sexta-feira, 19 de julho de 2019

Adriane Galisteu Fala de Sua Difícil Relação com Família Senna Após Morte de Ayrton Senna



PLAYBOY: Como andam suas relações com a família Senna?

ADRIANE: Não andam. Não existem. Eles lá e eu cá. [Pausa.] Compreendo, faço enorme esforço para compreender... Acho que com o tempo eles vão rever certos preconceitos. Outro dia encontrei por acaso o Leonardo [irmão de Senna], ele me abraçou e beijou, foi muito legal.

PLAYBOY: Você quer uma reaproximação?

ADRIANE: Quero ser feliz e que eles também sejam — com ou sem reaproximação. Eles perderam um filho que era um deus, um gênio, era a fonte da alegria, a fonte do dinheiro, a fonte da felicidade. Eu não era da família, mas havia conquistado um lugar especial no coração do Ayrton, fui uma das últimas pessoas com quem ele conversou, minutos antes de morrer. Eu estava em Portugal e nos falamos pelo celular. Um dia vou ter um filho e tenho certeza de que não vou agir como agiram comigo.

PLAYBOY: Fora aquela cena que o mundo inteiro viu pela televisão, no funeral do Senna, aquele gelo que a família dele deu em você, houve alguma palavra, algum gesto hostil?

ADRIANE: Não gosto de remexer nessas coisas... Do fundo do meu coração, não desejo nenhum mal para eles. Já sofreram muito, e eu também. Não se pode apagar o passado, mas o melhor é que cada um viva a sua vida e, sobretudo, respeite a memória de alguém que era tão bom, tão sincero...

PLAYBOY: O que passava pela sua cabeça durante o velório?

ADRIANE: Eu só pensava nele, na perda imensa. Estava completamente destruída. Quem me tirou do fundo do poço foi o Braga, que me disse: "Eu estou com você, garota, conta comigo". O Prost também me deu a maior força. [Continua no fim do artigo]



PLAYBOY: Ficou a impressão de que, no funeral, houve uma competição de viuvez entre você e a Xuxa.

ADRIANE: Eu não estava competindo com ninguém. Minha vida tinha ido para o caralho [enfática] . No velório, o cerimonial botou nomes nas cadeiras e eu me sentei onde estava escrito, Adriane. Na cadeira ao lado estava escrito Xuxa. Não nos falamos.  Não tinha nada a falar com ela, só conseguia rezar. Depois a família levou a Xuxa para junto deles. Problema deles. Fiquei na minha.

PLAYBOY: É verdade que a família tentou subornar você?

ADRIANE: Suborno é uma palavra muito pesada. Mas, no dia seguinte ao enterro, eu estava na fazenda do Braga, no interior de São Paulo, e aconteceu um episódio extremamente desagradável. A mãe do Ayrton foi até lá e me ofereceu um envelope com um maço de dólares, 5.000 ou 10.000: "Isso é para você recomeçar a sua vida".


PLAYBOY: Não pode ter sido apenas um gesto de generosidade? Depois da hostilidade da véspera, não pode ter sido uma tentativa de aparar arestas?

ADRIANE: Se foi, me desculpe, mas aconteceu na hora errada, com a pessoa errada. Eu disse a ela: "O seu filho ainda está quente na cova e a senhora vem aqui... por favor, vá embora".

PLAYBOY: Afinal, você aceitou ou não aceitou o dinheiro?

ADRIANE: [Ofendida.] Claro que não!

PLAYBOY: Na hora você pensou que aquilo era um cala boca?

ADRIANE: Aquilo era consequência do fato de estarem todos pirados, com a cabeça fora do lugar, totalmente desnorteados. Estavam todos tão abalados que qualquer atitude impensada pode perfeitamente ser entendida, desculpada. Não quero mais falar sobre isso. 

PLAYBOY: Alguém testemunhou a cena do envelope?

ADRIANE: O Braga testemunhou. E, para desanuviar o ambiente, ele fez um comentário irônico, de banqueiro. 


PLAYBOY: O que ele disse?

ADRIANE: "Está faltando zero aí".

PLAYBOY: Foi a última vez que você esteve com a mãe do Senna?

ADRIANE: Não. Dias depois nos encontramos no apartamento dele, na Rua Paraguai, onde vivemos meses e meses de enorme felicidade. Fui tirar roupas minhas de lá. Ela soube que eu ia e também foi.

PLAYBOY: Foi outro encontro desagradável?

ADRIANE: Dessa vez foi diferente. Haviam passado uns dez dias, todas as cabeças estavam mais frias. Ela estava muito abatida e tinha uma Bíblia na mão. Eu chorei no colo dela, como se fosse no da minha mãe. Peguei as minhas coisas e perguntei a ela se podia ficar com o pijama e a escova de dentes do Ayrton. São as únicas coisas dele que ficaram para mim e que tenho até hoje. Saí dali e nunca mais a vi. Chovia pra cacete e, ao me despedir do porteiro do prédio, ele caiu num choro convulsivo, não conseguia parar. Nunca mais passei pela Rua Paraguai.


PLAYBOY: Você diz que não vende souvenirs do Senna, que vive do seu trabalho. O que acha da exploração comercial do nome dele?

ADRIANE: Não acho nada. Não falo sobre esse assunto.

PLAYBOY: Tem a Fundação Ayrton Senna, que ajuda crianças carentes. Isso não é louvável?

ADRIANE: Não sei, não quero falar. O máximo que posso dizer é que ele ajudava muita gente, mas não fazia propaganda disso. Nem para mim ele dizia. Fazia tudo na moita. Depois de um certo tempo, descobri que ele tinha dado uma baita contribuição para a ala de crianças do Hospital das Clínicas [da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo]. Mas não fez evento de inauguracão, não plantou notinha em coluna de jornal, não chamou a imprensa. Ele era assim. Fazia o bem sem pensar em promoção pessoal.




ADRIANE: Luiza e Braga continuaram me apoiando da mesma forma como haviam apoiado quando caí no fundo do poço. Amo os dois de paixão, sou capaz de fazer qualquer coisa... qualquer coisa por eles. No dia em que eu me casar, faço questão de que os dois estejam comigo na igreja. Eu os considero pai e mãe.

PLAYBOY: Sua mãe não fica com ciúme?

ADRIANE: Ela sabe que naquele momento [quando Senna morreu] eu precisava muito mais do que um colo. Precisava de uma ajuda, digamos... racional. Eles me deram isso e muito mais. Minha mãe também os adora.

PLAYBOY: Ela não mora com você, mas está sempre por perto, não é?

ADRIANE: Mamãe é a minha sombra, e eu a dela. Quando fui convidada a posar para PLAYBOY, disse que tinha medo e pedi a opinião dela. Ela me acendeu um sinal verde: "Só tem medo quem tem responsabilidade. Vai em frente". 




FONTE PESQUISADA

Entrevista publicada em fevereiro de 1997, revista Playboy, ed. 259. Editora Abril, São Paulo - SP.

Um comentário:

  1. Grande mulher belo exemplo e assim como o ayrton se agigantava em momentos duros adriane deu uma licao de perseverar para vencer...viveu para o ayrton ao contrario da familia que vive dele ate hj 25 as depois

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