sábado, 8 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - O rosto tenso de Ayrton Senna antes do GP de Ìmola



Mas, que a Zaza me permita, eu conhecia seu filho e sabia quando é que ele tinha seus momentos de oração. Aquela cena que a tevê mostrou, pouco antes do desastre, não foi um deles. Béco rezava em casa, à noite, longe das pessoas - era dono de uma fé recatada e íntima, não fazia o estardalhaço de um militante de púlpito.
Para mim, naquela hora de rosto tenso e mãos cravadas no carro, ele apenas pensava. Pela primeira vez na sua carreira de piloto vitorioso, para quem o triunfo vinha primeiro que tudo, sentiu a fragilidade da máquina e a fragilidade do ser humano. Um homem tinha morrido à sua frente. Um amigo se estourara contra um muro. Até então, o piloto Ayrton Senna sentava no carro e andava no limite.
De repente, outros sentimentos tinham se intrometido na sua vida: susto, surpresa, medo. Medo - que palavra cruelmente realista! Em tantos meses de conhecimento íntimo e profundo, nunca o vi demonstrar qualquer coisa parecida. Ele passou por situações incríveis, bem diante do meu nariz. Nunca se inquietou. Ao contrário,  buscava o perigo. Mas eu falo agora com a sinceridade de quem ouviu, sentiu, viu - e de quem não tem nenhum compromisso a não ser com aquilo em que verdadeiramente acredita. Hoje, assisto de camarote aos que tentam dar a suas próprias mentiras um ar piedoso, quase religioso. Teorias e mais teorias, todas atribuindo a Ayrton  coisas que detestava fazer e negando-lhe aquilo que mais buscava, ou seja, a liberdade.
Ímola era a prova de fogo dele. O tudo-ou-nada da temporada 1994. Ele sabia que tinha de ultrapassar todos os limites, a começar pelos de sua máquina frágil e difícil de dominar. A minha verdade é a de que se viu, enfim, como uma criatura de carne e osso. Os super-heróis não têm medo. As pessoas têm. No dia em que Ayrton Senna pôde experimentar o mais humano dos sentimentos, no dia em que ele definitivamente se completou como ser, a insanidade dos mercadores do perigo veio golpeá-lo na cabeça. Meu Béco, amado e inesquecível, pagou com a vida a escolha de ser aquilo que ele era.


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