sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - A vida em Angra dos Reis e a tensão por estar começando a temporada de F1


O mundo de Ayrton Senna era a casa de Ayrton Senna. Angra andava a mil, naquele mês de janeiro de 1994, com exposições náuticas e a ilha de Caras, mas o que ele queria era sol e água fresca. Explorávamos ilhas distantes e enroscávamos em praias desertas. Recordo-me, em êxtase, do dia em que os beijos ardentes que nós tínhamos só ensaiado sobre a areia prosseguiriam no sacolejo das ondas, dentro da lancha, nós dois sozinhos. Dos beijos e dos sacolejos  nasceu a ânsia do amor. Lembro-me também daquela urgência de peças de roupas arrancadas, braços entrelaça dos, unhas cravadas, leme abandonado, nau sem rumo. Brotou um amor selvagem, irresistível, incontrolável - taí, eu digo com todo o orgulho de mulher amada, um Ayrton que ninguém experimentou.
Um dia, um susto. Da praia, cochilando sobre minha canga, no aconchego daquele verão a mil, eu me esquecia da vida, enquanto ele dava vazão a sua inesgotável energia. Era um daqueles seus dias de speedy Béco - pensando bem, qual é que não era? Sempre no mar, sempre em busca de emoção e velocidade. Lancha, ski, o que fosse. Cauteloso, porém, com um colete salva-vidas, ele se divertia no slalom, saltando sobre as ondas, fazendo manobras radicais, enquanto era puxado pelo jet-ski. De repente, uma curva mais fechada, um rodopio forçado e várias piruetas no ar. A Quinda, ao meu lado, deu o alarme.
Socorrido, voltou para o píer com o tórax encurvado e uma expressão de muita dor no rosto:
- Ai, ai - gritava, enquanto se recostava na areia.
O impacto na água fora tão forte que lhe faltava ar. Eu corri para ele. Corre-corre para lhe trazer água, um suco, sei lá. Não é exagero meu: foi uma semana inteira de ais e quase total inatividade. Mandou buscar de helicóptero, em São Paulo, sua fisioterapeuta, a Elaine. Instalou-a no Clube Med, ali pertinho, e a partir  daí não houve um dia em que ele dispensasse seis horas, marcadas no relógio, de massagens, exercícios abdominais, ginásticas específicas para as costas e os ombros, choques frios e quentes. Parou com tudo, exceto com as corridas matinais, no píer da Petrobrás - mas, ainda assim, diminuiu o ritmo. Nos bons tempos, ele corria 20 quilômetros naquela pista improvisada, com a desvantagem posterior de que a notícia se espalhou por Angra e arredores e muito candidato a atleta passou a aparecer  para compartilhar daquele exercício matinal com o ídolo. Sorte dele é que ninguém, mesmo os mais fortões, conseguia acompanhá-lo.
- Já estou achando um pouco demais - comentou Maria, mesmo sabendo do seu conhecido medo de se machucar.
Eu tentava animá-lo:
- E aí, Béco, está melhor?
Senti que o susto tinha tido uma função terapêutica. O que aconteceu foi que, naquele paraíso tropical em que a gente se esbaldava, pleno janeiro, férias totais, o Senna piloto tinha subitamente acordado para as responsabilidades que o estariam esperando dali a algumas semanas.
- Preciso estar preparado - me disse. - Tem um carrão aí a minha frente, esperando por mim.


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