Quando Ayrton Senna morreu, Adriane Galisteu foi totalmente ignorada pela família dele.
Adriane muito abalada no enterro do companheiro
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De volta a Sintra, Adriane subitamente foi sentindo uma
indiferença da família Senna, em São Paulo. Tanto na segunda quanto
na terça-feira, ela tentou telefonar para os pais de Senna. Ela foi informada
pela empregada da família que ambos estavam sob sedação e não podiam ser
incomodados. Depois de um tempo isso a incomodou (chateou), e ela se perguntou
o que tinha feito, especialmente porque ela havia compartilhado sua dor com
Neyde (mãe de Ayrton) no domingo.
Menos de uma semana
antes, Adriane tinha voado para Portugal
cheia de expectativa (esperança) para o futuro. Agora ela voltava ao Brasil com
uma grande incerteza. Ela também estava insegura quanto a reação da família.
Ela não havia falado com ninguém desde a morte de Senna, exceto Flavio Lalli, o
marido de Viviane (Senna, irmã de Ayrton), que a tratou com frieza.
Fonte: Livro Fatal Weekend, escrito pelo jornalista e escritor britânico Tom Bubython, ano 2015.
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Todos aqueles dias tentei
desesperadamente estar junto da Zaza, mãe, do seu Milton, o pai, dos irmãos,
Viviane e Léo. Ligava para a família. A empregada da fazenda atendia:
- Dona Neide, como está? -
perguntava eu, com certa formalidade.
- Ela foi medicada, está
deitada - resumia a Ednéia.
- E o senhor Milton?
- Também medicado e dormindo.
Liguei várias vezes, sempre
era a mesma coisa. Queria estar próxima, fosse como fosse. Impossível. Até que
um dia perguntei:
- E quem mais está aí?
- O Cristiano e o Jacir.
Dois amigos do Ayrton (Jacir
era o Gordinho, como o chamavam; Cristiano tinha o apelido de Criminoso, por
causa de um acidente em Angra, brincadeira deles). Dois amigos nossos, pensei.
- Deixa eu falar com eles -
pedi.
- Eles não estão aqui agora.
- Pede então para eles me
ligarem, no Braga, em Portugal - falei, com naturalidade.
Nada, nenhum telefonema,
silêncio total. Comecei a estranhar: talvez eu seja uma lembrança muito viva do
Ayrton, uma imagem fortemente ligada à dele, eles queiram evitar.
Luiza me desencorajava:
- Pára de ligar pra lá,
Adriane.
No dia seguinte,
ainda tentei o Lalli (Flávio Lalli, marido da Viviane). Deixei recado.
Ele me ligou.
- Como está todo
mundo, Lalli? - perguntei, inocentemente.
- Pô, Adriane, como está todo
mundo?! Todo mundo está um horror!
Ele estava nervoso, agitado,
mas eu insisti:
- Fala qualquer coisa. Da
Zaza, do senhor Milton, da Viviane... Qualquer coisa...
Ele me contou que a situação
estava difícil, mesmo para ele, impossível estabelecer qualquer conversa com os
pais.
Totalmente por impulso, eu me
decidi:
- Já sei. Vou para aí já,
ficar com eles.
Lalli foi reticente:
- A gente não sabe ainda o
que fazer. Talvez leve a Zaza e o senhor Milton de volta para a fazenda,
talvez não...
No dia seguinte,
quarta-feira, passei a ligar para a fazenda de Tatuí. Estavam todos lá. E a
mesma história: medicados, sedados, ninguém podia atender. Braga, sim, lá de
Bolonha, dava notícias de cinco em cinco minutos. O corpo só seria liberado
após a autópsia. Norma italiana. Parece que a Viviane, em nome da família,
tinha tentado evitar, com o argumento "Já mataram uma vez, querem matar
duas". Paciência. Percebendo que eu estava ansiosa e meio xarope, Luiza
soube que a Juraci estava voltando para o Brasil, aquela noite, e me perguntou
se eu não queria acompanhá-la:
- De jeito nenhum, eu vim com
ele, vou com ele. E com vocês.
Minha sorte foi que o Braga
apareceu, finalmente. Sorte minha, azar dele - que, moído, exausto, arrebentado
em mil caquinhos física e emocionalmente, ainda teve de se submeter ao meu
detalhado interrogatório:
- Qual era o estado de ânimo
do Béco antes da prova?
- Excelente, ótimo
humor. Fomos juntos para a pista. Conversou muito com o Nick Lauda. Até com o
Prost ele brincou. E me falou de você.
- Mas, os outros, como estava
todo mundo?
- O clima da
Fórmula 1 naquele dia estava pesado admitiu o Braga, do alto de seus anos e
anos de janela. - Mas você sabe como é: o piloto está lá, o que ele tem de
fazer é correr.
Comentei com o Braga a longa
conversa que o Béco e eu tínhamos tido, na madrugada de sábado, depois da
morte do austríaco Roland Ratzenbergen De seu desânimo, de seu choro
convulsivo:
- Sei de tudo, garotinha.
E de muito mais. Senna tinha
no Braga um amigão do peito. Os dois estiveram juntos, poucos dias antes,
20 de abril, em Paris, noite em que a Seleção Brasileira disputou uma partida
com o Paris Saint-Germain, o time do Raí. Senna foi convidado a dar o chute
inicial. Em pleno Parc des
Princes. Os franceses aplaudiram em delírio. Tanto que ele, com o Braga, esticou
depois do jogo - coisa rara na vida dele - até o La Coupole, feliz de ter sido
festejado por um público que em princípio ele julgava pertencer, de corpo e
alma, ao seu rival Alain Prost.
Braga conhecia o Béco e sabia
o que se passava no fundo de seu coração. O ídolo é um alvo fácil para a
intriga, o veneno, a inveja, o medo dos que gravitam em torno dele, a
insegurança de quem tenta inutilmente controlá-lo. Braga sabia que Ayrton
estava sob pressão - e que a Benetton e Michael Schumacher não eram as
únicas coisas do mundo a atormentarem seu sono. Mas sabia da integridade do
amigo, da força de sua determinação e da sinceridade de seus sentimentos.
Posto o que, encerrado o
interrogatório, ele me botou sob sua generosa asa:
- Vamos nos arrumar para
viajar amanhã para o Brasil, e você vai desembarcar conosco, garotinha.
Você pode aprender muitas
coisas, de uma hora para outra - para o bem ou para o mal. Até nunca mais
ver, inocência! Naquele momento, eu gostaria de já ter em mãos a frase que uma
amiga desconhecida, porém amiga, me mandou depois, numa carta afetuosa:
"Sossega, meu coração: já enfrentaste coisa pior do que isso".
Citação de um poeta grego,
não me lembro mais quem. Se esta frase atravessou tantos séculos, é porque ela
traz a essência de uma sabedoria. Isso mesmo: o pior, para mim,
tinha sido a perda definitiva do meu amado. Os tormentos posteriores, o
enterro, a despedida, até mesmo as incompreensões, eu cheguei disposta a
enfrentar sem o menor medo.
Fonte: Livro Caminho das Borboletas de Adriane Galisteu, lançado no final de 1994.
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FONTE PESQUISADA
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro
de 1994.
RUBYTHON, Tom. Fatal Weekend. 1º Edição. Great
Britain: The Myrtle Press, 12 de novembro de 2015.