domingo, 26 de janeiro de 2014

O mês era julho, o ano é 1986. Como cenário, o restaurante Allegro, um dos mais bonitos que Campinas já teve.



Texto de um ex-gerente de um restaurante de Campinas (SP)

23/04/2007 - 15:35

Globo EPTV

Foto Reprodução


O mês era julho, o ano é 1986. Como cenário, o restaurante Allegro, um dos mais bonitos que Campinas já teve. A última sala estava reservada para um grupo de empresários, que tinha como convidado o piloto Ayrton Senna, garoto-propaganda da marca italiana Piaggio, fabricante da Vespa, então em fase de lançamento no Brasil - e já vendendo feito água, graças ao carisma de Senna. Ainda sem nenhum título dos três que ganharia em sua brilhante carreira na Fórmula 1, Senna já era assediado pela imprensa de uma maneira que deixaria qualquer um maluco - menos ele, um homem de alguma maneira certo de seu papel e de suas convicções, cujo sorriso jamais foi fácil, mas que era de uma sinceridade desconcertantemente transparente.

Atendeu todo mundo com cortesia e simpatia, se deixou fotografar em vários ângulos e falou sobre todos os assuntos. Só pediu para parar quando percebeu que o maître se aproximara para tirar os pedidos da mesa com mais de vinte pessoas. Como gerente da casa, coube a mim perguntar-lhe o que gostaria de comer. Diante do cardápio fixo e das três sugestões fixas sugeridas pela casa, ele me pediu uma dica. Como era inverno - e ainda que a temperatura estivesse mais para a de um veranico extemporâneo -, indiquei três pratos: a famosa vitela recheada com espinafre e cozida no leite, o filé mignon aos três molhos (mostarda, pimenta e passas) e o linguado à belle meunière. Ficou com a terceira sugestão, pedindo que a guarnição fosse composta de vegetais cozidos no vapor.

O almoço já ia pelo meio, quando ele me pergunta, sem mais rodeios: "E você? Tem carro?". Eu, que tinha 25 anos, e que só fui tirar a minha carteira de motorista aos 35, respondi que não. "Mas você anda de ônibus?", devolveu ele. Disse-lhe que sim, mas que, quando calhava, pegava uma carona com um dos irmãos ou com vizinhos. "Pois devia comprar uma Vespa. Você vai adorar dirigir uma, tenho certeza", garantiu ele, como se fosse o próprio dono da fábrica italiana - aliás, sempre admirei a maneira como Senna vestia a camisa de suas escuderias e de sua nada fácil vida de piloto, metendo-se dentro daquele cubículo e aguentando tanto barulho, fumaça e, pior de tudo, aquela agenda estafante de viagens, treinos, festas sociais e profissionais.

Respondi que, quem sabe, talvez, uma hora dessas eu iria até a concessionária para conhecê-la de perto. Mas ele insistiu. "Você sabe que pode comprar uma Vespa em até 12 parcelas?". Vivíamos os primeiros seis meses do Plano Cruzado e o preço das coisas estavam, por assim dizer, congelados. De qualquer forma, não era má idéia: comprar um veículo próprio, pagar em prestações fixas e ainda ficar com aquela cara de italiano que todos ficam quando sobem em cima de uma Vespa - no meu caso, que usava gravata todos os dias (e adorava), era o caso de me sentir o próprio personagem de Fellini. Ayrton Senna não desistiu: "Vá lá hoje, não perca tempo!" - e eu, que era o descendente de árabes do pedaço, fiquei espantado com a capacidade de convencimento do futuro tricampeão. Tão espantado (e convencido de que era um negócio e tanto) que entrei na concessionária três horas depois do almoço, quase no final do expediente da loja, para comprar a primeira das três Vespas que eu teria na vida, todas com nome de atrizes italianas (Sophia Loren, Claudia Cardinalle e Monica Vitti; todas tão belas quanto talentosas).

Jamais vi Ayton Senna novamente: depois de nossa despedida na porta do Allegro, ele com o mesmo sorriso franco e firmeza nas atitudes, tive a certeza de que conhecera alguém realmente de valor, mas tão à vontade consigo mesmo e com suas idéias, que nada nele soava em descompasso, pelo contrário. No primeiro domingo de maio de 1994, oito anos depois do nosso encontro, estava como repórter enviado à Ilha de Comandatuba, quando, na volta de um passeio de catamarã, percebi aquela praia, antes lotada, tão deserta. Caminhando na direção do hotel, comecei a ver alguns hóspedes estrangeiros chorando.


http://www.viaeptv.com/epnoticia/lazerecultura/NOT,0,0,171701,Ayrton+Senna.aspx


FONTE PESQUISADA

Ayrton Senna: O mês era julho, o ano é 1986. Como cenário, o restaurante Allegro, um dos mais bonitos que Campinas já teve. Disponível em: <http://www.viaeptv.com/epnoticia/lazerecultura/NOT,0,0,171701,Ayrton+Senna.aspx>. Acesso em: 26 de janeiro 2014.

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