Outra preocupação de Prost
naquele período era quanto a um possível favorecimento da montadora japonesa ao
seu companheiro. Embora nunca tenha tido certeza disso, o francês tinha sérias
razões para suspeitar e, por isso, aquele cenário acabou sendo prejudicial para
o seu psicológico. Consequentemente, afetou também seu desempenho em pista a
partir do ano seguinte.
“Em novembro [de 88], lembro
de ter tido uma estranha conversa com o presidente da Honda em um jantar,
porque eu disse que sentia que a Honda estava favorecendo Ayrton. Ele me
respondeu: ‘Eu sei, eu sei. Temos uma nova geração de engenheiros que gostam de
Ayrton’. Eu questionei: ‘Há uma forma de mudar isso? Para mim, é muito
difícil’, e fiquei bastante confiante após essa conversa”, contou.
“Mas aí veio 89 e foi um
absoluto desastre. Para mim, 89 foi muito, muito pior. A parte psicológica é
muito importante no desempenho de um piloto, eu diria que corresponde a uns
80%. Se você sente que tem algum tipo de vantagem ou privilégio [para seu
companheiro, fica abalado]. Eu me lembro quando chegavam os motores e sempre
havia alguns reservados para o Ayrton. Eu ficava: ‘Gente, o que é isso? Ele
recebe motores melhores ou é tudo igual? Eu não sei!’. Você não quer ver isso
acontecendo, quer receber tratamento igual. É tudo psicológico. Houve uma
grande diferença entre 88 e 89 e eu nunca entendi o porquê”, continuou.
A gota d’água veio no GP de
San Marino de 89, quando Senna ignorou um acordo entre ambos e o ultrapassou na
curva Tosa, logo após a relargada da prova, interrompida em sua primeira saída
por conta de um grave acidente de Gerhard Berger na Tamburello. De acordo com o
tetracampeão, o brasileiro defendeu que o combinado “não valia” em caso de uma
segunda largada, e chegou a chorar após enfim reconhecer seu erro, durante uma
reunião entre os dois e o chefão da equipe, Ron Dennis.
Ultrapassagem de Senna sobre
Prost no GP de San Marino de 89 mudaria os rumos da história da F1
“Fomos para um teste depois
da corrida e foi ali que começou o problema de verdade. Estávamos em um ônibus
e iniciamos a discussão. Apenas Ron falou e ele disse: ‘O que houve? Vocês
tinham um acordo’, no que Senna respondeu: ‘O acordo só valia para a primeira
largada, não para a segunda. E outra: eu não fiz nada, foi Alain que me
passou’. Na hora eu falei: ‘Ayrton, havia sete milhões de pessoas assistindo
àquela corrida…’. Demorou 20 minutos até que ele aceitasse [o erro], e aí ele
começou a chorar…”, narrou.
“O meu erro foi contar essa
história a um jornalista francês e pedir que ele não publicasse, mas ele
colocou no jornal e Ayrton ficou tão bravo por aquilo ter sido divulgado, que
nunca mais quis discutir essa história”, acresceu.
Imerso em uma ambiência de
total animosidade, Prost resolveu deixar a McLaren ainda em meados de 89, mesmo
com uma proposta de renovação já em andamento e sem ter qualquer contato com
outro time do grid. “Em julho [de 89], eu disse a Ron que iria parar e que iria
anunciar minha saída da McLaren no GP da França. Eles queriam renovar comigo
naquela época, um contrato de mais um ou dois anos. E eu anunciei minha saída
sem ter qualquer contato com outra equipe”, externou.
“É claro que Ferrari e
Williams vieram me procurar rapidamente depois disso, e eu fechei com a Ferrari
talvez duas ou três semanas depois. Mas aí, depois disso, a relação [com a
McLaren] ficou muito difícil… Monza [GP da Itália] foi terrível. Eu tinha o meu
carro e quatro mecânicos trabalhando comigo, enquanto havia dois carros e umas
40 pessoas junto com ele. Isso foi difícil de aceitar”, rememorou.
O ápice da história foi
vivido no GP do Japão, em Suzuka, quando Prost precisava evitar uma vitória de
Senna para ser campeão com uma etapa de antecipação. Na 47ª de um total de 53
voltas, o paulistano fez uma ousada tentativa de ultrapassagem na última chicane
e os dois bateram, em acidente que, para muitos, foi ocasionado propositalmente
pelo francês.
Senna e Prost batem na chicane
de Suzuka, no GP do Japão de 1989
Prost, no entanto, voltou a
defender que o máximo de sua ação foi “não abrir as portas” para a
ultrapassagem do rival. “Ele estava tão atrás que, quando eu olhei no espelho
pela primeira vez, [nem me preocupei, porque] ele estava muito atrás. De
repente, eu o vi do meu lado e não acreditei que ele estava lá. Obviamente, não
mudei [o traçado], fazendo exatamente aquilo que falei que ia fazer. Mas fiquei
muito decepcionado e sabe por quê? Porque eu não venci, e eu poderia ter
vencido facilmente”, disse.
Para o segundo maior vencedor
da história da categoria, a teoria de que Senna só foi desclassificado daquela
etapa por atuação direta sua junto ao chefão da FISA, Jean-Marie Balestre,
também não passou de algo plantado na cabeça do brasileiro.
“Quando você vive uma briga
como essa, muita gente em volta começa a te colocar coisas estúpidas na cabeça.
Isso não ocorria muito comigo, porque eu tinha poucas pessoas ao meu redor, mas
Ayrton era rodeado por muita gente. E ele era extremamente forte em alguns
aspectos, mas também muito fraco no que diz respeito a ser influenciado pelo
que as pessoas diziam, então a situação chegou a um ponto fora de controle”,
argumentou.
O troco do futuro tricampeão
veio em 1990, no mesmo palco nipônico. Assim como Prost no ano anterior, Ayrton
jamais admitiu oficialmente ter colidido de propósito, alegando que já estava
lado a lado com a Ferrari #1 no momento do choque. Não é o que Alain pensa a
respeito: “Para fazer o que ele fez, era preciso manter o pé embaixo, e fazer
aquilo [por dentro, em uma largada] é algo que não passa pela cabeça de um
piloto. Eu queria ter visto a telemetria do engenheiro dele, porque todos
sabiam o que tinha acontecido”, opinou.
Senna atinge Prost no GP do
Japão de 1990
No entanto, os dois nunca
chegaram a conversar para tentar esclarecer o que, de fato, ambos fizeram
naqueles dois polêmicos incidentes que marcaram para sempre suas vidas e a
própria F1. “Não, nunca. Nós conversamos sobre muitas coisas em 1993, sobre diferentes
assuntos, mas nunca mais tocamos nesse ponto”, assegurou Prost.
Mais um assalto deste
tremendo duelo foi vivido em 93, quando Prost assinou com a Williams e vetou a
chegada de Senna à equipe. Fatigado da árdua batalha que vivera com seu então
inimigo na McLaren, o francês admitiu que aquela foi sua única exigência nas
negociações com Frank Williams, ainda em 92. Depois, por pressões do próprio
chefe e da Renault, ele teve de ceder em meados de 93 e preferiu se aposentar
de vez ao fim da temporada, mesmo vinculado à escuderia até o fim de 94.
“Eu nunca exigi ser o
primeiro piloto ou ter qualquer vantagem em meus contratos. Quando assinei com
Frank, em novembro ou dezembro do ano anterior, disse que queria disputar
contra Ayrton, sem problemas, mas não mais no mesmo carro, na mesma equipe. Não
queria fazer todo o trabalho, todo o desenvolvimento e aí ele chegar e só
colher os resultados. E ele respondeu que tudo bem. O contrato era de dois
anos”, lembrou.
“E aí, mais ou menos em
julho, ele me procurou e tentou me explicar que havia uma pressão da Renault pela
contratação de Ayrton. Eu argumentei: ‘Temos um contrato e você sabe o porquê.
Para mim, sem chances, não dá para aceitar’. Mas a pressão foi só crescendo e
crescendo, até ele me ligar e oferecer a rescisão, que eu aceitei sem nenhum
problema. Eu não fiquei tão contente, mas pelo menos fiquei feliz de ter
encerrado aquilo.”
Após mais uma batalha entre
ambos, dessa vez pela conquista de uma vaga na Williams, Senna e Prost enfim
iniciam tempos de paz no pódio do GP da Austrália de 93
Passada a fase “beligerante”,
vieram as pazes, com o memorável gesto em Adelaide, que viria a ser a última
presença de Prost e Senna em uma cerimônia de premiação. “Quando chegamos ao
pódio Austrália, eu não queria pedir nada. Mas foi só subir ao pódio junto com
ele e tudo mudou completamente. A entrevista coletiva foi inacreditável, ele me
ligou dois dias depois e começou a me contar coisas extremamente pessoais, que
não se conta a ninguém”, declarou.
“É difícil falar que viramos
amigos, mas com certeza ficamos muito mais próximos e [a relação] se tornou
algo bem diferente do que era antes. Para todos, a rivalidade contra os
adversários é sempre algo muito importante na F1, e ele me confessava repetidas
vezes: ‘Alain, eu não tenho motivação para competir contra esses caras. Por
favor, volte’.”
Poucos meses depois, naquele
fatídico 1º de maio, Senna morreria em um acidente na Tamburello. Na cabeça de
Prost, ainda restava um último gesto para que as diferenças ficassem de vez no
passado. “Eu liguei para Jean-Luc Legardère, ex-presidente da Matra, que tinha
uma esposa brasileira, e perguntei o que ela achava da ideia de eu ir ao
funeral, se seria bom ou não. E ela disse que eu deveria ir. Eu não estava
muito confiante, mas queria mesmo fazer aquilo e foi muito, muito bom para a
minha vida, porque foi quando deixei tudo para trás, encerrei todos os
desentendimentos e foi muito emocionante”, completou.
Íntegra
Confira a entrevista completa
de Alain Prost (em inglês) no vídeo abaixo. Nela, o tetracampeão conta histórias
interessantíssimas de sua carreira, como quando negou uma proposta da McLaren
para estrear no GP do Leste dos Estados Unidos de 79, em Watkins Glen, porque
“não conhecia a pista e nem o carro”, e que achou que aquela decisão iria
colocar fim às suas chances de estrear na categoria.
Também explica sua conturbada
passagem pela Renault, entre 81 e 83, afirmando que “tinha mais facilidade para
trabalhar com o estilo pragmático dos anglo-saxões”, e que teve de se mudar da
França por causa da briga interna com René Arnoux, que não quis ceder posição a
ele no GP da França de 82. “Queimaram dois carros meus. Foi a pior situação da
minha vida e eu nunca entendi por que as coisas estavam assim”.
Apesar da rivalidade, Prost
diz ter vivido os melhores anos da carreira ao lado de Lauda na McLaren
Ele ainda classificou seus
primeiros três anos de McLaren, junto com Niki Lauda e Keke Rosberg, como os
melhores de sua carreira, no que tange ao ambiente da equipe. “Eu era um grande
fã de Niki e confiava muito no que ele fazia, porque ele era um piloto com
estilo praticamente igual ao meu. Já Keke era muito próximo a mim e éramos bons
amigos”, recupera.
Sobre o período de Ferrari,
Prost defende que nunca exigiu ser primeiro piloto de Nigel Mansell em 90 (algo
contra o qual o inglês reclama até hoje), e que foi a própria postura do “Leão”
que o deixou livre para comandar o desenvolvimento da escuderia naquela
temporada. “Eu e Nigel éramos amigos antes de eu chegar à Ferrari e o que houve
foi uma espécie de mal entendido. Ele só apareceu em um ou dois briefings durante
todo o ano, não gostava de ir às reuniões. Preferia ir jogar golfe, então me
deixou atuar como um primeiro piloto, mesmo eu não tendo contrato de primeiro
piloto”, garante.
Por fim, ele faz um
interessante comentário a respeito do FW15C, modelo com o qual obteve seu
quarto título, em 1993, de maneira absolutamente dominante. “Era aquele tipo de
carro com o qual não dava para competir com os outros, porque era muito
avançado tecnologicamente, mas não foi o meu favorito em termos de trabalho [no
desenvolvimento]. Eu gosto de trabalhar com os engenheiros no acerto e não
podia fazer isso com esse carro, porque era tudo computadorizado. Portanto, eu
não ‘sentia’ o carro da forma que gostava e foi uma temporada estranha”, diz.
Assista aqui:
FONTE
Tazio
http://tazio.uol.com.br/f1/mclaren-queria-piquet-em-88-fui-eu-quem-sugeriu-senna-revela-prost