sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - Ayrton Senna vai para a Europa e faz uma linda homenagem para Adriane Galisteu através da Revista Caras




Seria uma separação de quase um mês - nunca tinha acontecido isso conosco. Por uma boa razão: em São Paulo, eu ia cair de cabeça num curso de inglês, gênero imersão total, no Berlitz. Era um prêmio e uma responsabilidade. Ayrton visivelmente investia em mim, em meu futuro, em minha companhia. Lá do Japão, ele me ligava todos os dias, com a mesma pergunta: "E o inglês, como está?" Um fax meu diria mais do que minhas palavras. Dizia: "Minha vida está dura sem você, mas estou tentando canalizar todas as forças para meu curso de inglês. Por enquanto, entendo mais do que falo, mas com certeza  eu chego lá". Em inglês, tudinho.
Conversávamos todos os dias - sem exceção. Nos horários mais incríveis, culpa do fuso horário, mas também da nossa ansiedade em nos falar. Um dia, o telefone me despertou às seis da manhã - e ele tinha uma surpresa para mim:
- Você já foi à banca?
- Pô, a essa hora, Béco?
- Então, vai.
Era o sinal definitivo do sacode-a-poeira-e-dá-volta-porcima: na capa de Caras, nós dois, ele e eu, fotografados numa de nossas últimas temporadas na fazenda de Tatuí. Muitas fotos, os dois abraçadinhos ao pôr-do-sol, a cavalo, passeando de mãos dadas. Ele havia liberado as fotos para a mesma revista que tinha sido nosso drama. A mensagem era, no mínimo, mais um aceno de desculpas. Ele assumia, de público, sem nenhum constrangimento, seu idílio. Detalhe: o cenário do romance era a fazenda, propositalmente o lugar mais familiar de todos em que convivíamos. Tinha alguma coisa de simbólico aí, não tinha?
Aquele 3 de abril em que o vi pela última vez me encheu da certeza de que um relacionamento novo, maduro e feliz se instalara entre nós dois, depois daquele terremoto. Estávamos de bem com a vida. Fiz a mala dele e a deixei pronta, para a volta da fazenda. Tivemos a tarde toda para, no apartamento da Paraguai, falar, rir, relaxar, amar - como talvez nunca tivéssemos nos amado. Foi um dia especial - e nem ele nem eu haveríamos de desconfiar por quê. Levei-o a Cumbica no meu Fiat e ainda tínhamos meia hora para gastar. No carro. Papo delicioso. Abraços e beijos. Ele se despediu com aquele sorriso gostoso:
- Estou de olho em você, garota.
- Eu também estou de olho em você, garotinho. Já estou com saudade.
- Estou de olho em você, garotinha. Também com saudade.
Ele ainda repetiu, cheio de carinho. A despedida, mais os suspiros da longa tarde de amor que tivemos no dia de sua partida para o Japão, e mais aquele beijo de partida, caliente, de novela mexicana, aquele beijo que trocamos ainda dentro do carro, tudo aquilo me rodopiava na memória como uma mensagem enigmática que eu precisava decifrar - um quebra-cabeças cujas peças, justapostas, me indicariam a rota da minha futura relação com ele.
Este era o seu estilo de se relacionar com a vida e com a pessoas. Discreto por natureza, dizia o mínimo necessário; mas, determinado em tudo o que fosse do seu interesse, agia no sentido do fundamental.
Surpreendi-me, uma vez, com uma inconfidência, feita na cumplicidade dorminhoca do sol de Angra, ao final de um entardecer de pura alegria:
- Um dia, vou me casar com você - (e eu me vi imediatamente, sei lá por que, de véu e grinalda, naquela capelinha na Jipóia, ali pertinho, aquela mesma a que ele se referiu na nossa primeira noite de amor). - E um dia vou correr na Ferrari.


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