Ayrton Senna da Silva, não há quem duvide, foi o mais
valente, o mais genial, o mais perfeito de todos os pilotos. Isso, a
posteridade se encarregará de guardar. Para mim, quero ficar com a memória do
Béco, um campeão da vida. A imagem que me fica, das últimas semanas, das
conversas às vésperas da despedida, era a de um ser humano integral e completo.
Ainda muito cauteloso no que dizia, ao contrário da ousadia que ele exibia nas
pistas - medindo cada palavra com fita métrica, não havia outro jeito. Mas ele
se abriu comigo como jamais. Eu mudei, com ele. Ele mudou, comigo. A carapaça
tinha derretido. Ele era um homem, com as virtudes, as contradições, a
firmeza e, me permitam, as dúvidas que fazem dessa nossa espécie uma coisa tão
especial na ordem da natureza.
Na nossa última viagem a Angra, na semana anterior ao GP do
Brasil, ele assistiu, no telão, à transmissão completa da primeira prova da
Fórmula Indy - na Austrália, eu acho. Porque a diferença de horário era
tremenda e a prova começava de madrugada no Brasil. Ele via tudo o que tinha a
ver com corrida em quatro rodas - às vezes, também em duas. Havia os amigos
brasileiros na briga, Emerson, Raul Boesel e, é claro, Maurício Gugelmin, com
quem ele dividiu casa quando os dois chegaram, com a cara e a coragem, à
Inglaterra, no início dos anos 80, sonhando com a glória no automobilismo.
Mas, no caso dele, acompanhar a Indy era paixão pura pelo esporte em si - e o
risco da velocidade.
Devastada por um dia de muito calor e esporte, eu me aninhei
no colo dele, resignada em saber que ele ia até o fim, e tentei manter os olhos
e os ouvidos abertos enquanto ele me dizia uma ou outra coisa que, de repente,
me fizeram parar e pensar: espera aí, isso é uma confidência. Ele não diz essas
coisas pra ninguém. Ainda mais para alguém que definitivamente não era do ramo.
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