sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - O começo na Williams



- Está sendo difícil pra mim - dizia ele.
- Como?
- A Williams está sendo difícil pra mim - repetia.
Desde os primeiros testes oficiais no Estoril, em meados de janeiro, testes que o Braga acompanhou, já que ele ficou hospedado em Sintra, Ayrton andava se queixando ao travesseiro. Sentia-o cabisbaixo. Ele havia brigado muito por aquilo. A Williams era uma conquista.  .
- Lutei muito para sentar naquele carro, para estar ao lado do Frank Williams. Mas estou sentindo que vai me dar trabalho. Ou eu não me adaptei ao carro ou é o carro que não foi com a minha cara.
Eu o ouvia: no fundo, ele achou que ia sentar no Williams, encontrar um carro acertadinho, acelerar e partir para o abraço da galera. Mas vieram as mudanças no regulamento da FIA, uma tentativa de nivelar por baixo. Eu o ouvia e vinha com minhas opiniões de leiga:
- É uma imbecilidade mudar a regra. A Fórmula 1 vai andar para trás.
Palpite meu: se já existiam os computadores, a eletrônica em cima, o próprio sistema eletrônico garantindo uma segurança muito maior, controlando a aceleração e a aderência, por que voltar à era da manivela? Ele concordava e pegava especialmente num ponto: o reabastecimento em plena corrida.
- Quero ver só como vai ser - disse, com uma ponta de ironia e, como se viu depois, uma sabedoria profética. Design atualíssimo, motores poderosíssimos, modernidade absoluta na questão da aerodinâmica - e, do ponto de vista da segurança, muitos passos para trás. Vejam bem: isso a gente dizia bem antes de tudo acontecer. Naquele  primeiro dia que eu vi o Williams, secretamente, na Inglaterra, achei o carro lindo e ainda brinquei com o Béco:
- Pô, de azul você vai estraçalhar corações.
Mas, na minha intuição meio bobona, também achei a frente do carro fina demais - um palmo de bico, se tanto, enquanto a McLaren era mais parrudinha. Dava idéia de fragilidade. Ele estava convencido, porém, de que as mudanças na estrutura do veículo seriam compensadas por pneus mais largos. Comentou comigo. Não aconteceu nada daquilo e ele, às vésperas da estréia, se debatia com a dificuldade de um iniciante:
- Estou praticamente começando do zero - confessou, enquanto eu cabeceava no colo dele, esparramada no sofá. Ele se dividia entre olhar uma prova em Surfer's Paradise, Austrália (é o que penso, vagamente) - "olha só esse Mansell", gritava ele, de repente, "devia estar num circo" - e pensar na corrida que esperava por ele, dali a pouco mais de uma semana.
(As quatro da madrugada, ele me despertou com um beijo e me levou nos braços até a cama, ironizando: "Que bela companhia, eu arrumei".)
Feliz ele estava. Era um desafio. Mas a decepção inicial ele já não escondia.
- Vou pegar leve. É uma equipe nova, caras novas, quero ir mudando as coisas gradualmente. Melhor carro, melhor piloto? Sei não - ele me afirmou, com todas as letras, em Angra.
Interpretem vocês como quiserem essa frase do Ayrton, o determinado, o fanático, o obstinado, contestando o que, de boca em boca, só se proclamava nos bastidores do automobilismo mundial. Vou me dar o direito de interpretá-la assim: finalmente, o homem se colocava num plano superior à máquina. Espiritual e moralmente, ele a sobrepujava. Chamasse Williams, McLaren, Ferrari, Benetton, não importa o nome - Ayrton descobria que o material que o fazia ser humano era bem mais consistente do que o dos carros, que lhe davam títulos, dinheiro e glória.


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