No dia em que tomei coragem, enfim, de ir a nossa casa, na
Rua Paraguai, para retirar as minhas coisas de lá, reencontrei a Zaza. Na
fazenda do Braga, em Campinas, recebi o apoio de muitos amigos, uma longa e afetuosa
visita da Betise, a Birgit, muitas amigas inesperadas e minha mãe, mas eu
estava tão sem eixo, sem rumo, havia perdido tão completamente o fio da meada
que me abaixei no carro quando fui a São Paulo pela primeira vez, com o
motorista do Braga, depois do enterro. Só ver a cidade já me apavorava.
Fui direto ao apartamento, sem buscar minha mãe, como eu
tinha prometido. Dona Neide me esperava. Dez dias depois de toda aquela
tragédia. Respirei fundo para enfrentar os fantasmas da memória. Subi de
elevador. A porta, entreaberta. Tudo igual - e ao mesmo tempo tudo tão
diferente! Não havia nem sinal daquela baguncinha que nós dois produzíamos ali.
Tudo no lugar. Não havia mais vida ali. Sentamos, a mãe do Béco e eu, no sofá e
conversamos uns quarenta minutos. Ela me falou da Bíblia e, por coincidência,
do salmo 81 - aquele que o Béco lia e relia. Ela não se conformava. Senti que
ia desabar. Tratei de entrar no quarto. Atirava minhas coisas na mala de
qualquer maneira, para poupar sofrimento. Quatro malas cheias, no final. Entrei
no banheiro, estava do mesmo jeitinho: a escova de dentes dele no mesmo lugar.
Não resisti: pedi a Zaza para guardá-la. Beijei-a e guardei.
O armário dele, presentes que eu tinha dado, a gaveta com
seu pijama predileto, o mais velhinho, tipo bermuda e camiseta de meia manga,
azul-claro. Tinha tudo a ver com a nossa vida. Fiquei com ele também. Mas
o cartão que eu lhe tinha dado de aniversário e que ele pregou na porta, eu fiz
questão de dar a dona Neide:
- É seu, fica com você - insistiu ela.
- Não, é dele, portanto fica com a senhora.
Dei as costas a um pedaço grande do meu mundo - e sabia que
essa despedida seria também para sempre. Dona Neide me levou até a saída do
prédio, nós nos abraçamos, eu chorei tanto, ela chorou tanto, uma no ombro da
outra, que os dois porteiros que assistiam à cena também se emocionaram. Quis
desanuviar:
- Se me pegarem na estrada, vão achar que sou uma sacoleira
- disse eu.
Ela ainda falou sério:
- Adriane, obrigada por ter sido mulher dele e tê-lo deixado
feliz. Ele foi muito feliz com você.
- Eu também fui muito feliz com ele.
- Vou rezar por você, vou torcer por você, gosto muito de
você.
Peguei-lhe pela mão e disse:
- A senhora ainda vai me ver bem, pode ter certeza disso. De
uma forma muito real, sincera, coerente, vou dar um jeito na minha vida.
Chovia muito, me recordo. Cada uma de nós entrou no seu
carro. Até nunca mais. Uma página estava virada em minha vida.
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