Privilégio meu sentir isso de perto, juntinha, agarradinha.
Concordo com Nuno: um corpo que era uma escultura. Se era assim, por que ter
ciúme? Um ídolo mundial, com milhões de mulheres sonhando em estar no meu
lugar. E, no entanto, por alguma misteriosa razão, era eu. Seria impossível
viver perseguida por um ciúme desse tamanho. Em janeiro de 1994, eu
escrevi a ele: "Béco, não me importo de ser a sombra, quando você é a
figura; ser a situação quando você é o assunto".
Não é meu, isso. É do marido da Glória Pires, Orlando
Moraes, que compôs esta música para ela.
Toda vez que o Ayrton viajava, eu escondia um bilhetinho na
sua carteira, ou em algum canto de sua mala. Esse, foi com ele numa daquelas
viagens rápidas que ele fez no início do ano, para testes com o Williams novo,
na Europa. Tenho anotado na minha agenda: 24 de janeiro, segunda-feira, 18h30,
vôo 901 da Varig. Béco chega ao Rio. Dali, direto para Angra. Não pude
esperá-lo, dessa vez. Minha avó fora operada cinco dias antes. Tinha um tumor
cerebral do tamanho de uma laranja. Estava no hospital, em São Paulo. Fui
visitá-la. Ela já não respondia a nenhum estímulo. Uma das pessoas mais vitais
que eu conhecera - e, agora, jazia num quarto de hospital, inerte. Eu tinha
trazido para ela, de Portugal, um terço de Nossa Senhora de Fátima, feito de
pétalas de rosas. Pendurei-o acima da cama dela. Olhei mais uma vez para seu
rosto e pensei: ela viveu, sofreu, foi feliz. Chorava e orava. Rezei a Deus,
rezei muito. Com todas as minhas forças, pedia pela sua morte.
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