Seria uma separação de quase um mês - nunca tinha acontecido
isso conosco. Por uma boa razão: em São Paulo, eu ia cair de cabeça num curso
de inglês, gênero imersão total, no Berlitz. Era um prêmio e uma
responsabilidade. Ayrton visivelmente investia em mim, em meu futuro, em
minha companhia. Lá do Japão, ele me ligava todos os dias, com a mesma
pergunta: "E o inglês, como está?" Um fax meu diria mais do que
minhas palavras. Dizia: "Minha vida está dura sem você, mas estou tentando
canalizar todas as forças para meu curso de inglês. Por enquanto, entendo mais
do que falo, mas com certeza eu chego lá". Em inglês, tudinho.
Conversávamos todos os dias - sem exceção. Nos horários mais
incríveis, culpa do fuso horário, mas também da nossa ansiedade em nos falar.
Um dia, o telefone me despertou às seis da manhã - e ele tinha uma surpresa
para mim:
- Você já foi à banca?
- Pô, a essa hora, Béco?
- Então, vai.
Era o sinal definitivo do
sacode-a-poeira-e-dá-volta-porcima: na capa de Caras, nós dois, ele e eu,
fotografados numa de nossas últimas temporadas na fazenda de Tatuí. Muitas
fotos, os dois abraçadinhos ao pôr-do-sol, a cavalo, passeando de mãos dadas.
Ele havia liberado as fotos para a mesma revista que tinha sido nosso drama. A
mensagem era, no mínimo, mais um aceno de desculpas. Ele assumia, de público,
sem nenhum constrangimento, seu idílio. Detalhe: o cenário do romance era a
fazenda, propositalmente o lugar mais familiar de todos em que convivíamos.
Tinha alguma coisa de simbólico aí, não tinha?
Aquele 3 de abril em que o vi pela última vez me encheu da
certeza de que um relacionamento novo, maduro e feliz se instalara entre nós
dois, depois daquele terremoto. Estávamos de bem com a vida. Fiz a mala dele e
a deixei pronta, para a volta da fazenda. Tivemos a tarde toda para, no
apartamento da Paraguai, falar, rir, relaxar, amar - como talvez nunca
tivéssemos nos amado. Foi um dia especial - e nem ele nem eu haveríamos de
desconfiar por quê. Levei-o a Cumbica no meu Fiat e ainda tínhamos meia hora
para gastar. No carro. Papo delicioso. Abraços e beijos. Ele se despediu com
aquele sorriso gostoso:
- Estou de olho em você, garota.
- Eu também estou de olho em você, garotinho. Já estou com
saudade.
- Estou de olho em você, garotinha. Também com saudade.
Ele ainda repetiu, cheio de carinho. A despedida, mais os
suspiros da longa tarde de amor que tivemos no dia de sua partida para o Japão,
e mais aquele beijo de partida, caliente, de novela mexicana, aquele beijo que
trocamos ainda dentro do carro, tudo aquilo me rodopiava na memória como uma
mensagem enigmática que eu precisava decifrar - um quebra-cabeças cujas peças,
justapostas, me indicariam a rota da minha futura relação com ele.
Este era o seu estilo de se relacionar com a vida e com a
pessoas. Discreto por natureza, dizia o mínimo necessário; mas, determinado em tudo
o que fosse do seu interesse, agia no sentido do fundamental.
Surpreendi-me, uma vez, com uma inconfidência, feita na
cumplicidade dorminhoca do sol de Angra, ao final de um entardecer de pura
alegria:
- Um dia, vou me casar com você - (e eu me vi imediatamente,
sei lá por que, de véu e grinalda, naquela capelinha na Jipóia, ali pertinho,
aquela mesma a que ele se referiu na nossa primeira noite de amor). - E um dia
vou correr na Ferrari.
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