sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - Adriane Galisteu vê pela última vez Ayrton Senna



A última vez que vi seu rosto, eu tive de repartir esse privilégio com milhões de espectadores. Vi e revi por uma centena de vezes aquele longo, longuíssimo momento de meditação e concentração no boxe da Williams antes da largada em Ímola. A tevê repisou insistentemente, eu acionei inúmeras vezes o replay, porque em tudo aquilo havia a indisfarçável expressão de um mistério. A cena acentuava o sentimento que ele me deixou, por telefone, na véspera: se pudesse, não corria. Ayrton Senna ia sair na frente, como pela 65° vez em sua carreira - pole position, sempre motivo de orgulho. Mas aquele choro infantil (me contaram, depois, que ele se escondeu no boxe, no sábado, para chorar em paz) me acendeu uma luz de alerta. E aí veio a imagem da tevê.
Dia de corrida, para ele, era pura adrenalina. Chegava sempre muito cedo ao boxe, energia a mil, brincando com os mecânicos. Braga não sentiu muita diferença à chegada, mas, depois do warm up, depois daquela sumida tradicional no motor home, ele voltou sisudo e circunspecto. Apoiou, meio desligado, as duas mãos no aerofólio traseiro. Ficou muito tempo concentrado, com o olhar vazando o que havia na frente. Aí, sim, demorou-se numa lentíssima inspeção do carro. Aquilo me chocou, porque percebia que havia um Ayrton que olhava atentamente e outro Ayrton que parecia totalmente alheio. Ficou assim, imóvel, um tempo intolerável. Idéias tinham tempo suficiente para se suceder em sua cabeça. Patrick Head, o diretor técnico, aproximou-se, como que para despertá-lo daquele momento de absoluta intimidade. Só então ele botou máscara, capacete e se meteu no cockpit, sem dizer uma só palavra. Apertou o cinto. Pela brecha da viseira, eu vi meu homem triste.


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