Mas, que a Zaza me permita, eu conhecia seu filho e sabia
quando é que ele tinha seus momentos de oração. Aquela cena que a tevê mostrou,
pouco antes do desastre, não foi um deles. Béco rezava em casa, à noite, longe
das pessoas - era dono de uma fé recatada e íntima, não fazia o estardalhaço de
um militante de púlpito.
Para mim, naquela hora de rosto tenso e mãos cravadas no
carro, ele apenas pensava. Pela primeira vez na sua carreira de piloto
vitorioso, para quem o triunfo vinha primeiro que tudo, sentiu a fragilidade da
máquina e a fragilidade do ser humano. Um homem tinha morrido à sua frente. Um
amigo se estourara contra um muro. Até então, o piloto Ayrton Senna sentava no
carro e andava no limite.
De repente, outros sentimentos tinham se intrometido na sua
vida: susto, surpresa, medo. Medo - que palavra cruelmente realista! Em tantos
meses de conhecimento íntimo e profundo, nunca o vi demonstrar qualquer coisa
parecida. Ele passou por situações incríveis, bem diante do meu nariz. Nunca se
inquietou. Ao contrário, buscava o perigo. Mas eu falo agora com a
sinceridade de quem ouviu, sentiu, viu - e de quem não tem nenhum compromisso a
não ser com aquilo em que verdadeiramente acredita. Hoje, assisto de camarote
aos que tentam dar a suas próprias mentiras um ar piedoso, quase religioso.
Teorias e mais teorias, todas atribuindo a Ayrton coisas que detestava
fazer e negando-lhe aquilo que mais buscava, ou seja, a liberdade.
Ímola era a prova de fogo dele. O tudo-ou-nada da temporada
1994. Ele sabia que tinha de ultrapassar todos os limites, a começar pelos de
sua máquina frágil e difícil de dominar. A minha verdade é a de que se viu,
enfim, como uma criatura de carne e osso. Os super-heróis não têm medo. As
pessoas têm. No dia em que Ayrton Senna pôde experimentar o mais humano dos
sentimentos, no dia em que ele definitivamente se completou como ser, a
insanidade dos mercadores do perigo veio golpeá-lo na cabeça. Meu Béco, amado e
inesquecível, pagou com a vida a escolha de ser aquilo que ele era.
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