O mundo de Ayrton Senna era a casa de Ayrton Senna. Angra
andava a mil, naquele mês de janeiro de 1994, com exposições náuticas e a ilha
de Caras, mas o que ele queria era sol e água fresca. Explorávamos ilhas
distantes e enroscávamos em praias desertas. Recordo-me, em êxtase, do dia em
que os beijos ardentes que nós tínhamos só ensaiado sobre a areia prosseguiriam
no sacolejo das ondas, dentro da lancha, nós dois sozinhos. Dos beijos e dos
sacolejos nasceu a ânsia do amor. Lembro-me também daquela urgência de
peças de roupas arrancadas, braços entrelaça dos, unhas cravadas, leme
abandonado, nau sem rumo. Brotou um amor selvagem, irresistível,
incontrolável - taí, eu digo com todo o orgulho de mulher amada, um Ayrton
que ninguém experimentou.
Um dia, um susto. Da praia, cochilando sobre minha canga, no
aconchego daquele verão a mil, eu me esquecia da vida, enquanto ele dava vazão
a sua inesgotável energia. Era um daqueles seus dias de speedy Béco -
pensando bem, qual é que não era? Sempre no mar, sempre em busca de emoção e
velocidade. Lancha, ski, o que fosse. Cauteloso, porém, com um colete
salva-vidas, ele se divertia no slalom, saltando sobre as ondas, fazendo
manobras radicais, enquanto era puxado pelo jet-ski. De repente, uma curva mais
fechada, um rodopio forçado e várias piruetas no ar. A Quinda, ao meu lado, deu
o alarme.
Socorrido, voltou para o píer com o tórax encurvado e uma
expressão de muita dor no rosto:
- Ai, ai - gritava, enquanto se recostava na areia.
O impacto na água fora tão forte que lhe faltava ar. Eu
corri para ele. Corre-corre para lhe trazer água, um suco, sei lá. Não é
exagero meu: foi uma semana inteira de ais e quase total inatividade.
Mandou buscar de helicóptero, em São Paulo, sua fisioterapeuta, a Elaine.
Instalou-a no Clube Med, ali pertinho, e a partir daí não houve um dia em
que ele dispensasse seis horas, marcadas no relógio, de massagens, exercícios
abdominais, ginásticas específicas para as costas e os ombros, choques frios e
quentes. Parou com tudo, exceto com as corridas matinais, no píer da Petrobrás
- mas, ainda assim, diminuiu o ritmo. Nos bons tempos, ele corria 20 quilômetros
naquela pista improvisada, com a desvantagem posterior de que a notícia se
espalhou por Angra e arredores e muito candidato a atleta passou a aparecer para
compartilhar daquele exercício matinal com o ídolo. Sorte dele é que ninguém,
mesmo os mais fortões, conseguia acompanhá-lo.
- Já estou achando um pouco demais - comentou Maria, mesmo sabendo
do seu conhecido medo de se machucar.
Eu tentava animá-lo:
- E aí, Béco, está melhor?
Senti que o susto tinha tido uma função terapêutica. O que
aconteceu foi que, naquele paraíso tropical em que a gente se esbaldava, pleno
janeiro, férias totais, o Senna piloto tinha subitamente acordado para as
responsabilidades que o estariam esperando dali a algumas semanas.
- Preciso estar preparado - me disse. - Tem um carrão aí a
minha frente, esperando por mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário