A temporada de Fórmula 1, que só se abriria no final de
março, já se impregnara na sua cabeça. Por feliz coincidência, a abertura seria
no Brasil - com tudo de bom que isso poderia trazer para o astro Senna. Mas,
para azar do Béco, pessoa física, que ainda estava de férias, o Brasil
significava antecipar a expectativa da responsabilidade da estréia em
casa.
Aquilo que eu poderia chamar de nosso réveillon se estendeu
gloriosamente até 17 de janeiro, num tal clima de paixão e confidências mútuas
que meu reservado namorado se permitiu a liberdade de comentar alguns de seus
antigos romances - tipo do pré-requisito, imaginei eu, para que o passado
ficasse definitivamente arquivado como passado e o presente pudesse ser
plenamente vivido como presente.
Eu, que me sentia premiada pelos deuses, jamais quis
perfurar aquela carcaça de silêncio e não perguntava nada. Ele não era pessoa
de falar nem mesmo de sua infância - tudo o que soube do garoto Ayrton me
foi contado por sua mãe. A rigor, uma única vez antes de Angra, ele comentou comigo,
naquele seu vocabulário de sim ou não, uma notícia que os jornais
divulgavam (senti que ele pretendia me tranqüilizar): aquela história de uma
suposta filha dele com a modelo Marcella Prado, menina a quem a mãe botou
o expressivo nome de Vitória.
- Passamos um réveion juntos - me confirmou. - Mas não há
hipótese de a filha ser minha.
Naquelas noites aconchegantes de Angra, em que o mar vinha
praticamente beijar os nossos pés e os murmúrios dos bichos se calavam, ele me
falou da Xuxa, do tchans que ela chegou a provocar nele, três anos atrás, da
sensação de que o mesmo teria acontecido com ela, e o desfecho muito rápido,
meio frustrante. Nunca mais se viram - daí a surpresa quando ela passou, de
mãos dadas com a Viviane, diante do túmulo do Sena. Mas Béco me falou dela com
carinho, e é por isso que eu me atrevo a reproduzir, aqui, sem a riqueza de
detalhes que eu conheci, uma história de amor que não me pertence. Se for uma
inconfidência indevida, eu me desculpo.
Ele também me perguntara de meus namorados e eu tinha visto
fotos de outras namoradas dele na casa da Luiza e do Braga, em Sintra - algumas
duradouras, outras quase sempre passageiras. Não contamos vantagem nem fizemos
tabu do passado. Nuno brincava comigo, na frente dele: - Esse aí é um grande
mulherengo.
Do tipo quietinho: parece que não é, mas é. Eram ocasiões
descontraídas, em que um amigo dele de dez anos visivelmente prestava uma
homenagem a mim. Como se dissesse "agora ele é só seu". Disse, uma
vez, literalmente, ao fim de uma sessão de ginástica no campus da Universidade
de São Paulo, debaixo de uma árvore torta aonde ele gostava de nos levar.
"Essa menina dá equilíbrio para você", comentou com o Ayrton, para minha
surpresa e acanhamento dele. Percebendo a timidez do discípulo, Nuno
brincou:
- Olha só o biotipo dela. Vocês terão filhos esculturais.
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