Julianne Cerasoli
Do UOL, em Londres (ING)
01/05/201704h00
Jean-Loup Gautreau/AFP
A não ser que você seja um
jornalista de guerra e vá para sua cobertura sabendo o que vem pela frente,
ninguém gosta de fazer a cobertura de uma morte. Ainda mais quando é seu ídolo
que perde a vida - e você acaba chegando muito mais perto da realidade até do
que gostaria. Mas essa é a história do jornalista japonês Masahiro Owari, que
ainda era um iniciante quando viveu uma situação que o perturbou durante anos.
Owari seguia de perto o
'circo' da Fórmula 1 desde 1993 quando viajou ao GP de San Marino de 1994
decidido a encerrar sua breve carreira.
"Antes de voar para
Imola, tinha decidido deixar a Fórmula 1. Aí o acidente aconteceu. Seria minha
última corrida, mas fiquei muito pensativo depois de tudo o que tinha
acontecido. Muita gente teve a mesma reação", contou em entrevista
exclusiva ao UOL Esporte.
Aquele final de semana foi o
mais trágico da história da categoria, que não via uma morte em provas oficiais
desde 1982: primeiro, na sexta-feira, Rubens Barrichello sofreu um acidente
forte e ficou de fora da prova. No sábado, Roland Ratzenberger perdeu a vida no
treino classificatório. A corrida começou sob muita tensão, pois havia na época
muitas reclamações acerca da falta de segurança dos carros depois de uma
mudança de regulamento que retirou várias ajudas eletrônicas e deixou os carros
muito nervosos. Na quinta volta, Ayrton Senna teve um problema mecânico em sua Williams e bateu
forte na curva Tamburello, tendo sua morte confirmada horas depois.
Para o jornalista japonês,
isso significava que uma de suas últimas corridas - ele ainda ficaria na Europa
para o GP de Mônaco, duas semanas depois - seria a mais dolorosa delas, pois
teria que escrever sobre a morte do próprio ídolo.
"Na segunda-feira, eu
tinha que escrever uma matéria. A maioria dos jornalistas tinha voo para ir
embora, mas eu ficaria lá alguns dias. Fui para o circuito e fiquei imaginando
'onde será que o corpo dele está agora?' Falaram que ele estava no hospital
ainda, mas fui ao IML e tinha muita gente lá, então imaginei que ele estaria ali".
Durante a entrevista, Owari
tentou evitar o assunto, mostrando-se claramente ainda abalado em relembrar
aqueles momentos que se seguiram à morte do tricampeão. "Não gostaria de
falar sobre isso, mas entendo que você queira saber", disse o japonês, que
até hoje tem como tela de fundo de seu notebook fotos de Senna.
Owari seguia o instinto
jornalístico, não sabia muito bem o que estava procurando para sua matéria. E
muito menos poderia prever o que iria acontecer em seguida. "Havia um
esquema forte de segurança. Queria saber se haveria alguma entrevista coletiva,
algum comunicado, e fui perguntar ao policial. Ele não falava inglês, acho que
não me entendeu direito, e disse para eu entrar", contou.
"Ele foi me levando para
dentro. Eu estava com muito medo. Eu não queria ver o corpo, mas não podia
parar. Aí ele abriu a porta: a sala estava cheia de corpos e eu reconheci o
Ayrton. Até hoje não sei por que ele me levou lá, não tinha mais ninguém."
Abalado pelo que tinha visto,
Owari acabou não conseguindo publicar a história. "Hoje em dia, eu consigo
falar sobre isso. Naquela época, não podia e não escrevi a matéria. Foi então
que deixei mesmo a Fórmula 1 e fui fazer algo completamente diferente. Queria
estar perto da minha família, minha filha nasceu no mesmo ano em que tudo isso
aconteceu", lembra.
"Mas mesmo tendo deixado
o jornalismo, fiquei me perguntando: 'por que você não escreveu sobre aquilo?
Como ser humano, como jornalista, você deveria escrever'. Dois anos depois,
contei o que tinha acontecido para um amigo jornalista e ele disse que era meu
dever escrever. Então eu decidi voltar a este mundo da F-1, em 1997, e fiz a
matéria, que acabou sendo muito bem recebida no Japão. Às vezes é difícil
entender, mas é nosso dever como jornalistas relatar o que vemos."
Desde 1997, Owari segue
cobrindo a F-1, mas nunca mais viu um piloto como Senna. Nem ele, nem os
japoneses, como faz questão de contar. "Hoje em dia é comum ver muitos
rapazes com 20 e poucos anos com o nome Senna no Japão. Ele era realmente muito
popular. Inclusive, nosso esporte mais popular é o beisebol e estava vendo a
final do torneio universitário recentemente e o pitcher se chamava Senna
Sato."
FONTE PESQUISADA
CERASOLI, Julianne. 23 anos sem Senna. E a
matéria que um japonês não teve coragem de escrever. Disponível em: <https://esporte.uol.com.br/f1/ultimas-noticias/2017/05/01/23-anos-sem-senna-e-a-materia-que-o-japones-nao-teve-coragem-de-escrever.htm>.
Acesso em: 01 de maio 2017.
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