok com a
Toleman. Foi quando conhecemos Ayrton Senna.
Nossa primeira impressão foi
que Ayrton era muito discreto e um pouco tímido.
Ele obviamente já tinha
estado na Inglaterra correndo pela Fórmula 3, mas eu acho que ele estava um
pouco tenso porque nós estávamos ao redor dele em seu primeiro dia de Fórmula
1. Ele era realmente um garoto legal além do que Stuart tinha me dito, pude ver
o quão jovem ele era. Ayrton nunca aparecia cercado por assessores ou nada
disso. Ele estava sempre sozinho e as vezes era visto recebendo visitas de seu
jovem irmão e vivia ocupado com seu trabalho. Ele costumava me ligar e
falar amenidades em geral e nós nos tornamos amigos.
Nós nos encontramos pela
primeira vez no motorhome da Toleman e ele estava obviamente um pouco confuso. Ele
sabia que nós tínhamos um envolvimento ali mas ele não conseguiu entender
porque nós estávamos sempre vestidos com uniforme da Lotus e ajudando o pessoal
da Toleman. Nós explicamos pra ele que
nossos serviços de motorhome se estenderiam a equipe dele também. Mas nossa
unidade de trabalho ficava dentro da Lotus.
Hoje pensando sobre isso,
posso entender a confusão dele.
Ayrton era um fenômeno. Além
de ter sido perfeito num carro de baixa qualidade como a Toleman. Tenho certeza
que venceria aquele GP de Mônaco se a corrida não tivesse sido interrompida
quando deveria ter prosseguido. Ele estava alcançando Alain Prost, volta por
volta e Alain estava ciente, e ele queria que a corrida terminasse e
eventualmente foi o que conseguiu. Por meio e tão somente meio ponto, estava
ali sua recompensa. Bem, nós estávamos em Mônaco, na França e Alain era francês.
Nossos serviços de Cantina
estavam fidelizados a Lotus em 85 e estávamos cientes que Ayrton tinha assinado
com a equipe e nós ficaríamos todos juntos. Ayrton estava formando dupla com
Elio de Angelis e seria difícil imaginar dois pilotos mais gentis , mais
cavalheiros do que eles dois.
Di é presenteada com um bolo de aniversário por Ayrton Senna e Elio De Angelis, ambos que perderam suas vidas ao volante
Ayrton Senna & Elio DeAngelis bought a birthday cake to
Di Spires
Apesar do nosso
relacionamento de amor/ódio com "Black Pig" [equipe Lotus], Ayrton tinha se unido ao
motorhome. Ele não era como toda aquela corja ao redor das corridas com todos aqueles
eventos publicitários, jantares e todas aquelas porcarias. Ele só estava ali
por uma razão, e o único motivo era correr. O sonho dele tinha sido chegar a
Formula 1 e ser campeão. Ele estava satisfeito por estar em uma equipe com uma
história rica em conquistas, mas ele também tinha apreensão se aquela era a
equipe certa para ele estar pois sempre mandavam ele participar de jantares
formais e atender patrocinadores. Ele na verdade preferia sentar no motorhome e
ficar lendo um livro nas horas vagas. Às vezes nós íamos para o hotel dele após
deixarmos a pista, para relaxar. Ele se sentia tão confortável nesses
ambientes. De qualquer forma Peter War [chefe da Lotus] era bastante exigente com seus pilotos.
Claro, tinha que ser por causa da John Player Special, o maior patrocinador. A
equipe tinha feito uma grande coisa em reconhecer o potencial do seu novo
piloto contratado.
Igualmente a John Player
Special tinha feito mais investimentos na equipe e no esporte em si, com Peter
Dyke e Geoffrey Keut atendendo todas as corridas.
Eles eram a favor de ter
Ayrton como alguém especial, mas delegar tantas funções e atividades não
diretamente ligadas as atividades de piloto era muito estressante para um jovem
piloto que só queria manter negócios com as vitórias nas pistas.
Eventualmente Ayrton entendeu
que precisava seguir as instruções da equipe mas ele nunca se sentiu confortável
sendo forçado a certas circunstâncias. Ele se sentia mais confortável sentado
em nossa cantina com todo mundo rindo dele e do "sanduíche do Senna",
o seu peculiar e particular sanduíche de todas as manhãs. Ele comia diariamente
acompanhado de uma garrafa de água cristalina. O sanduíche era composto por queijo, presunto, cheio
de geleia. Ele sabia que nos achávamos estranho o seu costume, ainda que dentro
do padrão de piloto, mas ele pedia isso sempre. Às vezes ele não conseguia o
seu sanduíche até o primeiro treino. As coisas fugiam do controle da dieta.
Todos pediam o que quisessem (exceto quando Ken Tyrrel [Fundador da famosa
equipe Tyrrell da Fórmula 1] disse para [o francês] Jean-Pierre Jarier [piloto da
Tyrrel à época] que ele não poderia comer qualquer coisa). Deus sabe, os
nutricionistas das equipes hoje em dia diriam o mesmo.
Prints do capítulo do livro que fala sobre Ayrton Senna
Di Spires Memories about Ayrton Senna ( Book Parts in
english)
Ayrton Senna vence pela primeira vez na Fórmula 1, GP de Portugal 1985
Ayrton Senna first victory in Portugal Grand Prix 1985
De qualquer forma nosso
tempo com Ayrton foi memorável. Em 1985 os pais dele
começaram a vir para as corridas e todos nós os conhecemos bem. Nós estávamos com Ayrton quando ele venceu sua primeira corrida na chuva no Estoril, no GP de
Portugal em 1985. A pista tinha um declive esticado em boa parte do caminho e
um portão de acesso restrito com entrada na pista. Como a corrida chegou ao fim,
debaixo de chuva, Stuart pulou a parede do pit, aonde ele estava na beira da
pista e correu todo o caminho até o portão. Ele passou por ele e foi para lateral da pista aplaudir Ayrton que dava
uma volta deslizando na pista. Eu estava assistindo pela janela do motorhome como Ayrton guiava atrás da
lateral da pista onde o Stuart estava, tirando
o cinto de segurança ( o que não seria permitido
agora) e abraçando Stu, que já tinha "invadido" o cockpit onde Ayrton
estava sentado para parabeniza-lo. Um dos jornalistas de Fórmula
1 escreveu naquela semana que ele nunca havia visto um piloto parar e abraçar alguém deslizando numa volta antes. Foi a primeira e provavelmente a
última vez que alguém fez
isso. Desde aquele dia eu venho
tentando achar uma fotografia desse fantástico momento. Ayrton continuou com sua
volta deslizante e chegou de volta ao pit onde
todo mundo esperava por ele. Nós todos estávamos chorando
emocionados e os pais dele estavam apenas ao nosso lado. Nós tínhamos então questionado qual era o tipo de relacionamento que nós tínhamos desenvolvido com
Ayrton que fez ele fazer algo tão
diferente do esperado, algo não característico, e eu posso apenas pensar que
ele sentiu que nós da Lotus tínhamos virado uma extensão da família dele, naquele fim de semana de
corrida familiar. E ele parecia tão vulnerável quando voltou para o Reino
Unido. Enquanto seus familiares estavam a milhas de distância do Brasil. Eu apenas acho que ele se sentia confortável e seguro, e relaxado conosco, na
segurança do nosso motorhome.
Di e Stuart Spires
Diana and Stuart Spires
Infelizmente enquanto Ayrton
atraia toda a atenção do mundo dos esportes a motor, ele também atraiu a atenção de perseguidores. Muitos homens teriam se
sentido lisonjeados por ter uma mulher lhes seguindo, mas isso fazia Ayrton
ficar muito desconfortável e algumas vezes ele teria se escondido no motorhome
até a tal mulher lhe deixar em paz por aquele dia. Ela parecia uma portuguesa
com cabelos longos e ruivos, usava sapatos de salto alto brancos e uma saia que
sacolejava quando ela andava e tinha o dobro da idade do
Ayrton. Ninguém sabia o nome dela ou
como ela tinha entrado ali no paddock, mas ela estava sempre ao redor, sentada
assistindo pelo motorhome ou continuamente caminhando
atrás do Ayrton para lhe dar uma espiada. Nós costumávamos vê-la e
Peter Dyke, o diretor de marketing da John Player Special costumava dizer
"Aqui está ela! Melhor Ayrton
esperar!" Algumas vezes decidimos
alcançá-la e retirá-la dali, mas ela voltaria no dia
seguinte como se nada tivesse
acontecido.
Às vezes Ayrton estava um
pouco relaxado conosco. Assim eu me recordo de uma noite em especial em SPA,
durante o final de semana do GP da Bélgica. O pessoal da equipe decidiu sair
caminhando aos redores do circuito em grupos para apreciar os petiscos que
destacavam o melhor da culinária belga, conhecidos como "salgadinhos e
maionese". Quando estávamos nos preparando para ir avistamos Ayrton, então
perguntamos:
"O que você está fazendo aqui? Você não deveria ter ido com
os outros em um evento de publicidade?"
Ele disse: "Eu não queria ir,
então eu disse que não estava a fim, que estava muito cansado." Depois nos
perguntou. "O que vocês vão fazer essa noite?"
Nós olhamos um pouco
constrangidos e dissemos "Bem nós vamos sair por aí e comer uns petiscos
no Friterie".
Ayrton perguntou de novo:
"Que horas vocês vão?"
Eu e Stuart respondemos:
"Em 10 minutos , assim que terminarmos de lavar e arrumar a cozinha"
Ele nos disse: "Posso ir
com vocês?" Para sua surpreendente
pergunta nós respondemos "Claro que você pode vir conosco se quiser, mas
veja bem, há uma multidão de pessoas lá fora e eles vão reconhecer você" .
Ele disse na hora: "Ah eu não ligo, eu apenas gostaria de me juntar a vocês." Ele estava mesmo decidido.
Eu
e Stuart, meu companheiro de cantina nos atrapalhamos um pouco e dissemos de
forma constrangida: "Bem, tem mais uma coisa. De qualquer forma nós não vamos sair escondidos pela garagem, vamos passar pelo portão principal.
Sairemos perto do grampo, no pequeno portão fechado na frente do paddock. Se você não se importar de
passar por lá, tudo bem.
Então nós três saímos rapidamente pelo motorhome da Williams e passamos com dificuldade pela loucura
e histerismo da multidão. Nós caminhamos para o
"Friterie" e o local estava cheio. Não havia lugar para sentarmos e
nem nada do tipo. E Ayrton usava um dos bonés do Stuart, com aba puxada para
baixo onde escondia o rosto e as orelhas apareciam. A gola do seu casaco estava
para cima, pois estava frio.
Quando ele perguntou o que
nós escolheríamos para comer nós dissemos: "Bem, nós não sabemos se você deveria comer isso pois é um pouco gorduroso, mas nós comeremos salgadinhos com
molho e maionese.
Ayrton disse: "Eu sei que não deveria comer, mas eu amo
salgadinhos" Então Ayrton se fartou de salgadinhos e molhos, sentado numa
calçada, na beira da estrada entre eu e Stuart.
As pessoas estavam passando e ninguém nos olhava mais que duas vezes pois nós não estávamos com nossos
uniformes da Lotus. Então estávamos ali sem chamar atenção.
Então o Jean Sage, diretor da
equipe Renault veio atrás . Avistando Stuart ele gritou: "Oi Stu,
apreciando petiscos hein?" Então ele olhou para o
restante de nós. Ele olhou para Ayrton e
arregalou os olhos, deu um duplo salto para trás chocado em ver um piloto
sentado no chão comendo conosco. Ele se recompôs e disse pra
si mesmo "Tudo bem." E foi embora. Ele foi o único a reconhecer Ayrton.
Senna vence o Grande Prêmio da Bélgica 1985
Quando terminamos o passeio gastronômico e caminhávamos pela rua de volta, perguntamos ao Ayrton como ele
faria para voltar ao seu hotel. Ele estava hospedado em algum lugar no Dorint, ele não sabia voltar para lá e nós ficamos perplexos. Então avistamos Bob McMurray
da McLaren que gentilmente se ofereceu para levá-lo ao seu hotel. No dia seguinte Ayrton
derrotou Nigel Mansell e venceu o GP da Bélgica. Ficou provado então que
salgadinhos com molho era ótimo para corredores.
Ayrton e a mãe Neyde Senna na época que ele corria na Lotus
Ayrton and his mother in Lotus times
Imola foi a próxima corrida
após sua primeira vitoria lá, a mãe de Ayrton queria nos dar alguma coisa para
celebrar a ocasião e nos agradecer por cuidar de seu filho. Ela deu uma caneta cara para
Stuart em uma capa bonita, e para mim uma bela corrente de prata com um
pingente em forma de pedra azul, também num belo embrulho de presente. A pedra
tradicionalmente brasileira servia para afastar mal
olhado ou "olho gordo" como se diz no Brasil. Ela deixou uma nota escrito: "Eu quero que use isso Diana, enquanto Ayrton estiver correndo, ainda que você um dia não esteja mais na mesma equipe que ele"
A mãe de Ayrton Senna, dona Neyde, assistindo uma corrida do
filho nos anos 80. Foto: motorinolimits.com
Neide Senna, Ayrton's mother, watching a race on 80's. Photo:
motorinolimits.com
Quando Ayrton me deu o
presente, me disse: "Mamãe quer que você use isso" E eu usei em todos os fins de
semana como ela me pediu. Em todos os fins de semana
que ele correu e só guardava o cordão na caixinha quando não tinha corrida. Eu não sou realmente uma
pessoa supersticiosa ou muito religiosa, mas algo me compelia a fazer isso.
Prints do capítulo do livro que fala sobre Ayrton Senna
Di Spires Memories about Ayrton Senna ( Book Parts in english)
FONTE PESQUISADA
SPIRES, Diana; FERGUSON, Bernard. I Just Made
the Tea. 1º Edição. Sparkford: Haynes Publishing, 2012.
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