sábado, 26 de janeiro de 2019

O REI DAS RUAS



- Vocês estão fechando negócio comigo, mas eu digo: vocês têm que ser rápidos. Na minha atividade de piloto, o amanhã nunca se sabe.

O senso de humor de Senna deu o tom para a reunião de agosto de 1993 em que ele acertou uma parceria comercial, para o Brasil, com Giuseppe De Longhi, dono do gigante europeu dos aquecedores e condicionadores de ar. A frase de Senna não era apenas mais uma tirada bem-humorada.



Ayrton tomou um grande susto no dia 20 de maio, durante o primeiro treino oficial para o GP de Mônaco, em sexta marcha, a cerca de 260 por hora. Um sensor eletrônico da suspensão interpretara erradamente uma ondulação da pista e fizera a traseira do carro arriar. A McLaren dera uma violenta guinada para a direita e fora de encontro ao guard-rail. O carro ainda bateu do outro lado da pista e desceu a avenida em pedaços, até parar na pequena área de escape da curva Saint Devote. A seqüência de pancadas foi tão forte que Ayrton ficou sentado, quieto e grogue, perto do carro, por cerca de dez minutos. Seu relato a Lemyr Martins:

"Eu nem sei como saí do carro. Não me recordo de ter aberto o cinto, tirado o volante e nem o capacete. Via as pessoas que estavam à minha volta como se fosse através de um vidro fosco. Até a voz do comissário de pista parecia um eco. Só voltei à razão quando senti uma dor aguda na mão esquerda. Pensei que estava quebrada.”



Era apenas uma luxação. Mais tarde, ao assistir às imagens do acidente, registradas por um cinegrafista amador, ele exibiu sua incomum capacidade de fotografar, em detalhes, aquelas viagens violentas, com segundos de duração, que às vezes ele e os outros pilotos da Fórmula 1 faziam, no limite entre a sorte e a fatalidade:

"Na primeira batida, de frente, até achei que o nariz do carro poderia absorver parte do choque. A segunda foi a pior de todas, porque o carro já estava sem nariz e, ainda muito veloz, foi de frente de novo contra o guard-rail. Lembro que cheguei a mexer as pernas, esperando a batida.

É inacreditável que eu tenha saído inteiro.”

Três dias depois do acidente, Senna teve outra sensação naquelas ruas que lhe davam tanta sorte e alegria. O pole position Prost, sem se entender com o câmbio eletrônico da Williams, queimou a largada e foi punido com uma parada obrigatória de dez segundos nos boxes. Schumacher, o herdeiro da liderança, àquela altura com um Ford ainda mais potente do que o que equipava a McLaren, também ficou pelo caminho, com um vazamento no sistema hidráulico. Ayrton recebeu, pela sexta vez, o troféu de vencedor do GP de Mônaco, tornando-se o novo recordista do circuito.










Ayrton Senna Beija Adriane Galisteu Depois de Vencer em Mônaco 1993


A vitória aparentemente fácil escondeu outra façanha, mistura de sacrifício físico com habilidade psicomotora. A mão esquerda ficara inchada e dolorida, depois do acidente na Saint Devote, e ele temia não conseguir dar mais do que três ou quatro voltas rápidas. Para poupá-lo da dor, a McLaren mudou todos os comandos, dentro do cockpit, facilitando o uso da mão direita. Canhoto, ele se adaptou perfeitamente à mudança durante a corrida, mas quase desmaiou de exaustão, por duas vezes, na sala de imprensa improvisada no salão de uma escola infantil.

Exaustão e emoção. Ao lado de Senna, na entrevista, o segundo colocado na prova, Damon Hill, filho de Graham, o piloto que até a bandeirada daquela tarde dividia o recorde de vitórias do circuito com Senna, fez uma homenagem que levou o novo "rei" de Mônaco às lágrimas:

"Tenho certeza de que, se estivesse aqui, meu pai seria o primeiro a dar os parabéns. É uma honra que seu recorde tenha sido superado por um piloto como Senna.”

As emoções boas, na pista, começaram a escassear a partir daquele fim de semana. Senna obtivera uma ilusória liderança do campeonato, somando ao sexto triunfo em Mônaco as vitórias de Interlagos e Donnington Park, mais os segundos lugares de Kyalami e Barcelona.

Ele estava com 39 pontos e Prost com 34. Só não marcara pontos em Imola, onde liderou na pista molhada e chegou a resistir à Williams de Prost, até abandonar com uma pane hidráulica na quadragésima volta.

Depois da vitória em Mônaco, viriam sete vitórias seguidas da Williams-Renault, uma de Michael Schumacher e muita decepção com a McLaren.

Fora da pista, no entanto, Senna ria à toa. Como nunca.


Até Nelson Piquet, o filho, então com sete anos, entrou na fila acompanhado da mãe, Sylvia Tamsma, para ganhar um cumprimento de Ayrton naquele glorioso GP de Mônaco. Recebeu um abraço e um beijo carinhoso de um Senna que, para todos que o conheciam mais, estava irreconhecível, risonho e orgulhoso. Para Nirlando Beirão, aquele fim de semana foi o melhor momento do namoro de Senna com Adriane:

"Ayrton convidou Adriane para acompanhá-lo na corrida e ela, acostumada às butiques de classe média, não sabia nem o que botar na mala para a viagem. Seria o primeiro vôo internacional de uma jovem paulistana de origem modesta que nem o Rio de Janeiro conhecia. A mudança era violentíssima: de uma hora para outra, estaria voando para o paraíso da burguesia européia na primeira classe de um Jumbo 747, ao lado de um tricampeão mundial de Fórmula 1.”


Para Nirlando, não por outra razão, o melhor momento do livro que ele escreveu a partir do depoimento de Adriane também foi o do relato daqueles dias em Mônaco. Num dos trechos, ele descreveu o deslumbramento de Adriane, ao lado de Senna, durante o jantar da vitória:

"O auditório estava apinhado. Ficamos bem no centro da mesa principal. Eu olhava para o lado e via o príncipe Albert. Virava para o outro, Michael Douglas. E aquela menina bonita? Ah, a Cindy Crawford, com seu namoradão grisalho e charmosérrimo, Richard Gere. De repente, quem está olhando para mim, quase em frente? A princesa Caroline. Faço um aceno protocolar com a cabeça e abaixo os olhos, morta de inibição. Nunca se viu tanta concentração per capita de beleza e fama.”


O radialista Luis Roberto, correspondente de Fórmula 1 do Sistema Globo de Rádio, já na viagem de volta de Mônaco para o Brasil, testemunhou um momento que, de acordo com ele, "parecia filme publicitário". Da sala de embarque do Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, à espera da conexão para São Paulo, ele identificou, na pista, o jato de Senna, taxiando. Era Galvão Bueno, desembarcando para pegar a mesma conexão para o Brasil, depois de uma carona de luxo no avião do amigo:

"Ayrton e Adriane também desceram e, enquanto Galvão se afastava, os dois ficaram abraçados, trocando gestos carinhosos. Eu fiquei impressionado com a beleza daquele momento. Aquele namoro tinha mesmo uma luz diferente.”


Reginaldo Leme, ainda em processo de reaproximação com Senna, não apenas registrou aquele novo estado de espírito. Fez até uma cuidadosa provocação:

- Aí, cara, está descobrindo a vida, hein?

Jo Ramirez não hesitou ao apontar o ano de 1993 como o período mais feliz da vida de Senna, pelo menos nos seis anos em que os dois conviveram na McLaren:

"A partir do namoro com Adriane, Ayrton continuou muito competitivo, mas passou a encurtar suas conversas telefônicas relacionadas com treinos e corridas. Limitava-se a perguntar se estava tudo certo. E encerrava logo a conversa.”


Para Tereza Brown, a amiga e confidente, Ayrton resumiu aquela fase da vida com um comentário curto, mas para ela muito significativo:

- Estou bem, comadre.





Ayrton Senna Diz Que é Muito Feliz Com Adriane Galisteu



Ayrton Senna é admirado pelos homens e amado pelas mulheres e com o seu sucesso, tem sempre ao seu redor muitas belas mulheres. Mas ele tem apenas uma: a Adriane, e as outras mulheres tem que ficar calmas.

"Eu sou muito feliz. Cada piloto... tendo uma vida como nós [pilotos] brasileiros, girando o mundo com a Fórmula 1, merece as vezes se acalmar um pouco, e dividir com uma mulher especial a nossa vida. Eu sou feliz."


Ano 1993




FONTE PESQUISADA

RODRIGUES, Ernesto. Ayrton, o herói revelado. Edição 1. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004.



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