quinta-feira, 23 de agosto de 2018

No Vácuo do Campeão



ROBERTO BASCCHERA, de São Paulo 

Jornal do Brasil, dezembro 1994

Como vivem os irmãos e pais de Ayrton Senna sete meses após a morte do piloto

Nos sonhos que perseguem Leonado Senna da Silva, o irmão Ayrton bate seu Williams a mais de 200 quilômetros por hora num muro de concreto, o carro rodopia e para. Segundos depois, ao contrário do desastre de 1° de maio em Ímola, na Itália, o tricampeão mundial destrava o cinto de segurança e deixa rapidamente o cockpit destroçado, tentando se livrar do possível impacto de outros carros que participam do Grande Prêmio de San Marino. O sonho – na verdade um grande pesadelo – é a única ligação que o empresário Leonardo e toda a família Senna da Silva dizem manter com as corridas de automóveis nesses sete meses que se seguiram à morte do maior e mais conhecido ídolo do esporte nacional depois de Pelé.


Apesar da tragédia de Ímola, não se pode dizer que os Senna da Silva abdicaram da emoção da velocidade. Aproveitando a oportunidade oferecida pelo Salão do Automóvel, na última semana de outubro, Leonardo arrematou para os momentos de lazer, numa opção aos videogames que mantém em seu amplo apartamento dos Jardins, um Lamborghini Diablo VT, um bólido equipado com motor de 12 cilindros e que vai da imobilidade aos 100 quilômetros por hora em pouco mais de quatro segundos. O brinquedo, recomendado apenas para os iniciados, custa US$ 391 mil, o preço de um bom apartamento na Zona Sul de São Paulo. "É quase um carro de pista, como eu sempre quis", afirmou Leonardo, radiante e ao mesmo tempo incomodado com a descoberta de sua compra.


A irmã Viviane optou por abandonar temporariamente os clientes de seu consultório de psicologia para se dedicar exclusivamente a organizar a Fundação Ayrton Senna. Por conta desses compromissos, tem passado a maior parte do tempo no exterior, representado a família nas centenas de homenagens que pipocaram em memória do piloto. Quando está em São Paulo, ela é protegida por uma secretária fiel e pouco humorada, responsável pela triagem da correspondência e das ligações que chegam ao escritório no bairro de Santana. Ao fax enviado pelo Jornal do Brasil com um pedido formal de entrevista, Viviane respondeu tão gentil quanto negativamente. "Devido ao próprio estabelecimento da Fundação, estou dedicando todo o meu tempo disponível para isso, não sendo possível atendê-lo no momento."

A família Senna continua vivendo em função de Ayrton não somente em razão dos inúmeros negócios iniciados pelo piloto, como a venda dos automóvies alemães Audi e dos eletrodomésticos italianos DeLonghi. Tudo o que cerca os Senna da Silva continua sendo notícia. Coincidência ou não, a velocidade permanece como o principal mote. A revista inglesa Autosport trouxe na edição de duas semanas atrás a informação de que o Grupo Ayrton Senna estaria estudando a viabilidade econômica de montar sua própria equipe de Fórmula-1. A família, porém, mantém silêncio sobre o caso – que agita a Europa e desperta a cobiça de muitos pilotos endinheirados e desempregados pelo mundo.


Os símbolos de status e riqueza que se tornaram marcas registradas do piloto quando vivo continuam ativos, embora de forma bem menos cinematográfica. O helicóptero Esquilo utilizado pelo piloto para as fugas à mansão de Angra dos Reis hoje transporta a família para os fins de semana na fazenda de Tatuí. O Lear Jet 35, que durante muito tempo serviu como opção aos aborrecidos vôos comerciais que Ayrton era obrigado a frequentar é o meio mais prático de levar os executivos da Senna Import em inauguração de concessionárias Audi pelo país.

A mansão de US$ 4 milhões em Angra ainda serve como refúgio para Leonardo e amigos nos fins de semana prolongados e de muito calor.

A vida social da família Senna da Silva também mudou, mas não radicalmente. Milton e Neyde, os pais de Ayrton, continuam tão arredios quanto antes do acidente. Eles se preocupam com assaltos e sequestros, motivos que levaram o casal a se mudar, há dois anos, da ampla casa da Avenida Cantareira, Zona Norte, para um apartamento duplex no Pacaembu.

O casal cumpre poucos compromissos, geralmente em família, e se refugia na fazenda de Tatuí nos fins de semana – foi lá, por sinal, que Milton da Silva fraturou o fêmur numa queda na sauna, semanas antes da tragédia de Ímola. Ele não recobrou totalmente os movimentos da perna, mas já não usa bengala.

Dona Neide continua se dedicando aos assuntos familiares. A mãe do Senna e a irmã dele sempre andam acompanhadas de motoristas e seguranças. Milton da Silva voltou a trabalhar na semana seguinte à tragédia que se abateu sobre a família. Do alto da torre de vidro de 16 andares que Ayrton construiu no bairro de Santana há três anos, ele continua atuando como "conselheiro" nos negócios tocados por Leonardo, pelo genro Flávio Lalli e pelo sobrinho Fábio Machado.

Às saídas noturnas de Leonardo Senna continuam sendo frequentes. Leonardo frequenta semanalmente a boate Gallery e é uma das figuras mais requisitadas da casa. Ultimamente, tem requisitado também os bons restaurantes para divulgar os resultados dos negócios da família, que vão muito bem, obrigado.

Uma das tarefas mais penosas que se seguiram à morte de Ayrton foi localizar a modelo e mais famosa namorada do tricampeão. Ela andava nesses meses todos totalmente reclusa. Portugal? Campinas? São Paulo? Onde esteve Adriane?

Nos últimos sete meses, Adriane praticamente não teve contato com a família do ex-namorado, em especial com dona Zaza (como trata dona Neyde, mãe de Ayrton), mas nega que senha sido simplesmente ignorada pelos Senna da Silva. Diplomaticamente, justifica a distância com o argumentos que "perdeu Ayrton depois de um ano e meio, enquanto os pais e a família o perderam depois de 34 anos". Adriane também não gosta de falar no episódio do cancelamento, por parte de Leonardo Senna, da conta conjunta que mantinha com o namorado. "Isso tudo é abobrinha. E ponto final", encerra, irritada.





FONTE PESQUISADA

BASCCHERA, Roberto. No vácuo do campeão. Jornal do Brasil, dezembro de 1994, páginas 35 - 38.


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