O HERÓI EM CASA
"Quem quiser superar
Senna terá de inventar uma maneira completamente nova de correr.”
O elogio do tricampeão Niki
Lauda era apenas uma das homenagens que a Fórmula 1 e a imprensa mundial
rendiam a Senna naquele final de 1991. De Buenos Aires, o pentacampeão Fangio
dizia estar certo de que Ayrton o ultrapassaria em número de títulos, por ser
um jovem que tinha "a alma nas corridas". No Brasil, no entanto, o
problema era convencer o pai de Senna de que era hora de uma grande festa:
- Senhor Milton, o cara é
tricampeão do mundo. Precisamos fazer aquela chegada para ele!
Com este argumento, o
publicitário Petrônio Corrêa Filho começou a convencer Milton da Silva a mudar
de idéia e autorizar uma festa de recepção que teve até escolta de jatos da
Força Aérea Brasileira. Ao ser consultado, ainda na Austrália, sobre a idéia,
Ayrton concordou, com uma ressalva:
- Caminhão de bombeiro, não!
Só se eu morrer.
A solução foi uma BMW 730 com
teto solar, emprestada para a festa. Senna chegou a São Paulo no próprio avião,
pilotado por Owen, que fora buscá-lo em Buenos Aires, escala entre Austrália e
Brasil. Dois caças F5-E da FAB escoltaram o jato de Senna no espaço aéreo
brasileiro, e um dos pilotos leu, pelo rádio, mais uma mensagem do presidente
Collor, carregada de patriotismo e orgulho cívico.
Depois de ser recebido na
pista pela mãe e pela prefeita Luiza Erundina, Ayrton entrou na BMW e liderou
uma caravana que passou pela sede paulista do Banco Nacional antes da
celebração montada no Museu da Imagem e do Som.
Ali, foi às lágrimas com as
imagens e referências teitas à sua infância no bairro de Santana.
Para quem se incomodou com a
festa, vendo nela uma tentativa de se repetir o ufanismo mistificador de outros
tempos, Fernando Gabeira, ex-guerrilheiro e ex-participante do boicote da
esquerda brasileira à campanha da seleção na Copa do México, em 1970, durante a
ditadura militar, escreveu, num artigo publicado pela Folha de São Paulo no dia
8 de novembro, que Senna estava "lavando a alma de milhares de
torcedores" e recuperando "um pouco o ânimo perdido, na sucessão de
crises econômicas e baixarias políticas":
"Volta aos anos 70?
Embora a cerimônia para saudar o herói que volta tenha semelhanças formais com
a chegada da seleção brasileira, o quadro agora é diferente. Em 1970, um
governo militar tentava se legitimar através da identificação com os grandes
craques do futebol. O governo de agora foi o que mais teve votos na história do
Brasil e, além do mais, conhece, pela sua familiaridade com o marketing, como
seria difícil explorar demais uma vitória nas pistas de corrida.”
Doze anos depois da conquista
de Ayrton, Carlos Augusto Montenegro, diretor-presidente do Ibope, comparou a
audiência das corridas de Fórmula 1 na época de Senna, de 35 a 40 pontos, dependendo do
momento do campeonato, à do mais importante noticiário da tevê brasileira, o
Jornal Nacional, no ano 2000. E lembrou que as transmissões ficaram de tal modo
integradas à cultura brasileira, que "o domingo só começava depois da
corrida":
"O fenômeno fica ainda
mais claro quando se analisa a audiência das corridas de Senna pelo share, ou
seja, pela porcentagem entre os aparelhos ligados: 70 a 80%. Uma audiência
comparável à Copa do Mundo, com uma diferença que acentua ainda mais a
importância de Ayrton: na Copa, os jogos eram concentrados e aconteciam de
quatro em quatro anos. No caso da Fórmula 1 dos tempos de Ayrton, o fenômeno
era o fato de milhões de pessoas terem o costume de ligar a tevê de manhã, no
domingo, de três em três semanas.”
Montenegro jamais confundiu
Ayrton Senna com Fórmula 1, no que diz respeito aos brasileiros:
"O que deu ibope foi
Ayrton Senna, sua postura. Ele estava acima da Fórmula 1.”
Uma pesquisa realizada com leitores
do jornal O Globo, um mês depois da conquista do tricampeonato de Ayrton,
mostrou que 39,46% deles consideravam Senna o maior ídolo do esporte
brasileiro. O segundo lugar da pesquisa era da jogadora de basquete Hortência,
com apenas 7,36%, seguida da colega Paula, com 3,01%, dos jogadores de futebol
Júnior, com 2,68%, e Bebeto, com 2,34%, e de Nelson Piquet, com 1,67%.
Curiosamente, de acordo com a mesma pesquisa, a Fórmula 1, como esporte, ficava
apenas em quarto lugar na preferência do público, com 7,02%, atrás do futebol,
com 46,49%, do vôlei, com 20,07%, e do basquete, com 11,37%.
Senna era uma exceção
espetacular. Pouco se sabia, na sua época, sobre pilotos competentes como Mário
Ferris, Egon Hertzfeld, Thales Polis, Belmiro Júnior, Ayron Cornelsen, Luiz
Antônio Teleco Veiga e outros pilotos anônimos que tinham voltado da Europa sem
conseguir fazer carreira nas pistas. Contratos mal negociados e equipes mal
escolhidas costumavam dizimar sonhos e dólares rapidamente. Djalma Fogaça, um
dos que foram e voltaram sem conquistas, resumia:
"Se você contar os
pilotos que foram lá fora e não se deram bem, enche um jumbo.”
Eles eram quase quatro mil,
regularmente inscritos como pilotos de competição na Confederação Brasileira de
Automobilismo, naquele ano do tri de Senna. Um deles foi o campeão inglês de
Fórmula 3, correndo pela West Surrey Racing, a mesma equipe pela qual Ayrton
conquistara o mesmo título, oito anos antes. E também chegaria à Fórmula 1.
Era Rubens Barrichello.
FONTE
Livro: Ayrton, o
herói revelado
FONTE PESQUISADA
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RODRIGUES, Ernesto. Ayrton, o herói revelado. Edição 1. Rio de Janeiro: Editora
Objetiva, 2004.
Me arrepiou o comentário dele: "Carro de bombeiro, não! Só se eu morrer."
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